Intervenção de Paulo Raimundo, Secretário-Geral, Debate «A saúde na gravidez, no parto e na infância - o papel essencial do Serviço Nacional de Saúde»

Só um SNS forte pode aumentar a prevenção e a resposta e não fazer da gravidez, do parto e da saúde das crianças mais um negócio

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Gostaria de começar por valorizar os contributos aqui deixados, a experiência, o conhecimento, o saber científico, profissional e sobretudo o empenho em garantir os direitos mais essenciais de todas as mulheres e crianças.

Estamos perante  questões sentidas por um vasto conjunto de pessoas, desde profissionais de saúde a utentes, associações científicas ou de intervenção cívica.

O tempo que hoje aqui dedicámos foi, sem dúvida, um tempo ganho e de grande valor.

Por aqui passaram nas intervenções os cuidados hospitalares e os cuidados primários de saúde, os direitos básicos e já consagrados mas também a expressão de novas e justas preocupações, a capacitação e plena informação das mulheres na gravidez, no parto e no pós-parto, até à necessidade de acautelar as consequências do aumento da idade em que as mulheres engravidam, do maior número de nascimentos de bebés prematuros, da necessidade de melhorar o acompanhamento da saúde dos bebés e das crianças e da detecção precoce de problemas.

Todas estas questões revelam a necessidade de um Serviço Nacional de Saúde robusto e a funcionar em pleno, e se assim não for muitos destes problemas não terão resposta com consequências negativas para muitas mulheres e crianças.

Esse SNS robusto e a funcionar em pleno exige investimento, mas exige acima de tudo a existência de profissionais de saúde motivados, com boas condições de exercício da profissão, com carreiras justas, melhores salários, estabilidade e, não menos importante, respeito.

O SNS, desde a sua criação, tem sido um exemplo de excelência de trabalho e dedicação no que à saúde materna e infantil diz respeito.

Em resultado da Revolução de Abril, da luta travada em defesa do direito à saúde, incluindo pelo direito à saúde da grávida e da criança, Portugal passou a ter indicadores de topo mundial quanto à mortalidade infantil ou à taxa de vacinação das crianças. Praticamente 100% dos partos são em meio hospitalar. Conquistas notáveis do SNS.

Não alinhamos no discurso do caos, se denunciamos as carências que o SNS tem é precisamente para as ultrapassar, para que se vá mais longe na superação de dificuldades e se retome um caminho de novos avanços.

É no SNS que continuam a ser prestados a esmagadora maioria dos cuidados de saúde, é nele que estão as respostas para as situações de doença mais complexas, que nenhum grupo privado quer tratar.

É com o SNS robusto e a funcionar em pleno que podemos dar resposta aos problemas, nalguns casos crescentes, da população. Mas igualmente na promoção da saúde. 

Infelizmente a opção do Governo e dos defensores da política de direita tem sido outra. 

Por opção e não por outra razão, o caminho tem sido o da fragilização, desvalorização dos profissionais e de os empurrar para a emigração, subfinanciamento e falta de investimento, garrote do Ministério das Finanças e a uma preocupante e crescente transferência de dinheiros públicos, valências e serviços para os grupos económicos privados. Ainda agora foi conhecido que 70% investimento previsto no SNS para 2022 ficou por fazer.

Um caminho de privatização apoiado e animado por PSD, CDS, Chega e Iniciativa Liberal, um caminho incompatível com as reais necessidades.

O que precisamos é de aumentar a prevenção e a resposta e não fazer da gravidez, do parto e da saúde das crianças mais um negócio.

Estamos confrontados com um grave problema demográfico, para o qual temos vindo a alertar.

Problema que só é possível enfrentar garantindo condições para uma vida digna para as potenciais mães e os potenciais pais, garantindo salários, estabilidade e horários dignos, habitação, uma rede pública de creches e outros factores que pesam e muito na decisão de ter um filho.

Garantindo também os cuidados de saúde indispensáveis para o planeamento familiar, uma gravidez feliz e uma infância saudável. Para uma gravidez vivida com felicidade e segurança é fundamental o acompanhamento médico da gravidez, a preparação do parto e a garantia de um parto hospitalar, de qualidade e humanizado. 

Esse SNS forte e capaz onde não é concebível o sistemático encerramento de urgências pediátricas, obstétricas e blocos de partos, ou especialidades como a pediatria com tudo o que isso implica e sabendo que algumas dezenas de quilómetros podem fazer toda a diferença.

O Governo optou agora, não por encerrar à descarada, mas por ir encerrando devagarinho, com encerramentos agendados para mais tarde virem os encerramentos definitivos.

É do conhecimento público que foram definidos requisitos mínimos no número de especialistas médicos para assegurar o funcionamento destas urgências. 
É claro que tem de haver níveis mínimos para garantir a segurança dos utentes, mas estranhamos que esses limites em Portugal sejam bastante superiores a outros países europeus e até aos recomendados por instituições internacionais, e que em grande medida só se apliquem às unidades públicas.

Esse SNS forte e capaz que tem de garantir a todos o acesso a médico e enfermeiro de família, resolvendo o problema de 1 milhão e 400 mil utentes que hoje estão sem acesso, com o impacto que tem também no acompanhamento das gravidezes e da saúde infantil.

Esse SNS forte e capaz tem de ser capaz de inverter a situação registada nos dados de 2021, que mostram que 4 em cada 10 mulheres não tiveram acesso à ecografia do primeiro trimestre nos cuidados primários de saúde ou que 63% das grávidas não tiveram pelo menos seis consultas de enfermagem para vigilância da gravidez.

Dados que revelam ainda que mais de metade das mulheres puérperas na região de Lisboa e Vale do Tejo não tiveram acesso a uma consulta médica de revisão no pós-parto. Que muitas mulheres se sentem sozinhas perante dificuldades na amamentação. Que só 28% das mulheres tinham um acompanhamento adequado em planeamento familiar, ou ainda que na saúde infantil só 25% das turmas estão abrangidas pelo programa nacional de saúde escolar, menos 13 pontos percentuais do que em 2019.

Esse SNS forte e capaz que rompa com o constante desinvestimento em unidades de referência nos cuidados materno-infantis, imprescindíveis para os cuidados de saúde nestas áreas e muitas vezes a última linha para tantas situações, como são exemplos a Maternidade Alfredo da Costa e o Hospital de Dona Estefânia. 

Instituições que viram a sua autonomia diluída com o risco de perda de saber e a experiência que ali se acumula, capacidades e saberes únicos muito difíceis de recuperar.

Esse SNS forte e capaz que precisamos e haveremos de consagrar, é um SNS humanizado em todos os cuidados de saúde e em particular dos cuidados às grávidas.

É o SNS que garante a plena informação a todas as mulheres e em todas as fases do processo, da gravidez ao parto e ao puerpério, assegurando a preparação do parto e até onde for possível a participação informada nas decisões e o respeito pelos seus direitos. Caminho justo e necessário, só possível com mais médicos e enfermeiros, mais condições de trabalho e investimento.

Esse SNS forte e capaz que trave urgentemente a degradação dos indicadores de saúde, como é o caso da mortalidade materna, especialmente entre mulheres migrantes, ou a elevada taxa de cesarianas, com forte incidência nos partos em hospitais privados.
 
Grupos privados empenhados, com o apoio do Governo, na chamada “desnatação” do SNS, ficando com o que é menos complexo e envolve poucos riscos, como os “partos simples”, com financiamento estatal. 

É no fundo o continuar do que já fazem com os partos que recebem em regime privado: quando tudo corre bem facturam; abusam de cesarianas programadas; quando há um problema mais sério com a mãe ou a criança, facturam à mesma e logo que necessário enviam o problema para os hospitais públicos que, esses sim, não fecham a porta a ninguém.

E a pergunta de sempre, esse SNS forte e capaz quanto custa? 

Tem os custos que forem necessários para garantir o direito de todos à saúde, mas custará sempre menos do que entregar serviços aos grupos privados, isso sim, sai caro no Orçamento. Custa menos que a doença generalizada da sociedade. Custa menos do que um País sem crianças e pais com direitos. Custa menos do que ter crianças que crescem sem os melhores cuidados de saúde. Custará muito mais amanhã se não o defendermos hoje.

E há, como se vai vendo nestes dias, dinheiro e muito. Estivesse ele distribuído de outra forma, fosse ele para onde deveria e estaríamos numa situação bem diferente.

No próprio Orçamento para a saúde, onde mais de 40% vai direitinho para os grupos económicos do negócio da doença. Mais de 6 mil milhões de euros.
Mas também nos mil e 500 milhões deste orçamento e outro tanto nos próximos anos para compensar grandes empresas da energia. Nos benefícios fiscais a grandes grupos económicos. Nos milhões para as concessionárias das autoestradas. Na taxação que fica por fazer aos lucros que são fruto da mais desavergonhada especulação e intensificação da exploração.

Milhares e milhares de milhões de euros que tanta falta fazem a serviços públicos como o SNS, a hospitais, a centros de saúde, a profissionais. Mas também à investigação, à formação, à ciência, à tecnologia, à produção, para não ficarmos dependentes de quem já tantos milhões distribui aos accionistas à conta do desmantelamento do SNS.

Há meio ano dizia-se que o PRR tem 128 milhões de euros para recuperação e construção de novos centros de saúde. Só naqueles 6 mil milhões que vão para os grupos privados, veja-se o que não daria para dotar de infraestruturas, pessoal, equipamentos e serviços o Interior do País. Se as lágrimas de crocodilo pela desertificação do Interior equivalessem a acções para ultrapassar o problema, este estaria resolvido há muito. 

Que se pare de atirar areia para os olhos e dizer que não há dinheiro. O que não há é vontade de prosseguir esse caminho por parte de PS, PSD, Chega, IL e CDS comprometidos que estão com o desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde.

Mas é o caminho que interessa à ampla maioria da população, que interessa aos profissionais e aos utentes, às mães, aos pais e às crianças.

Apesar de todos os problemas e contrariedades é notável a capacidade do SNS de resistir e responder.

Só possível graças ao seu forte enraizamento entre a população, com o empenho e dedicação dos profissionais de saúde.

Este é o modelo que serve melhor o País, é o garante da prestação de cuidados de saúde à população de uma forma universal e global.

Esta conquista da Revolução de Abril não está só inscrita na nossa Constituição como pertence ao povo português.

Para esse, cada vez mais urgente e necessário, forte e capaz SNS contem com o PCP.

O SNS a que temos direito, um SNS que precisa ser defendido também como elemento central para a consagração dos direitos das mulheres e das crianças.

Que valorize e respeite os profissionais e crie condições para a sua fixação.

Que garanta mais médicos, enfermeiros e assistentes técnicos e operacionais, mas também psicólogos, farmacêuticos, técnicos de diagnóstico, terapeutas, dentistas, nutricionistas e tantas outras profissões para garantir um trabalho que é cada vez mais multidisciplinar e de equipa.

O SNS com investimento assegurado a partir do Orçamento do Estado e que não esteja dependente de fundos comunitários, alocados muitas vezes a outras prioridades e interesses que não os do País.

O SNS da participação democrática na gestão das instituições e na definição das prioridades, com participação dos profissionais na escolha dos seus dirigentes e das populações nas suas unidades de saúde.
 
O SNS da informação às mulheres no processo de gravidez e do parto e que aposte na formação para os profissionais no sentido da humanização de todo o processo, para que o nascimento de um filho seja, como pode e deve ser, um momento de felicidade, de realização de um sonho e de um projecto de vida. 

O SNS da abertura e não do encerramento, de garantia dos serviços de ginecologia, obstetrícia e pediatria, incluindo as urgências nesta área, reforçando os seus meios humanos e físicos e a sua capacidade de resposta.

O SNS dos cuidados primários com mais médicos e enfermeiros de família e outros profissionais indispensáveis ao acompanhamento das mulheres e das crianças.

Temos a consciência dos desafios que temos pela frente. Mas também sabemos que há muitas forças disponíveis para defender o direito à saúde das mulheres e das crianças exigindo o reforço do Serviço Nacional de Saúde. 

Para isso é necessária uma forte mobilização da nossa sociedade: dos profissionais de saúde e dos seus sindicatos, das populações, de comissões de utentes, das organizações em defesa dos direitos das mulheres, das associações cívicas, de muitas personalidades que se posicionam inequivocamente na defesa do SNS.

Desta nossa iniciativa renova-se o apelo e o compromisso a cada um para que tome nas suas mãos a defesa do SNS, dos direitos das mulheres e das crianças.

Para esse combate podem contar com o PCP!

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