Intervenção de Ana Campos, médica obstetra, ex-directora do serviço de Ginecologia e Obstetrícia da Maternidade Alfredo da Costa;, Debate «A saúde na gravidez, no parto e na infância - o papel essencial do Serviço Nacional de Saúde»

A Saúde na Gravidez e no Parto

A Saúde na Gravidez e no Parto

A Saúde Sexual e Reprodutiva está englobada no Direitos Sexuais e Reprodutivos, considerados hoje Direitos Humanos, devendo haver legislação que permita proceder à satisfação das necessidades das populações nesta área. A Saúde na gravidez e no parto, tema que me foi confiado, deve incluir sempre o planeamento da gravidez, a sua vigilância e o planeamento do parto. Neste tema não serão tratadas quer a contraceção, muito importante para espaçar as gravidezes e as situações em que a gravidez não é planeada e desejada. Todos estes aspetos devem ter tratamento individualizado dentro da saúde sexual e reprodutiva, uma forma de permitir que as mulheres e os casais usufruam da sua sexualidade com prazer, tendo sempre a hipótese de planear e pensar numa gravidez, ou, pelo contrário, não a considerando oportuna ou desejável, terem a hipótese de usar contraceção.

Em Portugal, como em muitos países, nomeadamente da Europa, assiste-se a um aumento da idade média da mulher quando do nascimento do 1º filho (de acordo com os dados do INE de 2021, era de 30,9 anos), enquanto que em 1960 era de 25 anos. As mulheres hoje também têm menos filhos, em média 1 filho por casal, quando em 1960 tinham 3. O número de partos naturalmente baixou, situandose em 2021 de 79 582 (Fonte-INE) com 14% dos partos em mulheres que não nasceram em Portugal, mas residem cá.

Nados-vivos de mães residentes em Portugal: total e por nacionalidade da mãe

Fonte: INE

Há certamente muitas razões sociais e económicas para o adiamento da maternidade. Uma das razões está no aumento do tempo de escolaridade das mulheres. Praticamente duplicou o número de casos de mulheres licenciadas em 2021 comparativamente a 2010, sabendo-se que hoje os casais preferem procurar uma estabilidade no emprego e no salário, antes de optarem por ter um filho. Este fenómeno, que é reconhecido internacionalmente, tem como consequência que, em idades superiores a 35 anos, as mulheres têm já doenças crónicas, como hipertensão e diabetes na gravidez, muitas vezes associadas a excessos alimentares e a uma vida pouco saudável. A taxa de infertilidade dos casais é também mais elevada nestas idades. Estes aspetos aconselhariam a que as mulheres tivessem o primeiro filho até aos 30 anos, mas já vimos que a realidade não é essa.

Há certamente muitas razões sociais e económicas para o adiamento da maternidade. Uma das razões está no aumento do tempo de escolaridade das mulheres. Praticamente duplicou o número de casos de mulheres licenciadas em 2021 comparativamente a 2010, sabendo-se que hoje os casais preferem procurar uma estabilidade no emprego e no salário, antes de optarem por ter um filho. Este fenómeno, que é reconhecido internacionalmente, tem como consequência que, em idades superiores a 35 anos, as mulheres têm já doenças crónicas, como hipertensão e diabetes na gravidez, muitas vezes associadas a excessos alimentares e a uma vida pouco saudável. A taxa de infertilidade dos casais é também mais elevada nestas idades. Estes aspetos aconselhariam a que as mulheres tivessem o primeiro filho até aos 30 anos, mas já vimos que a realidade não é essa.

Durante a última década, assistimos a um aumento do número de hospitais privados, sobretudo nos grandes centros urbanos (Lisboa e Porto). Por essa década surgiram 4 parcerias público-privadas, três das quais em Lisboa, correspondendo duas a hospitais já existentes e uma de novo. Assistindo-se a uma redução do número de partos e de filhos por casal, provavelmente deveria ter havido racionalização dos hospitais com valência de Obstetrícia e Ginecologia, já que nessa altura era patente a saída de médicos dos hospitais públicos. Poderia ser evitada a crise de urgências em Maternidades de grandes centros, por redução de profissionais que poderiam estar concentrados em menos hospitais, dando uma resposta mais eficaz.

Atualmente, o número de hospitais privados já é superior ao dos públicos e o número de partos em Lisboa tem como primeiro hospital um hospital privado. As razões para a saída de profissionais são várias: falta de condições de acesso a uma carreira que não existe de momento, condições de trabalho com caraterísticas que reduzem a vontade de permanecer: horários muito prolongados, salários desadequados, instalações envelhecidas, material obsoleto.

Tudo isto gera insatisfação e facilita a apetência pela mudança para uma instituição privada.

Perante isto, o Serviço Nacional de Saúde tenta resistir, com tentativas de reorganização dos cuidados a prestar às grávidas, tendo sido publicada recentemente uma atualização da vigilância da gravidez de baixo risco, nos cuidados primários.

Mas verifica-se uma discrepância marcada entre o acesso a consultas no SNS nas diferentes regiões do País, com redução de acesso na região de Lisboa e Vale do Tejo (LVT), Alentejo e Algarve. Não havendo uma clara informação acerca dos locais de vigilância das grávidas que não estão no SNS, pensa-se que estarão a ser vigiadas em instituições privadas.

Havendo nos quadros de registos do SNS uma cobertura aproximando-se dos 75% em Lisboa e Vale do Tejo, deduz-se que a percentagem restante é vigiada exclusivemente em instituições privadas.

A falta de equidade no acesso aos cuidados de saúde durante a gravidez traduzse no facto de:

  1. existir ausência de comparticipação por parte do SNS numa análises, hoje reconhecidamente considerada imprescindíveis no 1º trimestre, para o cálculo de risco de alterações cromosómicas em exame que se faz entre as 10 e as 12-13s.
  2. Os hospitais, pelo menos na região LVT, não dão resposta à totalidade da população abrangida, em relação ao rastreio de Diagnóstico Prénatal, para rastreio de cromossomopatias e também para estudo da morfologia fetal às 20-22 semanas.
  3. Os centros do exterior que trabalham para o SNS são muito irregulares na qualidade da resposta que oferecem.

Em 2021 nos hospitais públicos houve: Total de partos – 78736 com 37% de cesarianas e 51% de partos eutócicos

Em 2021, nos hospitais Privados houve: Total de partos – 14365, com 64,6% de cesarianas e 18,5% de partos eutócicos.

A taxa de cesarianas elevadíssima nos hospitais privados tem várias razões, podendo ser a económica uma delas, mas terá de haver também outras explicações da parte dos médicos e das grávidas.

A taxa de mortalidade materna teve uma descida muito significativa nos últimos 60 anos 115,5 por 1000 nascimentos em 1960 para 20,1 por 1000 nascimentos em 2020. Esta descida foi fruto das inúmeras medidas implementadas após a criação do SNS, tais como consultas de vigilância da gravidez nos centros de saúde, articulação com os hospitais nas situações de doença materna, o parto hospitalar, a criação do INEM com transporte de situações de urgência para centros mais diferenciados e também as melhores condições de vida e de saúde em geral de que as pessoas puderam dispor após o 25 de Abril. Nos últimos 4 anos tem havido ligeiras subidas da mortalidade materna, que estão a ser fruto de estudo de uma Comissão específica da responsabilidade da Direção geral de saúde.

A mortalidade perinatal, que inclui a mortalidade fetal e após o nascimento até aos 28 dias, viu também uma redução drástica e aqui, para além dos fatores relativos à saúde da mãe, toda a rede de referenciação neonatal e durante a gravidez em que os fetos devem ser transferidos in-útero sempre que possível, em ambulâncias especificas do INEM, com pediatras diferenciados em neonatologia. A criação de unidades diferenciadas em cuidados intensivos Neonatais veio permitir criar centros de referência neonatal, para tratamento de prematuridade e doenças fetais ou neonatais.

A taxa de prematuridade também subiu ligeiramente nos últimos anos e as necessidades de estudar as razões deste aumento estão a ser alvo de estudo de sectores associados à neonatologia, sabendo-se que para já há uma ideia partilhada entre obstetras e neo-natologistas, que é a necessidade de redução de gravidez múltipla, que está muito dependente de tratamentos de infertilidade e que está associada a alta prematuridade.

A pandemia teve impacto em todos os serviços de saúde e nos cuidados da gravidez também. Tentaram-se reduzir as consultas presenciais e um estudo realizado na Europa, em que o ISPUP, do Porto entrou como colaborador, revelou que houve impactos no parto: redução da comunicação, dificuldade de presença de acompanhante, redução de envolvimento nas escolhas do parto e redução de apoio na amamentação. Houve também mais partos no domicílio, com todos os problemas que um parto no domicílio pode encarar, com falta de apoio e de resposta para as emergência durante o trabalho de parto e parto, por distância a que se encontram do hospital.

Hoje, com o panorama em que nos encontramos, necessitamos de uma redistribuição de recursos e de repensar os cuidados no parto, não medicalizando tanto as situações de baixo risco obstétrico e organizando locais de parto no hospital para o baixo risco, podendo haver a qualquer momento passagem para o local destinado ao alto risco.

Isso pressupõe que os e as enfermeiras especialistas devem adquirir novas funções, com responsabilização acrescida, podendo ter um papel muito importante na vigilância das situações de baixo risco nos Centros de Saúde e no parto.

Publicado em Estatísticas de Saúde 2020.

O trabalho em equipa entre médicos e enfermeiros é crucial, com respeito pelas funções de cada uma e com reaquisição de funções adequadas à formação de enfermeiros especialistas em saúde materna e obstétrica. Racionalizar significa distribuir, responsabilizar e trabalhar em conjunto. Se a racionalização ocorrer, apesar das dificuldades por que passa, o SNS saberá e conseguirá resistir a esta crise.


Fontes de consulta:

Euro-Peristat_Fact_sheets_2022_for_upload.pdf (europeristat.com) INE- Estatística de Nados-vivos: fonte Pordata, última atualização 22-08-11 Programa Nacional para a Vigilância da Gravidez de Baixo Risco- última atualização em 2022; https://www.dgs.pt

Impacto da pandemia nos cuidados de saúde maternoinfantis; https://ispup.up.pt/

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