Projecto de Lei N.º 624/XII/3.ª

Impede o encerramento de serviços públicos

Impede o encerramento de serviços públicos

I
O Estado tem a responsabilidade e o dever de prestar serviços públicos de garantir as funções sociais, de qualidade e próximos das pessoas. No entanto, sucessivos Governos PS, PSD, com ou sem a participação do CDS-PP, a pretexto do défice das contas públicas ou da racionalização de recursos, dirigiram medidas concretas para concentrar e encerrar serviços públicos, reduzindo a resposta do Estado às necessidades das populações e do País.

A verdade é que sempre houve inúmeros interesses, a que os Governos procuraram satisfazer, de grupos económicos e financeiros; interesses esses que colidiram e colidem com o interesse público. Há muito que os grupos económicos e financeiros ambicionam tornar a saúde ou a educação num negócio altamente rentável para acumularem os seus lucros.

Com o Pacto de Agressão das Troicas, a par das opções políticas e ideológicas do atual Governo PSD/CDS-PP foi encetado um ataque sem precedentes à Administração Pública, aos serviços públicos e às funções sociais do Estado, empobrecendo o regime democrático.

E o Governo prepara-se para ir mais longe. Não há nenhuma saída limpa como apregoa, há sim, é uma linha de aprofundamento da política que conduziu o país para a situação em que hoje se encontra, de declínio e retrocesso económico e social - mais desemprego, mais exploração, mais empobrecimento e mais desigualdades.

Numa total afronta aos princípios da Constituição da República Portuguesa, o Governo tem em marcha um plano de destruição de serviços públicos e de negação dos direitos à educação, à saúde, à proteção social e à justiça aos portugueses. E esta política atinge fundamentalmente, aqueles a quem ao longo destes anos viram os salários e reformas cortados, as prestações sociais reduzidas ou retiradas, isto é, aos trabalhadores, aos reformados, aos jovens, ao povo português. O ataque às funções sociais do Estado e a destruição dos serviços públicos integra o processo mais vasto de reconfiguração do Estado que o Governo tem em curso.

A única preocupação do Governo é como podem colocar ainda mais o Estado ao serviço dos grupos económicos e financeiros.

Degrada-se a qualidade dos serviços prestados, criando um sentimento de insatisfação junto das populações, para depois a privatização surgir como a única solução. A privatização de serviços públicos e das funções sociais do Estado não garante a proximidade e universalidade e vem introduzir custos mais elevados e perda de qualidade nos serviços prestados.

Os protagonistas da política de direita nunca se conformaram com o conteúdo progressista da nossa constituição, onde o Estado assegura os direitos políticos, económicos, sociais e culturais. Foi Abril que possibilitou pela primeira vez que milhares de pessoas fossem a uma consulta médica, que milhares de jovens pudessem ter acesso a todos os graus de ensino, que possibilitou o acesso à justiça.

A política de direita não é compatível com a garantia das funções sociais do estado e de serviços públicos de qualidade e proximidade.

II
Desde 2002, sucessivos governos PS, PSD e CDS encerraram mais de 6.500 escolas do 1º ciclo do ensino básico, sendo que o atual Governo pretende encerrar mais 439 escolas. Esta decisão é inseparável da política em curso de desmantelamento da Escola Pública e é contrária às necessidades pedagógicas dos alunos e de coesão territorial.
O encerramento de escolas obriga a deslocações diárias das crianças e à frequência escolar fora das suas comunidades, representando uma degradação inaceitável das suas condições de vida, com impactos profundos nas suas rotinas e vivências diárias. Para além disto, esta decisão tem consequências muito negativas nas condições de desenvolvimento económico e social do território nacional. Para o PCP, a rede escolar deve obedecer a critérios pedagógicos e responder às necessidades concretas de desenvolvimento das populações e do território.

III
A consagração do Serviço Nacional de Saúde permitiu que Portugal se aproximasse, em termos dos indicadores de saúde, dos países mais avançados. O Serviço Nacional de Saúde veio progressivamente garantir a todos o acesso a cuidados de medicina preventiva, curativa e de reabilitação, bem como a criação de uma eficiente cobertura nos cuidados de saúde primários e hospitalar de todo o país. Porém, sucessivos Governos e, particularmente, o Governo PSD/CDS-PP têm desferido ataques severos ao Serviço Nacional de Saúde e, por conseguinte ao direito à saúde – direito constitucionalmente consagrado.

As medidas tomadas pelo atual executivo têm dificultado a acessibilidade dos utentes aos cuidados de saúde quer por via do encerramento, concentrações e fusões de serviços e valências nos cuidados hospitalares, quer por via do encerramento de extensões, postos e serviços de atendimento permanente nos cuidados de saúde primários.

Com a publicação da Portaria 82/2014, de 10 abril, o Governo prossegue a política de desinvestimento no SNS e, agora, nos cuidados hospitalares através da desclassificação de unidades hospitalares, encerramento de serviços e valências. A portaria prevê o encerramento de 24 maternidades; a eliminação das especialidades de endocrinologia e estomatologia dos hospitais públicos; encerramento do Instituto Oftalmológico Dr. Gama Pinto; encerramento dos serviços de cirurgia cardiotorácica nos hospitais de Gaia e de Santa Cruz; encerramento de serviços de cirurgia pediátrica ficando apenas esta valência circunscrita a Porto, Lisboa e Coimbra.
As consequências nefastas da política de direita fazem-se também sentir e, cada vez mais de uma forma acentuada, na degradação generalizada do funcionamento dos serviços públicos de saúde como resultado do aprofundamento de uma política de subfinanciamento do SNS, de que a não disponibilização de medicamentos a doentes crónicos, o aumento de lista de espera para consultas de especialidade e de cirurgias, como recentemente foi tornado público são alguns exemplos. Contribui também para a degradação da prestação de cuidados a redução drástica no número de profissionais de saúde adstritos cuidados de saúde.

A degradação da prestação de cuidados de saúde tem, igualmente, tradução na não realização de obras nas unidades de saúde que necessitam, bem como na não construção de unidades hospitalares e centros de saúde em localidades e concelhos altamente carenciados.

IV
A aprovação do novo mapa judiciário, através do Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de março, cuja entrada em vigor se prevê que tenha lugar em setembro de 2014, é mais um passo na ofensiva do Governo contra os direitos dos cidadãos. O encerramento de 20 tribunais, a desgraduação de outros 27 em meras extensões e a concentração de tribunais especializados, representará, para muitos milhares de cidadãos, e principalmente para as populações do interior do país, um maior afastamento do direito à Justiça e à efetivação por via judicial de direitos e interesses legalmente protegidos.

O Grupo Parlamentar do PCP, para além de ter suscitado a Apreciação Parlamentar do “mapa judiciário” e de ter apresentado propostas visando a sua alteração de modo a garantir que em todas as atuais comarcas seja assegurada, no mínimo, a existência de um tribunal de competência genérica, mantém a intenção de, por via de iniciativa legislativa própria, retomar as suas propostas alternativas ao “mapa” pretendido pelo Governo, de modo a salvaguardar o direito dos cidadãos de acesso à Justiça e aos tribunais.
Entretanto, de modo a evitar a consumação dos graves prejuízos decorrentes da entrada em vigor do “mapa Judiciário”, o PCP, através da presente iniciativa legislativa, propõe a suspensão da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de março.

V
No seguimento dos compromissos assumidos no âmbito do Memorando da Troica pelo PSD, PSD e CDS, o Governo planeia, em 2014, encerrar metade das repartições de finanças.

O encerramento de repartições de finanças por todo o país, com particular incidência nas regiões do interior, criaria dificuldades acrescidas às populações no acesso a estes serviços públicos. Em muitas zonas do país, com deficientes redes de transportes públicos, as deslocações ao serviço de finanças mais próximo seriam muito demoradas e envolveriam custos acrescidos para os contribuintes.

O facto de muitos cidadãos não terem acesso à internet e/ou não dominarem as novas tecnologias, não permitiria, ao contrário do que afirma a propaganda governamental, a transferência dos atuais serviços prestados ao balcões das repartições para uma plataforma eletrónica do tipo do Portal das Finanças. Acresce ainda que alguns atos, como a emissão de algumas certidões, não podem ser realizados por via eletrónica.

O encerramento de repartições de finanças contribuiria, ainda, para aumentar as assimetrias regionais, pondo em causa a coesão territorial, além de agravar os processos de desertificação e o despovoamento das regiões do interior do país.

Apesar de o Governo não o reconhecer, o facto é que o encerramento de serviços públicos tem como objetivo o despedimento de funcionários públicos. Mesmo que o encerramento de serviços de finanças não se viesse a traduzir, a curto prazo, em despedimentos de trabalhadores, implicaria a deslocação imediata dos trabalhadores para outras repartições, que, em algumas regiões do país, se encontram a dezenas de quilómetros de distância e, em distritos como Beja, a mais de uma centena de quilómetros de distância.

VI
O Estado tem a responsabilidade de assegurar as funções sociais do Estado e a prestação de serviços públicos de qualidade, de proximidade a todos os portugueses. Entendemos que a prestação dos serviços públicos e as funções sociais do Estado devem manter-se na esfera pública, garantindo a total cobertura do território, nas regiões do litoral e do interior, nas zonas urbanas e rurais.

A existência de uma rede de serviços públicos de qualidade e de proximidade, contribui para o desenvolvimento das regiões, para a eliminação das atuais assimetrias territoriais e para a qualificação dos territórios.

O PCP defende o reforço e qualificação dos serviços públicos prestados às populações, potenciando a ligação do Estado aos cidadãos. Defende o cumprimento dos direitos consagrados constitucionalmente, designadamente o direito à educação, à saúde e à justiça.

É neste sentido que o PCP apresenta um projeto de lei que visa impedir o encerramento de serviços públicos, nomeadamente escolas, serviços e valências hospitalares, tribunais e repartições de finanças.

Assim, ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º
Objeto

A presente lei visa impedir o encerramento de serviços públicos.

Artigo 2.º
Suspensão do processo de reordenamento da rede escolar

1 – São suspensos todos os processos de encerramento de escolas de 1.º ciclo e jardim-de-infância, ficando o Governo obrigado a manter em funcionamento os estabelecimentos de ensino existentes no ano letivo 2013/2014.

2 – Será realizada num prazo de dois anos uma Carta Educativa Nacional que defina o planeamento estratégico da rede escolar, sendo obrigatório o envolvimento das partes integrantes, considerando os seguintes critérios:

a) Qualidade pedagógica e eficiência pedagógica da escola ou agrupamento, independentemente do número de estudantes;
b) Capacidade de envolvimento das populações com a comunidade escolar, seu aprofundamento ou manutenção;
c) Proximidade da infraestrutura aos aglomerados urbanos e habitações e tempo de transporte previsto para as deslocações dos estudantes, considerando limite máximo da duração da deslocação os 30 minutos;
d) Existência de alternativas reais ou necessidades de construção de novas escolas, analisando caso a caso a realidade nacional, sem que se aplique um critério unificado para as condições diversas verificadas no terreno.

3 – São consideradas partes integrantes no processo de reordenamento da rede escolar as autarquias locais, as comunidades educativas e os seus órgãos de gestão e administração escolar, das associações de pais e encarregados de educação e associações de estudantes.

Artigo 3.º
Suspensão dos processos de redução, concentração e/ou encerramento de serviços ou valências dos cuidados hospitalares e critérios para a reorganização da rede hospitalar

1 – Ficam suspensos todos os processos que se traduzam na desclassificação, redução, concentração e ou encerramento de serviços ou valências dos hospitais, centros hospitalares e unidades locais de saúde, designadamente o que resulta da Portaria nº82/2014, de 10 de abril.

2- A reorganização da rede hospitalar obedece aos seguintes critérios gerais:

a) estruturação da rede hospitalar em articulação com os cuidados de saúde primários, os cuidados de saúde continuados e a saúde pública;
b) organização da rede hospitalar assente no utente, assegurando a acessibilidade à saúde tal como consagrado na Constituição da República Portuguesa;
c) organização da rede hospitalar otimizando os recursos existentes, sem que tal implique a diminuição e qualidade dos serviços prestados;
d) organização da rede hospitalar considerando níveis de referenciação baseados no nível de complexidade das patologias, na idoneidade e vocação para a investigação e ensino, na proximidade e capacidade de resposta dos diferentes estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde.

Artigo 4.º
Suspensão da aplicação do “mapa judiciário”

É suspensa a aplicação do Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de março.

Artigo 5.ª
Repartições de finanças

1- Fica o Governo obrigado a manter em funcionamento as repartições de finanças existentes a 1 de janeiro de 2014.

2- Sem prejuízo do disposto no número anterior, o Governo deve apresentar no prazo de 90 dias à Assembleia da República um mapa de repartições de finanças, assegurando:

a) A cobertura integral do território nacional;
b) A existência de repartições de finanças em todos os concelhos;
c) Um número de repartições de finanças por concelho adequado ao número de contribuintes inscritos.

Artigo 6.º
Norma revogatória

É revogada a Portaria nº82/2014, de 10 de abril.

Artigo 7.º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Assembleia da República, em 20 de junho de 2014

  • Administração Pública
  • Assembleia da República
  • Projectos de Lei