Intervenção de Bernardino Soares, Membro do Comité Central, Debate «A saúde na gravidez, no parto e na infância - o papel essencial do Serviço Nacional de Saúde»

«Sairemos daqui mais capazes e conhecedores da realidade e com ânimo reforçado para lutar pelos direitos das mulheres e das crianças do nosso país»

«Sairemos daqui mais capazes e conhecedores da realidade e com ânimo reforçado para lutar pelos direitos das mulheres e das crianças do nosso país»

Caros amigos,

Começo por agradecer a presença de todos e em particular dos oradores de enorme prestígio e saber que compõem a mesa neste debate. Sublinho também a presença do Secretário-Geral do PCP, Paulo Raimundo, que confirma a importância que damos a esta temática.

Decidimos realizar este debate porque a área da saúde materna e infantil é central na garantia de uma vida saudável à população portuguesa. Porque queremos conhecer melhor esta área e as suas necessidades. Porque o debate de diversas perspectivas e opiniões sempre nos ajuda a ir mais além no apuramento das nossas propostas e intervenções. E finalmente porque estamos num momento muito sensível do direito à saúde no nosso país em que é preciso alertar para os problemas e lutar pelas mudanças necessárias.

Certamente debateremos problemas existentes, alguns crónicos e graves, para os quais não tem havido soluções. Mas não perderemos a perspectiva de que, apesar disso, o Serviço Nacional de Saúde continua a ter o papel essencial na garantia dos cuidados de saúde para as mulheres e as crianças. Há muito a melhorar no SNS, mas há um ainda maior conjunto de capacidades existentes que precisamos de preservar e valorizar. O que se faz bem é ainda muito mais do que o que faz falta!

Com certeza teremos aqui o relato do trabalho fundamental que se faz nos cuidados primários de saúde, até onde os meios e recursos o permitem, procurando garantir o acompanhamento das grávidas e das crianças. Teremos a valorização do percurso de conquista de direitos e de avanços desde a Revolução de Abril com fortíssimo impacto positivo no desenvolvimento da sociedade portuguesa, mas também dos recuos que já se adivinham. A abordagem da saúde materna e da saúde infantil como peças essenciais de uma política de saúde e de um Portugal com futuro. E a evidência da avançada capacidade científica e técnica das unidades mais especializadas do SNS na preservação da vida e da saúde das mulheres e crianças, por vezes nas circunstâncias mais difíceis, combatendo discriminações sociais e económicas no acesso a cuidados essenciais.

Não ignoramos, porque não é possível ignorar, que a situação a que se chegou hoje não é fruto do acaso, é sim a consequência de opções políticas que ao longo dos anos e por vários governos, desvalorizaram as profissões da saúde, desinvestiram nos hospitais e nos centros de saúde, reduziram camas de internamento, deixaram tornar-se obsoletos muitos equipamentos essenciais e subfinanciaram os serviços públicos de saúde. É isso que precisamos de mudar.

Também não ignoramos que estas áreas da saúde materna e infantil são particularmente apetecíveis para o negócio privado da saúde. São-no pela sua especial sensibilidade, por envolverem o nascimento e a infância, por todos os receios, intranquilidade e pela pressão psíquica e social a que as mulheres grávidas estão sujeitas, tudo criando o ambiente propício à sobrevalorização de determinadas limitações dos serviços públicos e à disponibilidade para fazer sacrifícios financeiros no recurso ao privado, em busca de uma segurança frequentemente ilusória.

Por outro lado é preciso lutar por novos avanços, no acesso a novas tecnologias e na introdução de novos métodos de abordagem. 

É preciso reconhecer os retrocessos em matéria de acesso aos cuidados e na efectivação dos direitos das mulheres e das crianças, que não se resolvem com a diabolização dos serviços públicos ou dos profissionais de saúde, mas sim com a recuperação das capacidades de uns e das condições de trabalho de outros. Mais dignidade profissional corresponde a maior qualidade dos serviços e a uma melhor garantia dos direitos das mulheres e das crianças.

É preciso responder a novas realidades como o aumento do número de mães migrantes e as suas dificuldades de acesso, o aumento da idade média das gravidezes ou o maior número de nascimentos gemelares, de baixo peso e prematuros, ou o aumento da taxa de cesarianas. 

É preciso garantir o acompanhamento completo da gravidez, a preparação do parto, o acesso a um parto hospitalar de qualidade e humanizado, a atenção necessária à saúde mental particularmente no no período pós-parto, o reforço do apoio de enfermagem à amamentação, as questões do acesso aos tratamentos de fertilidade e à procriação medicamente assistida, entre tantas outras matérias. 

Têm de ser tomadas medidas para contrariar um clima de crescente medo e insegurança que alguns querem fomentar em relação ao SNS, para o fragilizar e subordinar aos interesses dos grupos privados de saúde. 

É preciso voltar a dar a máxima centralidade à humanização dos cuidados prestados, em particular na gravidez e no parto, ao respeito pelas opções da mulher, pelo seu inalienável direito à informação plena e à participação nas decisões onde a sua opção deve ser respeitada. E é no Serviço Nacional de Saúde que essas questões devem obter resposta completa. É o SNS a melhor garantia de uma gravidez e de um parto com tranquilidade e segurança.

É que não há nada de humanizador quando uma grávida não é acompanhada devidamente nos cuidados primários de saúde, ou quando é remetida para uma urgência obstétrica a muitas dezenas de quilómetros de casa, ou quando uma criança tem de viajar mais de uma hora de ambulância para uma consulta ou urgência pediátrica num hospital. Sem a garantia do que é básico dificilmente se avança para o que é inovador e contemporâneo.

É preciso destruir alguns mitos que frequentemente nos querem impor. O de que o SNS falhou e é preciso outro modelo, quando o que falhou foram as políticas de saúde aplicadas e não o SNS que ainda assim lhes resiste. A de que os problemas do SNS são de mera organização e não de absoluta necessidade de valorização dos profissionais e de investimento adequado. A de que há uma qualquer liberdade de escolha que deve ser garantida quando o que pretendem os que o afirmam é atrofiar o serviço público para obrigar ao recurso ao privado, para os que o alcançarem.

Não resolveremos hoje todos os problemas do SNS, mas penso que sairemos daqui mais capazes e conhecedores da realidade e com ânimo reforçado para lutar pelos direitos das mulheres e das crianças do nosso país.

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