Intervenção de Bernardino Soares na Assembleia de República

Os trabalhadores vão lutar contra esta política e derrotá-la

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Interpelação centrada na legislação laboral
(interpelação n.º 13/XI/2.ª)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
O PCP trouxe, hoje, à Assembleia da República um dos mais graves problemas do nosso País e uma das mais tremendas ofensivas da política de direita, feita pelo Governo e pelo PS.
Bem pode o Primeiro-Ministro repetir, em todos os debates quinzenais, que está contra a eliminação da proibição do despedimento sem justa causa, proposta pelo PSD. A realidade é que o despedimento sem justa causa já existe. Existe para todos os trabalhadores precários, em particular os jovens que não têm estabilidade nos seus vínculos laborais, cujo desemprego é brutalmente elevado e que estão, mais uma vez, a emigrar em larga escala, com a perda, para o País, da imensa riqueza do seu saber e do seu trabalho.
Existe nos recibos verdes, existe no trabalho temporário, existe nos contratos a prazo.
E, de cada vez que estes jovens ouvem o Primeiro-Ministro falar da estabilidade governativa, sabem que ele está a falar da instabilidade das suas vidas, sabem que ele está a falar na continuação e no agravamento da exploração a que estão sujeitos.
Com a política deste Governo, não há governo para a vida dos jovens trabalhadores!
Esta interpelação pôs à evidência o desemprego galopante: 619 000 trabalhadores e 11,1%, nos dados do INE, que, na realidade, significará que atinge, hoje, já, em termos reais, os 800 000 trabalhadores. O desemprego para os jovens é de 23%.
Esta interpelação deixou também claro que não há qualquer oposição entre os direitos e os interesses dos trabalhadores jovens e dos menos jovens, nem entre os direitos e os interesses dos trabalhadores com contrato efectivo e os dos trabalhadores precários. A estabilidade, que não querem dar a uns, é a mesma que querem tirar aos outros.
Quando o Governo quer dar ao patronato a possibilidade de despedir, com indemnizações em saldo, trabalhadores efectivos ou com contratos a prazo, não é para contratar jovens trabalhadores para efectivos, é para contratar mais falsos recibos verdes, mais trabalho temporário, mais precariedade, mais exploração.
É este ciclo vicioso da precariedade, sempre com baixo salário, que é a «via verde» para o desemprego e para, a seguir, o salário ser ainda mais baixo e o emprego mais precário. É este ciclo vicioso que é preciso romper e rejeitar a lógica sinistra do Governo, do PS e do PSD, de que para criar mais emprego é preciso despedir mais facilmente.
Já se falou aqui do sucesso da música dos Deolinda que fala da geração sem remuneração. O mérito é todo deles, porque fazem música de grande qualidade e porque querem fazê-la sem esquecer a vida à sua volta, o seu País e o seu povo e por isso merecem uma justa referência. Aliás, no sector da cultura e das artes, a precariedade é a nota dominante e o acorde repetido da vida de artistas e de trabalhadores do espectáculo.
Os recibos verdes estão hoje instituídos como uma verdadeira «praga» social, que o Governo incentiva e legitima, como faz no Instituto de Emprego, querendo a Sr.ª Deputada do Partido Socialista que os trabalhadores «se queixem a quem têm de se queixar», que são os mesmos que os contrataram a recibo verde.
Cada vez que o patrão impõe a um jovem trabalhador o recibo verde, deve pensar, como uma outra música dos Deolinda: O teu mal faz-me tão bem! Não basta, por isso, corrigir algumas das normas do código contributivo, o que em alguns casos pode até ser justo e indispensável, se a política para este problema fosse meramente baixar taxas sobre recibos verdes, rapidamente o patronato absorveria essas reduções, baixando proporcionalmente os salários.
É preciso atacar o problema de fundo: estes trabalhadores não têm nada que estar a recibo verde se o posto de trabalho que ocupam, como acontece na maioria dos casos, é um posto de trabalho permanente e nós não nos resignamos perante os falsos recibos verdes. É por isso que vamos apresentar propostas, a discutir no próximo dia 4 de Março, alterando a falhada filosofia que vigora nesta matéria.
Não podemos continuar a ter a regra de que é o trabalhador que tem de provar — e em tribunal — que o seu recibo verde é falso. Quantos trabalhadores já foram «convertidos» com esta regra, com este código? E não houve resposta da bancada do Partido Socialista!
É por isso que propomos o contrário: que quando reiteradamente um trabalhador, durante um determinado período de tempo, passe recibos sempre à mesma entidade patronal, se presuma que ocupa um posto de trabalho permanente e, se não for assim, então que seja a entidade patronal a provar o contrário.
Por isso propomos que seja criminalizada a conduta de empresas que recorram a falsos recibos verdes. Quem faz isso não só explora ilegalmente os trabalhadores como burla a sociedade e o Estado, porque não contribui como devia para a segurança social e para o fisco e a exploração e a burla têm de ser consideradas crime.
Se o Governo faz isto em relação aos jovens trabalhadores do presente, então, quer alargar e perpetuar no futuro para todos a precariedade; quer facilitar os despedimentos e torná-los mais baratos; quer facilitar o lay-off, onde abre a possibilidade de, a seguir ao recurso ao lay-off, haver despedimentos; quer dar mais poder ao patrão na negociação; quer destruir os contratos colectivos; quer subsidiar a precariedade; quer uma protecção social cada vez mais fraca e no futuro reformas mais baixas e degradadas!
Ouvimos agora a Sr.ª Ministra do Trabalho dizer que aguarda com serenidade o que a União Europeia vai decidir a propósito da idade da reforma. Afinal, parece que a questão não está tão clara e que a Sr.ª Ministra admite ainda alguma alteração nessa matéria.
Quer o Governo instituir um fundo para despedir que, se não for pago pela segurança social, será pago pelos salários dos trabalhadores. Em qualquer caso, é facilitar o despedimento à custa de quem trabalha. Quer uma atomização da negociação colectiva para que o patronato, especialmente nas grandes empresas, negoceie numa posição de maior força perante representantes dos trabalhadores menos protegidos e mais isolados. O Governo quer levar por diante uma autêntica guerra social, ao transferir o presente da precariedade dos jovens trabalhadores para o seu próprio futuro, num verdadeiro regresso ao passado das relações laborais do século XIX.
Do PCP podem esperar a luta sem tréguas contra esta política e a concretização de propostas alternativas para uma política diferente!
Diz a Sr.ª Ministra que o Governo não está a dormir… O problema é que o Governo dorme com um olho aberto e outro fechado: um olho aberto para as reivindicações do patronato e um olho sempre fechado para os direitos dos trabalhadores!!
Uma coisa vos podemos garantir: quem não dorme são os trabalhadores, que vão lutar contra esta política e vão derrotá-la! E falando, mais uma vez, com as palavras dos Deolinda, «Agora sim, vamos dar a volta a isto!».

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