Intervenção de Jorge Machado na Assembleia de República

Governo destrói emprego e ataca quem trabalha

Interpelação centrada na legislação laboral
(interpelação n.º 13/XI/2.ª)

Sr. Presidente,
Sr.ª Ministra do Trabalho e da Solidariedade Social,
V. Ex.ª mostrou-se preocupada quanto a cada um dos desempregados. Disse-o na sua intervenção. O que falta explicar a cada um dos desempregados é como é que vai ajudar esses desempregados, em que medida a redução das indemnizações, o tornar o despedimento mais barato vai ajudar à criação de emprego. A verdade é que tornar o despedimento mais barato, mais fácil não só aumenta a precariedade com vai diminuir os salários dos trabalhadores e, consequentemente, a protecção social e até, no futuro, o valor das reformas destes trabalhadores.
A Sr.ª Ministra diz que estamos face a um fenómeno de equiparação das nossas regras de indemnização a outros países da União Europeia. E fala do caso espanhol, mas a Sr.ª Ministra sabe muito bem que as realidades não são comparáveis, não só nos valores tidos em conta para o cálculo da indemnização como também nos salários. Equipare lá o salário mínimo nacional em Espanha de 641 € com os 485 € a nível nacional! Equipare com o salário médio espanhol, que é de 1500 €, Sr.ª Ministra!! Isso não é tido em conta na sua intervenção!
Quero colocar-lhe uma segunda ordem de perguntas, que dizem respeito ao fundo para pagar as indemnizações.
Diz o Sr. Presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) que essa taxa (é assim que a classifica) vai ser paga pelos salários dos trabalhadores, isto é, vai haver uma redução dos salários, o que é extremamente grave porque se trata da desresponsabilização dos patrões no pagamento das indemnizações, que atiram para os trabalhadores o custo do seu próprio despedimento. É a situação absurda em que o trabalhador desconta para o seu próprio despedimento.
Como é que comenta isto, Sr.ª Ministra?
Já agora, esta questão liga-se à de saber se o Governo vai ou não alargar aos trabalhadores que estão no activo estas novas regras dos valores das indemnizações, uma vez que até agora tem dito que apenas se reporta aos novos trabalhadores. Assim, pergunto se não vai dar o «dito pelo não dito» nesta matéria.
Quanto às regras da indemnização, importa referir que a redução das indemnizações nos contratos a prazo, nos contratos precários, torna mais barato este tipo de contratação. É um claro incentivo que o Governo dá à precariedade, aos contratos a termo.
Mas temos outros incentivos: nas políticas activas de emprego, em que os apoios exigiam contratos de pelo menos cinco anos de trabalho, o Governo reduz para três, para assim permitir que os contratos a prazo recebam estes apoios. É ou não um incentivo à precariedade?
Explique como é que se justificam estas medidas.
Por fim, Sr.ª Ministra, quanto à dita contratação colectiva a nível de empresa, estamos face a um gravíssimo ataque, a ataque sem precedentes, ao movimento sindical.
Importa dizer que a contratação colectiva já é descentralizada e, portanto, o que está por detrás disto é, por um lado, retirar a contratação colectiva aos sindicatos e, por outro, ameaçar a contratação colectiva existente, promover a caducidade dos contratos colectivos de trabalho. É isso que está em cima da mesa!! Explique aos trabalhadores esta inaceitável medida, Sr.ª Ministra!
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados,
Srs. Membros do Governo:
Poucos dias depois de o Governo anunciar que o pior já passou, os dados do INE sobre o desemprego comprovam que o caminho que o Governo segue está errado, uma vez que o desemprego atingiu um novo record de 13,6% — são mais de 768 000 os desempregados.
Contudo, o Governo insiste na ofensiva contra os trabalhadores, criando, assim, condições para aumentar ainda mais a taxa de desemprego.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Substituir trabalhadores com direitos por trabalhadores sem direitos e cada vez mais precários é o grande objectivo dos grandes grupos económicos e financeiros, que, uma vez mais, encontram no Governo PS um aliado, um executante da política de direita que desrespeita quem trabalha e ataca os seus direitos.
Bem pode o Governo afirmar que as propostas que hoje se discutem, em sede de concertação social, não resultam da orientação do FMI, mas a verdade é que foi o FMI que, em Novembro de 2010, disse ser necessário reduzir o valor das indemnizações e, entre outras medidas, entendeu ser necessário promover a contratação colectiva a nível das empresas.
Depois de várias declarações de vários membros do Governo, em que afirmavam que não iam alterar a legislação laboral, o Governo apresentou as exactas medidas que o FMI defende. Assim, o FMI, sem pôr cá os pés, já tem um Governo que segue as suas desgraçadas orientações.
Importa referir que, do conjunto de medidas que estão a ser discutidas, não há uma, sequer, que seja favorável aos trabalhadores, o que demonstra bem o caminho que este Governo PS segue e que em nada se distancia do PSD ou do CDS-PP.
Para justificar estas propostas, o Governo apresenta um conjunto de argumentos. O primeiro é o de que Portugal, nas palavras da Sr.ª Ministra, «não vive numa ilha» e, portanto, há que impor as erradas orientações que estão a ser seguidas em países como Espanha. O problema é que essa conversa da competitividade também se ouve em Espanha.
Assim, de medida em medida, de país em país, se reduzem os direitos de todos os trabalhadores da Europa.
Mas, quanto à competitividade, importa lembrar as sucessivas alterações ao Código do Trabalho. Já aquando da aprovação do Código do Trabalho, em 2003, o Governo PSD/CDS-PP atacou os direitos dos trabalhadores, dizendo que se ia aumentar a competitividade.
Em 2009, o Governo PS voltou a alterar o Código do Trabalho, justificando o novo ataque a quem trabalha com o argumento da competitividade. A verdade é que a nossa economia não ficou nem vai ficar mais competitiva por via da precariedade ou por via do agravamento da exploração.
Depois das alterações ao Código do Trabalho, promovidas pelo PS, PSD e CDS, não ficámos melhor, ficámos, sim, pior não só no que concerne aos direitos dos trabalhadores mas também ao nível da produtividade e competitividade da nossa economia. Hoje, o Governo PS volta a usar o mesmo embuste da competitividade para alterar de novo o Código do Trabalho.
Um outro argumento é o de que estas alterações são necessárias para criar mais postos de trabalho. Ora, isto não passa de uma mentira de quem quer enganar os portugueses.
O que está em curso, e estas medidas visam acelerar este processo, é a substituição de trabalhadores com direitos por trabalhadores sem direitos, com salários mais baixos e precários.
Assim, não é verdade que se vai criar mais emprego, o que vai acontecer é piorar a qualidade do emprego, criar mais desemprego e agravar a injustiça social, por via de uma maior exploração de quem trabalha.
Por fim, temos o argumento da velha e bafienta ideia de que Portugal tem rigidez na legislação laboral.
Um estudo da própria Comissão Europeia demonstra que os jovens trabalhadores portugueses são os mais penalizados da União Europeia pela precariedade.
Os contratos precários já representam mais de 53% entre os jovens e o desemprego ronda os 23%, sendo também uma das taxas mais elevadas da União Europeia.
Do total da população empregada, mais de 30% são precários. De facto, existem em Portugal mais de 745 000 contratados a prazo, a que se soma o trabalho temporário — na sua grande maioria, ilegal —, o trabalho não declarado e ilegal e uma boa parte dos mais de 800 000 recibos verdes, que também são ilegais. Tudo somado, temos mais de 1,5 milhões de trabalhadores precários, para quem a única «rigidez» que existe é a incerteza de saber se amanhã têm ou não emprego.
O próprio Livro Branco das Relações Laborais refere que, no período de 2001 a 2007, a criação e destruição de emprego atingiu, em cada trimestre, uma média de mais de 300 000 trabalhadores, o que prova que não existe rigidez na legislação laboral.
Se dúvidas ainda existissem, os mais de 760 000 desempregados demonstram bem que não temos nenhum problema de rigidez no nosso mercado laboral.
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Analisemos, em concreto, as propostas que estão a ser negociadas em sede de concertação social.
A primeira linha de ataque aos trabalhadores é reduzir o valor das indemnizações que os trabalhadores recebem em caso de despedimento colectivo, por inadaptação e extinção do posto de trabalho. Nestes casos, o Governo PS quer reduzir o valor, de 30 para 20 dias, de indemnização por cada ano de trabalho na empresa, o que significa uma redução de um terço do valor da indemnização.
Ainda não satisfeitos, PS e o grande patronato querem um tecto máximo de 12 meses de indemnização. A consequência é a de que um trabalhador que tenha, por exemplo, 30 anos de trabalho numa empresa apenas recebe por 12 anos de trabalho.
Assim, com este duplo limite, um trabalhador que tenha 12 ou mais anos de trabalho apenas recebe, de indemnização, 8 meses de salário.
Por outro lado, o Governo PS também quer reduzir as indemnizações dos contratos a termo. Em vez de 3 dias de indemnização por cada mês (nos contratos até 6 meses) e de 2 dias de indemnização por cada mês (nos contratos com mais de 6 meses), o trabalhador passa a receber 1,66 dias por cada mês de trabalho. Assim, fica mais barato contratar a termo, o que não pode deixar se ser considerado como um claro incentivo à contratação precária.
Importa referir que tornar os despedimentos mais baratos não vai criar um único posto de trabalho, antes pelo contrário.
Uma outra medida em discussão é a da criação de um fundo para pagar as indemnizações em caso de despedimento. O Presidente da Confederação do Comércio e Serviços já disse que a nova «taxa» — assim a classifica — se vai reflectir nos salários, isto é, são os trabalhadores que vão pagar o seu próprio despedimento por via da redução dos seus salários. Desta forma, o Governo prepara-se para criar a absurda situação de ser o próprio trabalhador a pagar o seu despedimento.
Outra das medidas mais gravosas que o Governo prepara passa pela dita «promoção» da negociação a nível da empresa. Isto é, o Governo pretende que, em matérias como a mobilidade geográfica, a mobilidade funcional, a gestão do tempo de trabalho e até aumentos salariais, a negociação seja feita pelos representantes dos trabalhadores nas empresas e não pelos sindicatos. Este é um ataque sem precedentes aos sindicatos e visa criar uma contratação colectiva específica, feita à medida dos interesses das grandes empresas, bem como abrir caminho para mais rapidamente promover a caducidade dos contratos colectivos de trabalho.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!
O Sr. Jorge Machado (PCP): — Por fim, há ainda alterações ao lay-off, onde já chegam notícias de grandes cedências ao grande patronato, e o alargamento dos contratos de emprego de inserção ao sector privado, pondo a segurança social a pagar o subsídio de desemprego para que estes trabalhem de borla para os patrões.
Assim, e mais uma vez, o PS ultrapassa pela direita o próprio CDS-PP.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Em vez de se preocupar com a promoção e criação de emprego, o Governo PS preocupa-se com a destruição de emprego e o ataque aos direitos de quem trabalha.
Em vez de promover o tecido produtivo, de pôr o País a produzir para criar mais riqueza, mais emprego e combater o nosso défice da balança comercial, o Governo PS apresenta mais um «Simplex» — desta vez é o «Simplex» para o despedimento!
Posto isto, não temos qualquer dúvida em afirmar que as medidas que estão a ser negociadas constituem uma nova declaração de guerra aos trabalhadores portugueses.
Com estas alterações à legislação laboral, o Governo PS quer condenar os jovens trabalhadores precários de hoje à prisão perpétua da precariedade.
Aos trabalhadores, jovens e menos jovens, precários ou não, queremos dizer que existe um outro caminho, em que a trabalho permanente corresponde um contrato efectivo, em que os direitos são respeitados e a dignidade da sua vida é protegida.
A luta dos trabalhadores pode e vai travar esta ofensiva e existe um partido, o PCP, que, com e pelos trabalhadores, luta pela construção de uma sociedade mais justa.
Aplausos do PCP e de Os Verdes.

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