Intervenção de Partido Comunista Português, lida por Pedro Guerreiro, membro do Secretariado do Comité Central

Seminário Internacional «A Revolução portuguesa e a situação na Europa e no Mundo 40 anos depois»

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Gostaríamos de agradecer a vossa participação fraternal neste Seminário. É para nós, comunistas portugueses, motivo de grande alegria poder partilhar convosco a comemoração de um acontecimento maior da nossa história que marcou e continua a marcar profundamente a realidade em Portugal e que teve significativas repercussões a nível internacional.

A Revolução de Abril constituiu uma afirmação de liberdade, de emancipação social e de independência nacional.

Desencadeada pelo levantamento militar do Movimento das Forças Armadas (MFA) a 25 de Abril de 1974 e seguido, de imediato, por um levantamento popular, a Revolução de Abril transformou profundamente a sociedade portuguesa.

Culminando uma persistente e heróica luta do povo português, a Revolução de Abril significou o fim da ditadura fascista, a conquista da liberdade e a instauração de um regime democrático com uma ampla participação popular; o fim da guerra colonial e o reconhecimento do direito à independência dos povos secularmente colonizados; a liberdade sindical e amplos direitos dos trabalhadores; a liquidação do capitalismo monopolista de Estado, dos grupos monopolistas e do seu domínio económico e político, com a nacionalização dos sectores económicos estratégicos e a sua colocação ao serviço do povo e do País; o fim do grande latifúndio no Sul, com a realização da reforma agrária, o fim do desemprego e a melhoria das condições de vida das populações nessas regiões; importantes direitos das mulheres e dos jovens e a elevação do nível de vida do povo; significou o fim do isolamento internacional de Portugal e da sua inteira submissão ao imperialismo e abriu caminho a uma política de paz, de cooperação e de amizade com todos os povos do mundo.

A classe operária, os trabalhadores, as massas populares e os militares progressistas – «os capitães de Abril» –, unidos na aliança Povo-MFA, foram os protagonistas das conquistas democráticas alcançadas entre 1974-1975 e posteriormente consagradas na Constituição da República, aprovada em 2 de Abril de 1976. Constituição que, recorde-se, preconizou o objectivo de “assegurar a transição para o socialismo mediante a criação de condições para o exercício democrático do poder pelas classes trabalhadoras”.

No 40º aniversário da Revolução portuguesa propomos partilhar convosco algumas das particularidades e importantes ensinamentos deste processo para a luta de emancipação social e nacional dos trabalhadores e do povo português.

A Revolução de Abril foi uma revolução simultaneamente anti-fascista, anti-monopolista, anti-latifundista, anti-colonialista e anti-imperialista. Uma revolução que, nos seus aspectos fundamentais, confirmou o Programa do PCP para a revolução democrática e nacional, adoptado no seu VI Congresso, em 1965.

Para a definição do seu Programa, o PCP analisou, aplicando o marxismo-leninismo, as condições concretas do país, a sua história, as suas particularidades, levando em consideração o nível de desenvolvimento do capitalismo em Portugal, as classes que detinham o poder e a forma como o exerciam e a dupla situação do país colonizador e colonizado pelo imperialismo estrangeiro.

Confirmando as leis gerais do processo revolucionário – nomeadamente as relativas ao papel da classe operária e das massas populares, ao partido, ao poder, e à propriedade dos meios de produção – a Revolução portuguesa confirma igualmente que essas mesmas leis não só não são contraditórias com a existência de particularidades nacionais, como pressupõem a sua relação dialéctica.

Como outros processos de transformação revolucionária, a Revolução portuguesa comprovou que as revoluções não se copiam, nem saem de manuais como se fossem modelos a que a realidade devesse conformar-se, pois a diferentes situações corresponderão naturalmente diferentes soluções na construção da nova sociedade.

A Revolução portuguesa coloca igualmente em evidência a importância da questão nacional e a sua inseparável correlação com a questão de classe, confirmando a importância do marco nacional como campo determinante para a defesa e a conquista de direitos e o desenrolar de processos de transformação social e de emancipação dos povos.

A Revolução de Abril evidencia que são inseparáveis e complementares quatro vertentes principais da democracia – a económica, a social, a política e a cultural – e a sua ligação à vertente nacional, isto é, à independência e soberania nacionais.

A conquista das liberdades, dos direitos e de um regime de democracia política foram, na Revolução portuguesa, inseparáveis da liquidação do poder económico e político dos grupos monopolistas e dos latifundiários. Aliás, perante a conspiração, a sabotagem e as tentativas de golpes contra-revolucionários, essas transformações foram mesmo fundamentais para a defesa das liberdades e da democracia que despontava.

Resultante das particularidades da situação portuguesa e da natureza da ditadura fascista em Portugal – «o governo terrorista dos monopólios (associados ao imperialismo estrangeiro) e dos latifundiários» –, a Revolução portuguesa não foi uma revolução democrático-burguesa como também não foi uma revolução socialista. Originalidade da Revolução portuguesa é que o seu carácter anti-monopolista e anti-imperialista e o objectivo do socialismo estiveram presentes, não de forma contraditória, mas dialecticamente ligados – formando duas etapas diferentes que, não se confundindo, se complementam, existindo objectivos da etapa da revolução democrática e nacional que são simultaneamente objectivos da etapa socialista. Isto é, luta pela revolução democrática e nacional era já parte constitutiva da luta pelo socialismo.

A aliança Povo-MFA foi o motor do processo revolucionário. Uma aliança anti-monopolista e anti-imperialista que abrangeu camadas muito vastas do povo português.

Como noutros processos revolucionários, também na Revolução portuguesa a acção criativa das massas populares, que antecipou sempre as decisões do poder político, foram factor determinante das transformações revolucionárias – como, as nacionalizações, o controlo operário, a reforma agrária.

No entanto, apesar de terem alcançado grandes e profundas transformações, os trabalhadores e o povo português não conseguiram impor um poder revolucionário e construir o Estado democrático correspondente a essas transformações – confirmando a questão do Estado como questão central em cada revolução.

A Revolução portuguesa enfrentou, desde o primeiro momento, a sabotagem económica e golpes reacionários, divisões no seio das forças democráticas e no MFA, o papel do PS e a sua ligação aos sectores mais reaccionários, a acção de grupos esquerdistas, as pressões e ingerências do imperialismo, que conduziram à travagem e ao fim do processo revolucionário. Com o primeiro Governo formado pelo PS, mas de facto aliado à direita, concretizou-se a viragem para processo contra-revolucionário de recuperação capitalista, agrária e imperialista que, apesar da resistência e da luta dos trabalhadores e do povo português, conduziu à gravíssima situação em que hoje o país se encontra.

Em 38 anos de políticas de direita e 28 anos de integração capitalista europeia – na CEE/União Europeia –, o grande capital, com a social-democracia e a direita, promoveram a reconstituição dos grupos monopolistas e o regresso do seu domínio económico e político; o ataque aos direitos laborais e sociais; a degradação do regime democrático; a vulgarização e enaltecimento de valores retrógrados e reaccionários; a submissão e o sacrifício dos interesses nacionais a interesses estrangeiros – uma política em permanente afronta com a Constituição portuguesa e a legalidade democrática, que coloca sérios perigos para o regime democrático constitucional e a independência e soberania nacionais.
A Revolução de Abril foi uma revolução inacabada. Apesar do que representou de avanço histórico, muitas das suas principais conquistas foram destruídas, outras, embora enfraquecidas e ameaçadas, continuam presentes na vida do povo português.

Em Portugal realizou-se um processo revolucionário que, porque correspondeu a condições objectivas da sociedade portuguesa e às mais profundas aspirações do povo português, deixou profundas realizações, experiências e valores que se projectam no presente e no futuro de Portugal – uma realidade que, sublinhe-se, distingue e define a situação portuguesa. O actual Programa do PCP para uma Democracia Avançada parte precisamente desta realidade. Programa que, revisto no seu XIX Congresso, em 2012, passou a designar-se «Uma Democracia Avançada, os Valores de Abril no futuro de Portugal».

Lutando pela ruptura com décadas de política de direita, o PCP luta por uma alternativa patriótica e de esquerda que abra caminho a uma Democracia Avançada que projecte os Valores da Revolução de Abril no futuro de Portugal e que é parte integrante e constitutiva da luta pelo socialismo.
Uma alternativa e caminho que passa pelo desenvolvimento e intensificação da luta dos trabalhadores e do povo, pela convergência dos democratas e patriotas e, necessariamente, pelo reforço do PCP.

A Revolução portuguesa inseriu-se nesse amplo movimento, e tempo, de avanço da emancipação social e nacional que marcou a década de 70 do século passado, na sequência da vitória sobre o nazi-fascismo e da correlação de forças favorável às forças democráticas e antifascistas, da paz e da libertação nacional, do progresso e do socialismo, que marcou a segunda metade do século XX.

Um tempo marcado pelas grandes realizações e conquistas da URSS e dos países socialistas, pelas conquistas da classe operária e do movimento sindical de classe nos países capitalistas, pelo ruir do sistema colonial e a libertação de povos secularmente colonizados e explorados.

Com o desaparecimento da URSS e do campo socialista na Europa e a mudança na correlação de forças a nível mundial que daí resultou, o imperialismo lançou-se numa ampla ofensiva contra os processos de emancipação social e nacional e as conquistas e avanços alcançados após a vitória sobre o nazi-fascismo, procurando restabelecer o seu domínio, exploração e hegemonia mundial, propagandeando a ideia do fim da história.

No entanto, como a evolução da situação mundial demonstra, não só a história não terminou, como o capitalismo é um sistema marcado por insanáveis contradições e brutais injustiças e chagas sociais, incapaz de corresponder às necessidades, aos interesses e às aspirações dos povos.
Como constatamos, a expansão planetária das relações de produção capitalistas, a inaudita centralização e concentração de capital, o avassalador domínio do capital financeiro, a mercantilização de todas as esferas da vida social, a natureza sempre mais especulativa, rentista e parasitária do sistema, o peso crescente da corrupção e dos tráficos criminosos, são traços marcantes do capitalismo contemporâneo.

40 anos depois da Revolução de Abril e do tempo em que se inseriu, a situação internacional é marcada pelo aprofundamento da crise estrutural do capitalismo e por um importante processo de rearrumação de forças à escala mundial, aos quais o imperialismo responde intensificando a exploração e a opressão nacional, impondo uma brutal desvalorização do trabalho e regressão social e a recolonização de vastas regiões do mundo.

No quadro da profunda crise e de acentuação das suas contradições, a União Europeia, sob o domínio dos monopólios e das suas grandes potências, lideradas pela Alemanha, aprofunda o seu carácter neoliberal, federalista e militarista e a agride os direitos dos trabalhadores e a soberania dos povos.

Saliente-se, no entanto, que, ao mesmo tempo que se concertam para a exploração dos trabalhadores e a agressão aos povos, as grandes potências imperialistas não deixam de se rivalizar entre si. As suas contradições estão presentes e tenderão a agudizar-se com o aprofundamento da crise de sobre-produção e sobre-acumulação que se arrasta.

A instabilidade e a insegurança caracterizam a situação internacional. Os EUA, com os seus aliados, reforçam as suas alianças político-militares – como a NATO (que realiza neste momento uma cimeira na Grã-Bretanha) –, avançam na corrida aos armamentos e no militarismo, instrumentalizam forças fascistas e terroristas, generalizam focos de tensão e de desestabilização, fomentam a ingerência, a agressão e a guerra – o que representa uma séria ameaça para a paz no mundo, num quadro em que uma nova guerra mundial poderia significar o aniquilamento da Humanidade.

A opressão do povo palestiniano e a metódica colonização da Palestina por parte de Israel; a destruição da Jugoslávia; a agressão ao Afeganistão, ao Iraque e à Líbia; a operação contra a Síria; as ameaças sobre o Irão; o crescente intervencionismo militar e operações de recolonização em África; a galopante militarização do Extremo Oriente visando a China; a permanente tensão na Península da Coreia; o militarismo revanchista japonês; o bloqueio contra Cuba e a desestabilização na Venezuela e noutros países da América Latina; o premeditado agravamento da situação na Ucrânia, visando a escalada de confronto com a Federação Russa – são expressão da escalada agressiva do imperialismo.

Uma situação que coloca com premência a convergência das forças que possam confluir na luta contra as guerras imperialistas, a opressão e a ameaça do fascismo e pelo fortalecimento do movimento da paz e de solidariedade com os povos.

Aos amantes da paz coloca-se a exigência do fortalecimento da luta em prol do desarmamento, em particular do desarmamento nuclear, do fim das bases militares estrangeiras, da dissolução da NATO, da resolução pacífica dos conflitos internacionais, do respeito da soberania e independência nacional, do progresso social, da amizade e cooperação entre os povos – de uma acção que contribua para a ampliação da consciência de que a causa das guerra radica no próprio sistema que a engendra, o capitalismo.

A ofensiva do imperialismo confronta-se com a resistência dos trabalhadores e dos povos. Apesar de, ao nível mundial, os tempos serem ainda de resistência e acumulação de forças, as dificuldades, as contradições, a crise em que o capitalismo está mergulhado e, sobretudo, a luta crescente dos trabalhadores e dos povos em todo o mundo, podem travar os sectores mais reaccionários e agressivos do imperialismo, impor-lhe revezes e recuos e alcançar importantes conquistas e transformações progressistas e revolucionárias.

Neste contexto, verifica-se um importante processo de rearrumação de forças à escala mundial que, acompanhando o declínio relativo dos EUA, questiona objectivamente o domínio hegemónico do imperialismo. Um complexo processo que, não isento de contradições, pode abrir perspectivas positivas na evolução da correlação de forças a nível mundial, assim: consiga resistir à tentativa de recuperação imperialista; os processos de afirmação da soberania e independência nacionais caminhem na via de mais avançadas transformações anti-monopolistas e anti-imperialistas; e se confirmem e aprofundem processos que apontam como objectivo o socialismo.

Se a situação internacional encerra sérios e grandes perigos, abre igualmente grandes potencialidades para a luta de emancipação dos trabalhadores e dos povos.

Face às grandes exigências que a situação coloca e no quadro de uma grande diversidade de situações, consideramos que se coloca como tarefa central o fortalecimento dos partidos comunistas e de outras forças revolucionárias – do seu enraizamento nas massas e ligação às suas realidades nacionais –, assim como consideramos fundamental o fortalecimento da sua unidade e cooperação internacionalista, potenciando a acção comum ou convergente a partir da valorização do muito que nos une. Neste quadro, o PCP valoriza a realização do 16º Encontro Internacional de Partidos Comunistas e Operários que se realiza de 13 a 15 de Novembro, no Equador.

De igual modo, o PCP considera de grande importante a convergência e unidade do movimento comunista e revolucionário internacional com outras forças progressistas e anti-imperialistas, em prol do direito à autodeterminação dos povos e da luta de libertação do domínio colonial, contra o fascismo e a opressão, pela liberdade e a democracia, em defesa da soberania e independência nacionais e do direito dos povos a optar por processos de transformação anti-monopolista e anti-imperialista e pelo socialismo.

Neste âmbito e no plano europeu, o PCP está empenhado na cooperação dos partidos comunistas e destes com outras forças progressistas que tenham como objectivo uma outra Europa de cooperação, progresso e paz.

Partilhámos convosco algumas das nossas reflexões sobre a Revolução portuguesa e a situação na Europa e no Mundo 40 anos depois, sobre a experiência de luta do PCP e do povo português, sobre a análise do PCP sobre a evolução da situação no nosso país e no mundo.

Fizemo-lo sem qualquer pretensão de erigir a experiência da Revolução portuguesa em modelo universal. Aliás, como afirmámos é a própria experiência da Revolução portuguesa que nos confirma a inexistência de modelos de revolução e a importância da relação dialéctica entre as leis gerais do processo revolucionário e as particulares nacionais.

Da mesma forma e no quadro da diversidade de situações, de trajectória, de condições e de tarefas que se colocam aos partidos e forças aqui representados, queremos igualmente conhecer as vossas reflexões e experiências que, como compreendereis, têm grande valor para o nosso Partido.

Partido patriótico e internacionalista, o PCP luta em defesa da independência e soberania nacionais – do direito inalienável do povo português decidir do seu próprio destino –, e é solidário para com os trabalhadores e os povos de todos os países na luta pelos seus justos direitos e aspirações, pela paz e amizade e cooperação dos povos.

É com profunda confiança na determinação, resistência, luta e capacidade de realização da classe operária e dos trabalhadores, das massas populares, que o PCP continua empenhado no fortalecimento da sua ligação ao povo português.

Partindo da sua experiência de 93 anos de luta e da experiência histórica dos comunistas e revolucionários de todo o mundo, o PCP, partido da classe operária e de todos os trabalhadores, continua a luta em defesa dos justos interesses, direitos e aspirações do povo português, promovendo a organização, a unidade e o desenvolvimento e êxito das lutas, a constituição de uma ampla frente social, a convergência dos patriotas e democratas, em prol da alternativa patriótica e de esquerda, de uma Democracia Avançada, pelos Valores de Abril no futuro de Portugal, do socialismo e o comunismo.

São os povos que com a sua luta acabam sempre por determinar o rumo da História. Perante a natureza exploradora, opressiva, agressiva e predadora do capitalismo o PCP considera que se evidencia cada vez mais a actualidade e importância do projecto comunista, a necessidade de uma sociedade nova, do socialismo e do comunismo – por diversificados caminhos e etapas, consideramos que é essa a grande perspectiva que se coloca aos trabalhadores e aos povos.

Saudando uma vez mais a presença dos partidos comunistas e forças progressistas aqui representados, expressamos a vontade do PCP de que este Seminário contribua para fortalecer as nossas relações de amizade, de cooperação e de solidariedade.

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