Intervenção de Natacha Amaro, Membro do Movimento Democrático de Mulheres, Audição «Por uma nova política de combate à pobreza e à exclusão social»

Rosto feminino da pobreza

Estando em representação de uma organização de mulheres, e havendo já tanta informação partilhada sobre a pobreza e exclusão social em Portugal, optei por centrar esta intervenção na feminização da pobreza. Esta noção (já de 1978, surgida com a crescente participação da mulher na actividade económica) gira em torno do agravamento da situação das mulheres em termos de pobreza.
Quase 20 anos depois, a Plataforma de Acção de Pequim também se debruçaria sobre a pobreza no feminino, entendendo-a como a negação parcial ou total dos direitos humanos fundamentais das mulheres. E aqui ressalto que não se referia apenas à ausência ou falta de recursos económicos mas também a privação de outros factores de bem-estar das mulheres: a educação e formação, a saúde, a habitação, o trabalho, a protecção social, a família, a segurança e a participação social.

E é neste conjunto de factores que reside o problema das mulheres portuguesas, vítimas de pobreza e exclusão social. A precariedade e flexibilidade crescentes no mercado de trabalho, a discriminação salarial que ainda persiste, o não cumprimento de direitos adquiridos, a permanência das mulheres em actividades tradicionalmente menos remuneradas impele-as, inevitavelmente, para dificuldades financeiras.
Mas a isto acrescentamos o ataque a outros factores de bem-estar que, sendo direitos humanos fundamentais, continuam ainda por cumprir: escassez de equipamentos públicos de apoio às crianças e idosos (sobrecarregando as mulheres com os cuidados a ascendentes e descendentes ou empurrando-as para os privados); o contínuo encerramento de unidades de saúde (sendo as maternidades exemplo flagrante, acompanhadas das urgências, centro de saúde, etc.); o encerramento de escolas; a subida das taxas de juro nos créditos à habitação; a demagogia das políticas de apoio à natalidade e às famílias.
Se acrescentarmos factores culturais que ainda persistem na nossa sociedade – a injusta distribuição do trabalho doméstico, a menorização do papel da mulher na sociedade ou o seu afastamento de cargos hierarquicamente superiores aos homens, apesar de há muito demonstrarem maior escolarização e qualificação – temos o conluio propício para a vulnerabilidade das mulheres.

Do conjunto das mulheres que enfrentam a dura realidade da pobreza em Portugal, queria apenas aqui destacar 2 situações:

1. o grupo feminino mais vulnerável à pobreza em Portugal – as idosas isoladas. A pobreza persistente atinge 1/3 das mulheres neste conjunto. A esperança de vida superior, a precarização do seu estado de saúde, as pensões baixas fruto de um passado pouco ou nada contributivo, arrastam estas mulheres para um dia a dia de miséria e exclusão.
2. as famílias monoparentais. Os Censos de 2001 indicavam que mais de 80% destas famílias portuguesas eram lideradas por mulheres. Viúvas, divorciadas ou solteiras com filhos carregam sozinhas a responsabilidade de prover o sustento do agregado e, quando caem nas malhas da pobreza e da exclusão, têm muitas dificuldades em superar a situação.

Na resolução do 7º Congresso do Movimento Democrático de Mulheres, em 2005, dizíamos que o rosto feminino da pobreza era a consequência mais visível da perda de direitos. Que continuaríamos a acompanhar e a combater, como temos feito, as opções de sucessivos governos que privilegiam o neoliberalismo e a competição individual, que sempre acentuaram a pobreza, arrastando mais e mais mulheres para o fosso da exclusão.

Infelizmente, a actualidade desta questão e o seu agravamento obriga-nos à denúncia e à persistência da luta contra políticas que atentam contra os direitos das mulheres e que não invertem a crescente pobreza.

  • Assuntos e Sectores Sociais
  • Central
  • Mulheres