Intervenção de José Neto, Audição «Por uma nova política de combate à pobreza e à exclusão social»

«Por uma nova política de combate à pobreza e à exclusão social»

1. Cabe-me a mim abrir esta iniciativa com uma intervenção sobre a Conferência Nacional do Partido, na preparação da qual se insere este debate sobre a pobreza.
E é precisamente o lema da nossa Conferência – Outro Rumo, Nova Política, que leva a que as minhas primeiras palavras sejam de regozijo, de satisfação e de saudação aos trabalhadores e ao povo deste país que levaram a cabo, na passada 5ª feira, no Parque das Nações, uma das maiores manifestações de sempre do Portugal de Abril e a maior, seguramente, dos últimos 20 ou 25 anos.

A dimensão desta jornada ganha ainda mais significado político por se verificar num contexto em que se regista o maior nível de desempregados desde o 25 de Abril, com vínculos precários, baixíssimos níveis salariais, limitação das liberdades e acentuação da repressão. Podemos dizer que foi uma vitória sobre o medo e o conformismo.

Pelos seus objectivos, pela combatividade, pela adesão verificada – para cima de 200 mil trabalhadores, esta luta respondeu a um profundo sentimento de insatisfação e, acima de tudo, afirmou uma forte exigência de mudança. E essa mudança, que o país precisa e cada vez mais exige, não restam dúvidas, há-de ser obra dos trabalhadores e da sua luta.

2. O Governo, o grande capital e os seus ideólogos, querem convencer os portugueses de que não há alternativa à política de direita que há tantos anos fustiga o nosso povo e desgraça o nosso país. De que estamos condenados a política única do PS, do PSD e do CDS/PP.

Nós comunistas temos uma opinião radicalmente diferente. Há alternativa à política de direita. E é precisamente para comprovar que existe um caminho alternativo que o Comité Central decidiu convocar, para 24 e 25 de Novembro próximo, uma «Conferência sobre questões económicas e sociais».

A Conferência irá demonstrar que existe um caminho que garante o desenvolvimento económico sustentado e equilibrado do nosso país, caminho que tem como matriz de referência a nossa Constituição da República (que, como vimos, as forças e poderes ao serviço do capital não desistiram de destruir).
Queremos uma Conferência que vá de encontro ao país real, que identifique e analise os seus principais bloqueios, mas também as suas principais potencialidades e que perspective uma efectiva mudança no nosso modelo de desenvolvimento, preparando o futuro, mas respondendo aos problemas do presente que vivem os trabalhadores e as camadas médias.

A realidade mais próxima é a de que, com dois anos e meio de mandato do actual governo do PS de Sócrates, o crescimento económico continua incipiente e a economia não sai da apatia e do marasmo. Continuamos a crescer pouco e mal. O saneamento financeiro das contas públicas, realizado de maneira cega e segundo os exclusivos critérios monetaristas do Pacto de Estabilidade, continua a travar a economia, designadamente o investimento, acentuando as dificuldades para milhares de micro e pequenas empresas.

3. No plano social, para os trabalhadores, o governo do PS, em vez de honrar os compromissos que assumiu e corrigir a linha liberalizadora e desregulamentadora do Código do Trabalho de Bagão Félix, do governo PSD/CDS-PP, vem propor o seu agravamento, no que se pode considerar uma autêntica declaração de guerra aos trabalhadores e seus sindicatos: a eliminação do conceito de horário de trabalho diário de oito horas; a eliminação do pagamento do trabalho extraordinário, a liberalização do despedimento sem justa causa, a aceleração da caducidade dos contratos, a redução dos direitos sindicais e da actividade sindical, com a diminuição do número de horas para a realização de plenários, entre outras malfeitorias e ameaças contidas no relatório do Livro Branco (melhor seria o livro negro) das Relações Laborais, que introduz a celerada flexisegurança que os trabalhadores hão-de ser capazes de derrotar.

Diz Sócrates que o país está melhor. Nós dizemos que sim, que está melhor, mas só para alguns, para os muito ricos.

Há meses foi publicada a lista das cem pessoas mais ricas do país. Uma lista que para além de mera curiosidade, significa, antes de tudo, 34 mil milhões de euros (mais 36% do que 2006) quase um quarto da riqueza produzida em Portugal. Isto só pode causar indignação e vergonha, num país onde, ao contrário daqueles cem, os restantes 10 milhões se vêem a braços com a contenção salarial e com a cassete da catástrofe por causa das despesas na Educação, na Saúde ou na Segurança Social.

O país está melhor, para a Banca, que acumula lucros de milhares de milhões e pouco paga de impostos.

Ou para a economia de casino da Bolsa onde se acumulam lucros astronómicos sem qualquer espécie de investimento produtivo, mantendo a economia estagnada, sem sair da crise em que caiu, ao mesmo tempo que o Governo segue em frente com o propósito de privatizar e entregar aos interesses multinacionais empresas altamente lucrativas, como a GALP, a REN, os CTT, a ANA e a TAP, que hoje dão milhões ao país em dividendos.

Para todos estes o país está melhor, um verdadeiro oásis. Mas para os 2 milhões de pobres, para os que viram aumentar a idade da reforma, para quem perde todos os anos poder de compra, para os reformados que começaram a pagar e vão pagar cada vez mais impostos, para aqueles que ficaram sem centros de saúde ou sem a urgência, para os funcionários públicos que vêem destruídas as relações laborais, e assim por diante, o país não melhorou, o país está pior e está perigoso.

4. Um modelo de desenvolvimento económico que gera contínua estagnação económica, com a destruição de grande parte do aparelho produtivo, que faz com que Portugal tenha hoje o maior déficit externo, em termos relativos, que permite que as principais alavancas económicas – as suas maiores empresas – possam estar nas mãos de estrangeiros, que apresenta um nível de desemprego, em sentido lato, que ultrapassa já os 10% da população activa (com as mais elevadas taxas de desemprego de longa duração), que tem dos salários mais baixos e das maiores taxas de pobreza e o maior desequilíbrio na distribuição da riqueza dos países da União Europeia, não pode ser um modelo de desenvolvimento que sirva o país. Não serve para o presente e muito menos para o futuro.

Tornou.-se por isso incontornável e inadiável, e até um imperativo, confrontar a sociedade portuguesa com a existência, a necessidade e a real possibilidade de concretização de uma política económica e social alternativa, capaz de construir um país mais justo e mais desenvolvido.
Os trabalhos preparatórios da nossa Conferência, nas suas múltiplas realizações e iniciativas, já estão a fazer a prova de que existem políticas alternativas de desenvolvimento económico e de progresso social.

E que têm por objectivo: o crescimento económico; a defesa do aparelho produtivo nacional; a coesão económica e social do território nacional; a redução das desigualdades sociais e o aumento geral do bem-estar e da qualidade de vida das populações; um sistema de ensino e uma política cultural virada para a formação integral dos portugueses.

A primeira condição para serem atingidos estes objectivos é sermos capazes, não apenas de concretizar rupturas em matéria de políticas económicas, mas sobretudo rupturas em matéria de direitos sociais e de política laboral, com vista à valorização do trabalho, à valorização dos salários e pensões e à elevação das condições de vida enquanto factor de desenvolvimento; com vista à valorização da formação e da elevação do conhecimento dos trabalhadores e do povo enquanto factor de crescimento e desenvolvimento económico; com vista ao investimento na educação, na saúde, na cultura, na ciência e tecnologia, na segurança social.

Outra condição é sermos capazes de estancar o caminho de desresponsabilização progressiva do Estado pelas suas funções sociais, afirmando o primado dos serviços públicos na área das políticas sociais.

Uma terceira condição, é a necessidade de romper com a financiarização da economia, apoiar e reforçar os sectores produtivos no nosso país.
E ainda, questão central para uma política alternativa de desenvolvimento económico é a exigência de um papel mais activo do Estado na economia, nomeadamente nos sectores estratégicos, no quadro de uma opção política que assuma a defesa da soberania nacional como questão central para a defesa dos interesses nacionais.

Estamos profundamente convictos de que o país não está amarrado e condenado a uma só solução e a um só caminho. Há outras alternativas e outras soluções capazes de garantir um Portugal mais justo, mais solidário e mais desenvolvido.

Para que a Conferência possa atingir os seus objectivos é indispensável, na sua preparação, o empenhamento e a participação alargada dos membros do Partido dos diferentes sectores no debate aprofundado dos problemas, das soluções e das propostas, como hoje fazemos aqui, no enriquecimento dos documentos da Conferência.

A essa participação e nesse debate devemos associar todos aqueles que não sendo do nosso Partido estão tão insatisfeitos quanto nós com o rumo da política nacional.

A contribuição de todos será da maior importância para o acerto dos conteúdos e das políticas que darão corpo ao lema da Conferência – Outro Rumo, Nova Política ao serviço do povo e do país.

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