Intervenção de

Reforma do ensino artístico - Intervenção de Miguel Tiago na AR

Declaração política, sobre a proposta apresentada ao Governo pela Agência Nacional para a Qualificação sobre o ensino artístico especializado

 

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

O Ministério da Educação tem sido um dos mais exemplares executores da política destrutiva deste Governo. Também na educação, o principal objectivo desta política é colocar as escolas num rodopio de desorganização, provocar a instabilidade e o desnorte.

Agora é o ensino artístico o alvo do Governo que retira protagonismo à escola pública, amesquinhando o seu papel no ensino especializado das artes e constituindo uma mina de lucros para interesses privados.

Em diversas ocasiões, o Grupo Parlamentar do PCP confrontou o Governo com o estrangulamento financeiro dos Conservatórios e do Instituto Gregoriano e com uma tal refundação do ensino artístico. A resposta, essa, invariavelmente, foi o silêncio. Entendemos agora porquê: o Governo pretendia desmantelar o ensino artístico público pela calada. A intervenção do PCP e a intervenção dos encarregados de educação, dos alunos e dos professores do ensino artístico deixam claro que é inaceitável a satisfação dos caprichos deste Ministério da Educação.

O ensino artístico, nomeadamente o ensino especializado da música, tem características muito próprias, exigências específicas, muitas delas incontornáveis. Deve ser reforçado por uma política de investimento e de verdadeira democratização do seu acesso. Deve ter em conta as motivações diversas da sua procura educativa, ampliando e diversificando a disponibilidade pública.

Diz o Governo que o ensino artístico especializado é demasiadamente caro, mas esquece, convenientemente, o valor elevadíssimo que hoje assume a indústria da música em Portugal, movida por muitos daqueles que, ao longo dos últimos anos, obtiveram formação, certificada ou não, nos Conservatórios.

Não faz sentido que a Sr.ª Ministra e a sua Agência para a Qualificação venham ancorar o seu discurso no argumento da pouca certificação. Mais uma vez, o Governo sobrepõe o diploma ao conhecimento e à aprendizagem.

O Governo anuncia que vai proceder à democratização do ensino das artes, mas não diz como! Pelo contrário, anuncia o fim da frequência das escolas do ensino artístico especializado por aqueles que não adiram ao ensino integrado.

A guerra do Governo aos alunos do chamado «ensino supletivo» é uma ofensa inadmissível àqueles que, hoje, procuram o ensino especializado, para além da sua actividade escolar no ensino genérico.

Façam-se planos alternativos, cursos de média duração, mas não se acabe com a possibilidade de estudar música em ambiente especializado para aqueles que hoje são a esmagadora maioria dos alunos dos Conservatórios, ao contrário do que dizia o Sr. Deputado Fagundes Duarte.

Também nos conceitos, a trapalhada governativa é geral.

Não se entende se o Governo sabe distinguir ensino especializado da música daquilo que se oferece nas chamadas «actividades de enriquecimento curricular» que, como é sabido, foram lançadas sem a mínima noção dos recursos disponíveis, sem a mínima ideia daquilo que deve ser o ensino das artes a nível do 1.º ciclo.

É preciso dizer que levar a todos o ensino das artes não é, certamente, ampliar o embuste das actividades de enriquecimento curricular. Levar as artes a todos é ampliar, com currículos adaptados às necessidades, o acesso ao ensino de qualidade que hoje se pratica na diminuta rede pública do ensino artístico especializado.

Levar o ensino das artes a todos não é afastar os que já lá estão; é conferir às escolas capacidade para captar aqueles que as procuram, é ampliar a rede pública que hoje, vergonhosamente, está limitada a seis escolas, todas situadas no litoral e a norte do Tejo.

Levar o ensino a todos é acabar com o escândalo da exigência de pagamento de exorbitantes propinas no ensino privado, a todos quantos queiram continuar a usufruir do ensino especializado.

Faça-se a urgente revisão dos planos de estudo e dos programas, ouvindo as escolas, sem as condicionar por uma proposta de reconversão concebida sem a participação quer de cada uma das escolas quer do grupo de trabalho que o Governo diz ter criado apenas para ornamentar o seu desígnio.

Enquanto o Governo procura distrair a opinião pública com a sua propaganda, há docentes nas escolas do ensino artístico, muitos deles contratados há mais de 10 anos, que não encontram caminho para a estabilidade laboral. O escândalo é tal que o Governo se recusa a aplicar a resolução desta Assembleia da República, aprovada por unanimidade na sequência de um projecto de resolução do PCP.

Uma tal atitude não é só um acto de desrespeito para com os docentes, o que, já de si, seria de todo inaceitável, como é um acto desafiador das determinações deste órgão de soberania.

O Governo é arrogante! Mais uma vez o demonstra, pondo fim a um processo de revisão curricular que envolverá todos os agentes educativos, sem nenhuma justificação e com o início de um estudo de avaliação encomendado que chegou a alvitrar, toscamente, o fim do ensino individualizado, denunciando, assim, não só o desconhecimento da realidade como os seus verdadeiros objectivos.

Para sustentar a chamada «refundação do ensino artístico», o Governo criou um grupo de trabalho. Sabemos agora que há um grupo que não produziu nem trabalho nem conclusões, ou seja, o grupo de trabalho serviu, tão-só, para legitimar as decisões do Governo. Mas falta saber se esse grupo de trabalho partilha essas decisões, essas opiniões.

Para esconder essas contradições, o Partido Socialista rejeitou, há dois dias, o requerimento do PCP para que o coordenador desse grupo de trabalho fosse ouvido na Comissão de Educação e Ciência.

Para o Partido Comunista Português é importante o alargamento dos regimes integrados do ensino das artes, mas é impossível fazê-lo sem uma verdadeira aposta na capacidade real do sistema educativo, sem um investimento na escola e nos recursos humanos, sem a garantia dos direitos dos professores e sem a criação das condições para a verdadeira opção por parte dos estudantes. Não deixaremos passar em claro a tentativa de privatização que o Governo conduz sobre o ensino artístico e empreenderemos todos os nossos esforços para a defesa do património cultural e educativo do actual regime de ensino artístico.

A grande questão que se coloca é a seguinte: haverá realmente um plano de generalização e de democratização do sistema público de ensino artístico? Ou estaremos perante mais uma «máscara» que o Governo utiliza para, mais uma vez, demitir o Estado das suas responsabilidades?

Ao som de Acordai, de Fernando Lopes-Graça, alunos, pais e professores da Escola de Música do Conservatório Nacional levantavam as vozes contra esta política. Relembrando esses versos, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português manifesta, uma vez mais, a sua solidariedade e o seu empenho para essa luta.

(...)

Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Manuela Melo,

Muito obrigado pelas cinco perguntas que fez, às quais tentarei responder globalmente e não individualizando as respostas.

Sr.ª Deputada, não sei se estamos todos de acordo com a generalização e a democratização do ensino artístico público. Parece que, afinal, não estamos...! Com estas propostas parece que estamos de acordo com a generalização de alguma coisa que não se pode chamar nem ensino artístico nem público.

Pode chamar-se, porventura, actividades de enriquecimento curricular, mas exclusivamente na linguagem do Governo porque pouco enriquecem os currículos.

Sr.ª Deputada Manuela de Melo, a lei de bases do sistema educativo prevê que a música e outras vertentes educativas que orbitam em torno da formação integral do indivíduo devam ser integradas nos currículos. Ora, este Governo fez exactamente o oposto: passou-as para fora dos currículos e garantiu contratação de empresas privadas para irem à escola pública ministrar actividades que deviam ser curriculares e que estão fora dos currículos.

Este Governo demitiu, mais uma vez, o sistema público de uma das suas tarefas centrais. Vir dizer que defende o regime que este Governo fomenta e, ao mesmo tempo, a democratização do ensino artístico «não bate a bota com a perdigota», Sr.ª Deputada!

Quanto ao facto de o regime generalizado ser o integrado, Sr.ª Deputada, a questão que se coloca é a de saber se, com seis escolas públicas situadas exclusivamente no litoral, estaremos em condições de dizer que, acabando com o que temos, vamos democratizar. É mais ou menos o mesmo que me dizer que tem seis hospitais no País que só servem uma parte pequena da população e que é preciso generalizar o acesso à saúde e, então, fecha esses seis. Sim, senhor, é uma bela maneira de generalizar o acesso, mas às clínicas privadas.

Sr.ª Deputada, a questão central para proceder à generalização do regime integrado é a de garantir a cobertura territorial de uma rede coesa e financiada à altura das necessidades, assim garantindo que todos, quando querem, atingem e conseguem ter acesso ao ensino especializado da música.

Para terminar, sobre as propostas da escola disse a Sr.ª Deputada que houve toda a abertura do Governo. Sr.ª Deputada, a Escola de Música do Conservatório Nacional fez chegar à Agência Nacional para a Qualificação as suas propostas, a qual, juntamente com a Ministra da Educação, veio publicamente tentar enxovalhar aquela direcção, dizendo que ela estava em falta, quando este grupo parlamentar tem conhecimento dessa entrega desde Julho de 2007!

Portanto, Sr.ª Deputada, sobre as propostas dos conservatórios, antes de ter encetado este processo, o Governo tinha feito bem em ter ouvido as escolas, ao invés de fazer tudo à margem delas e agora tentar impor desta forma.

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