Intervenção de Charis Polucarpou, membro do Comité Central do AKEL - Partido Progressista do Povo Trabalhador (Chipre), Debate «Sectores estratégicos, mercado comum e soberania nacional. Um olhar sobre o sector de transportes»

"Por trás dos cortes e da austeridade está a tentativa da Comissão Europeia e do BCE para aprofundar a desregulamentação e privatizar bens públicos"

Em primeiro lugar gostaria de agradecer ao Partido Comunista Português e ao GUE/NGL (Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia / Esquerda Nórdica) pela organização deste evento. Discutir e trocar experiências sobre estes assuntos fortalecem a nossa luta contra a implementação de políticas neoliberais. Os casos são diferentes de país para país, mas as lutas são comuns.

Gostaria de começar referindo que, na última década, a União Europeia tem ratificado uma série de medidas e políticas que afectaram a soberania nacional dos Estados Membros e tiveram como objectivo a venda da riqueza nacional a companhias multinacionais privadas.

A implementação de Memorandos nos países periféricos incrementaram a pressão para essas políticas.

É um facto que a União Europeia está a sofrer a maior crise económica desde a sua criação, uma crise estrutural com características diferentes nos vários países da Europa. Por exemplo, no Chipre a crise assumiu a forma de crise bancária.

No entanto, a crise foi incorrectamente atribuída aos gastos excessivos do governo e das famílias. Assim, os Estados membros da Europa implementaram programas de austeridade severos, fazendo duros cortes nos serviços públicos essenciais e nas prestações sociais, minando a estabilidade financeira desses serviços.

No entanto, por trás dos cortes e medidas de austeridade está uma tentativa sistemática da Comissão Europeia e do Banco Central Europeu para aprofundar a desregulamentação na economia europeia e privatizar bens públicos em sectores estratégicos. Não podemos esquecer também que um dos principais constrangimentos exigidos pela troika, em cada país único onde esteve presente, foi a privatização de serviços e activos do sector público, como condição para a concessão de empréstimos.

Uma exigência sem suporte legal nem uma lógica económica.

Em termos legais as privatizações impostas são questionáveis, já que a UE exige que a Comissão seja neutra no que concerne a propriedade pública ou privada das empresas. “Os Tratados não prejudicam em nada as regras que regem o regime de propriedade nos Estados-Membros” refere o Tratado.

Em termos económicos, a venda de propriedade pública em períodos de crise não só elimina os recursos vitais que permitem ao estado manter uma política social e de bem-estar mas também diminui a qualidade desses serviços e aumenta os custos para os utilizadores.

Os serviços públicos eram uma parte integrante da história económica e social da Europa. Foram o resultado e a consequência de necessidades económicas e sociais significativas, tais como o apoio ao bem-estar social, a luta contra os cartéis em sectores estratégicos da economia e a necessidade de facilitar os investimentos em sectores estratégicos. Os investimentos que o capital privado não conseguia, ou simplesmente não desejava fazer.

As telecomunicações, a energia eléctrica, os transportes e a água, são exemplos de sectores em que as empresas públicas desempenharam um papel fundamental no atendimento às necessidades colectivas da população e no apoio ao desenvolvimento e à eficiência da economia.

No caso do Chipre o conceito de soberania nacional e interesse público está em situação ainda mais crítica do que em outros países da UE, e não só.

Isto porque o Chipre é um país semi-ocupado, ameaçado diariamente pela presença de tropas turcas na zona ocupada a norte. O controlo estatal das telecomunicações, da energia, dos portos e dos transportes é condição necessária para a manutenção da nossa segurança nacional.

Infelizmente, o governo conservador de Anastasiades usou a sustentabilidade da dívida como pretexto para introduzir no memorando que assinou com a troika uma cláusula para a privatização de lucrativas organizações semi-governamentais. Estes organismos operam nos sectores da energia, das telecomunicações e dos portos. Organismos que, não só, apoiam a economia cipriota com investimentos em infraestruturas, como ainda, têm continuamente contribuído para o orçamento de estado.

Na última década as 3 organizações ((Electricity Authority of Cyprus (EAC), Cyprus telecommunication Authority (CYTA) and Port Authority) contribuíram anualmente com mais de mil milhões de euros – 1% do PIB para o orçamento de estado. Fizeram igualmente importantes investimentos em infraestruturas com novas tecnologias, investigação e desenvolvimento tecnológico.

Além do mais, este Governo decidiu encerrar em apenas uma noite a única companhia aérea, pública ou privada, com base no Chipre, a semi-governamental Cyprus Airways. A decisão deixou Chipre, uma ilha, que tem o turismo como sua principal actividade económica, sem uma companhia aérea nacional.

E nem os bilhetes ficaram mais baratos nem os serviços melhores. Não é, pois de admirar que os bilhetes já tenham subido 15% e as viagens para algumas das principais cidades europeias leve agora o dobro do tempo.

Por trás dos "argumentos" neo-liberais levantadas pelos partidos conservadores da UE, pelos meios de comunicação social e outros, na defesa de uma verdadeira concorrência nestes sectores, está o seu principal objectivo. Ajudar as empresas multinacionais a ganhar ainda mais acesso aos principais mercados de serviços e proveitos e explorar ainda mais a sua vantagem monopolista.

Tal é o caso no sector das telecomunicações no Chipre. A CYTA - Chipre Telecommunication Authority (Autoridade das Telecomunicações do Chipre) é uma organização saudável e rentável, embora não haja monopólio público uma vez que o mercado se abriu desde a nossa adesão à UE. A sua teoria é vender a totalidade da empresa, uma vez que não tem qualquer sentido que continue sob controlo público. Esta teoria aparece não só porque existem fortes interesses económicos nos sectores das telecomunicações, mas também porque a UE e o FMI a consideram um mau exemplo, que é essencial desmantelar.
Frequentemente, quando as empresas públicas são vendidas transformam-se em monopólios privados. E a riqueza é distribuída por apenas alguns, e não por toda a sociedade.

Tendo, por exemplo, em conta a pequena dimensão do mercado de Chipre a privatização da Electricity Authority não criará as condições necessárias para um verdadeiro mercado competitivo. Não há viabilidade para duas empresas num mercado tão pequeno. Perder-se-á a economia de escala e os preços irão inevitavelmente aumentar. Sem dúvida que as prioridades do sector privado são a maximização do lucro e a falta de investimento em pesquisa e desenvolvimento, a manutenção insuficiente de infraestruturas, a falta de cuidado ambiental e a redução do trabalho social.

É isto que nos mostra a experiência a nível europeu e internacional.

Em todo o mundo existem empresas públicas e semi-públicas que são rentáveis e cruciais para a modernização da sociedade e o desenvolvimento económico. Ao mesmo tempo, existem por todo o lado milhares de exemplos de empresas privadas que foram à falência e não conseguiram desempenhar o papel que as moveu.

Também, em muitos casos, o Estado conseguiu recuperar o controlo e a gestão destas empresas privatizadas. A Grã-Bretanha constitui um exemplo clássico do falhanço da privatização no sector da electricidade. Na Alemanha, muitos municípios recuperaram a propriedade das empresas locais de energia anteriormente privatizadas.

Assim, se os esforços de privatização das empresas de electricidade falharam em grande medida, na maioria dos maiores países europeus onde os mercados da electricidade são muito maiores do que o de Chipre, a questão que se coloca é por que razão surgem agora esforços para a privatização da Electricity Authority no Chipre.

Qual seria o impacto da perda de controlo sobre esses sectores?

Em primeiro lugar, ele irá resultar em venda da riqueza nacional. Tanto o desempenho económico do país como o tamanho do mercado demonstram que o Estado não irá conseguir atrair uma oferta que satisfaça o valor real dessas empresas.

Em segundo lugar, o tamanho do mercado, como dissemos antes, indica que a privatização levará à conversão da empresa pública num monopólio privado.

Em terceiro lugar, a privatização irá deteriorar a prestação de serviços de qualidade e pôr em causa a universalidade e a acessibilidade a esses serviços. Conduzirá gradualmente a custos mais elevados para os consumidores e eliminará regimes especiais para os grupos populacionais de baixa renda.

A privatização também irá conduzir a demissões de pessoal, o desemprego aumentará e a nova gestão privada irá promover a desregulamentação das condições de trabalho.

Finalmente, se o Chipre quiser reforçar a cooperação estratégica com outros países em matéria de infraestruturas não deverá confiar no critério das empresas privadas para facilitar essa estratégia. As empresas privadas operam em função de um só valor - os lucros acima de tudo.

É nossa posição que as organizações públicas podem e devem ser constantemente modernizadas, num esforço para levar a cabo a sua missão com integridade e adequação. Algumas reformas poderiam melhorar a sua missão, tais como:

• Melhorar o seu quadro institucional,
• Aumentar a autonomia e a flexibilidade,
• Melhorar a produtividade,
• Melhorar a qualidade do serviço e atendimento ao cliente e apoiar a coesão social,
• Facilitar o combate às alterações climáticas,
• Contribuir para a reconstrução produtiva do Chipre,
• Ajudar a transição para um novo modelo económico sustentável e equitativo.

No entanto, estas alterações não significam, de modo algum, que a propriedade pública deva mudar. Ao contrário, é a propriedade pública que irá garantir que os objectivos acima referidos sejam implementados.

Para apoiar estas organizações como a AKEL já apresentamos um projecto de lei ao Parlamento cipriota que exige o congelamento imediato dos processos de privatização, já iniciados pelo governo.

Queremos apoiar os direitos do trabalho e também que os serviços prestados cubram as necessidades vitais da sociedade e exigir a preservação do papel social e carácter público das empresas.

Continuaremos também a mobilização dos trabalhadores e a organização de manifestações contra a privatização.

Mais uma vez sublinhamos a importância das organizações para a produção, distribuição e redistribuição da riqueza nacional e a prestação à sociedade de serviços universais e de alta qualidade.

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