Intervenção de Bruno Dias na Assembleia de República

Pela defesa de um sector público ao serviço do país

(interpelação n.º 4/XI/1.ª: http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheActividade...)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,
Sr. Ministro das Finanças,
A sua mensagem de hoje ao Parlamento parece resumir-se a esta ideia: «Esqueçam tudo aquilo que aconteceu, esqueçam tudo o que viram nos últimos 20 anos, esqueçam a gestão ruinosa e o subfinanciamento a que tem sido votado o sector público! Não valeu, agora é que conta! A partir de agora é que vale!».
Mas nós não esquecemos, Sr. Ministro! Não esquecemos o desastre que foi a privatização do handling da TAP para os trabalhadores, para os passageiros e para a própria companhia, que teve que readquirir a empresa que tinha sido alienada!
O senhor insiste na melhoria do acesso e da qualidade do serviço público após as privatizações?! Desafiamo-lo a ir dizer isso aos utentes dos transporte rodoviário, que são confrontados actualmente com o encerramento de serviços, com a supressão de carreiras, com um verdadeiro recolher obrigatório, com o abandono a que as populações são votadas, nomeadamente nas regiões do interior e nas povoações mais isoladas!
Vá dizer isso aos utentes da Fertagus que pagam, por quilómetro, tarifas que são praticamente o dobro das que são praticadas na CP!
Vá dizer isso àqueles que já hoje estão a pagar a factura — utentes e trabalhadores — pela estratégia que dura há anos para a privatização dos correios e que só agora vem a lume relativamente ao encerramento de estações, relativamente à destruição de postos de trabalho, relativamente à degradação da qualidade! É essa a experiência concreta que não podemos ignorar, Sr. Ministro!
O Sr. Ministro, por acaso, conhece o processo dos aeroportos de Londres, vendidos à Ferrovial, e que deixou a British Airways numa crise sem precedentes, a ponto de ter sido criada uma comissão de inquérito no Parlamento britânico?!
Quer alienar toda a rede nacional de aeroportos por um negócio milionário que vai, seguramente, interessar a muita gente, mas que não interessa ao País e não interessa ao futuro da nossa economia?!
O senhor quer alienar a companhia aérea de bandeira, que é um factor de soberania e de projecção de Portugal no mundo?!
O senhor sabe quem comprou a transnacional Arriva, que tem o capital da Barraqueiro, dos TST, do Metro Sul do Tejo? Nós dizemos-lhe: foi a Deutsche Bahn, o operador público ferroviário alemão! É que há países que vão às compras e há outros que são vendidos a pataco pelos seus governantes!
É esta a política deste Governo que não podemos aceitar!
(…)
Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados,
Srs. Membros do Governo:
Quero chamar a vossa atenção para a passagem que se segue:

«Nos últimos dois anos assistimos a uma tentativa de destruição — encoberta de privatização — da empresa [CTT] por parte da administração, usando como desculpa a necessidade de receitas que permitissem obviar o — agora — descontrolado deficit orçamental.
(…) Com esta sanha privatizadora, ficou claro que a administração recusa por completo a importância fundamental de um serviço público essencial às populações utentes».
E assim começa, Srs. Deputados, um texto intitulado CTT: Perto do Fim, publicado pelo PS, mais concretamente pelos secretariados das secções de acção sectorial do PS nos Correios — decorria a campanha eleitoral para as eleições legislativas de 2005.
Meses antes, em sessão plenária, a então Deputada do PS Leonor Coutinho afirmava: «Os serviços postais são fundamentais para o funcionamento de toda a economia (…) Nos Estados Unidos da América os correios são mesmo um departamento federal.»

O PS, na oposição, denunciou, e bem, as intenções do governo PSD/CDS de privatizar os Correios, mas essa perspectiva não se confirmou, graças à luta dos trabalhadores e das populações e também ao combate aqui travado.
Hoje, o Governo PS quer fazer o que o PSD e o CDS, na altura, não conseguiram e ir mais longe do que a direita alguma vez foi na sua «sanha privatizadora» — palavras do próprio PS.
É preciso não esquecer a importância que os Correios, enquanto serviço público com perto de 16 000 trabalhadores, têm no nosso País para a população, para a vida quotidiana de milhões de pessoas. Não admira, por isso, que a Mota Engil, que já hoje é parceira dos CTT, tenha há anos manifestado interesse em entrar no negócio…
Mais uma vez, esta semana realizámos inúmeras iniciativas de contacto com os trabalhadores e utentes dos CTT, com os militantes, os Deputados, os dirigentes do PCP, participando de norte a sul do País. Ontem como hoje, continuamos solidários com a luta dos trabalhadores dos correios, em defesa do futuro da empresa, em defesa dos direitos e de melhores salários.
Aplausos do PCP.
O serviço público postal é uma área estratégica para o nosso País, assim como é também o transporte ferroviário e, nesse âmbito, o sector da manutenção de material circulante ferroviário.
Sr. Presidente e Srs. Deputados:
«Como a EMEF é praticamente a única empresa que faz manutenção em Portugal, não interessaria nunca à CP que a EMEF, que, de algum modo, tem o monopólio das actividades de manutenção e reparação, fosse um monopólio que deixasse de pertencer à CP para passar para terceiros. A nossa capacidade de manobra reduzir-se-ia muito e, obviamente, que isso não teria interesse para nós.» Estas palavras sábias não são de nenhum comunista; foram ditas em Outubro de 1998, pelo então Presidente da CP, Crisóstomo Teixeira, actual Presidente do IMTT e distinto membro do PS.
Nós já vimos este filme, Srs. Deputados! Lembrem-se do que se passou com a Sorefame. A conversa era a mesma: as parcerias, as modernizações, os novos mercados. A empresa que fabricava e exportava material circulante ferroviário, e não só, foi privatizada pelo bloco central e acabou por encerrar às mãos do capital estrangeiro.
Hoje, o País não produz comboios, nem sequer carris. Resta a manutenção ferroviária. Até quando, Srs. Membros do Governo?
Os resultados da entrega aos interesses privados estão à vista no negócio da Fertagus, na ferrovia Lisboa/Setúbal: as populações pagam muito mais por uma insuficiente oferta de transporte, sem poder sequer usar o passe social e, enquanto isso, apenas nos últimos cinco anos, o Estado pagou à Fertagus perto de 170 milhões de euros!
Faz agora um ano, o Governo aprovou, por decreto, as alterações aos Estatutos da CP que permitiram a separação da CP Carga e abriram caminho à sua entrega a privados, bem como de linhas e áreas da actividade da CP. Como agora se verifica, preparou-se, então, a operação que o Governo agora quer consumar!
Questionada sobre isto na Comissão Parlamentar a então Secretária de Estado dos Transportes e actual Deputada do PS Ana Paula Vitorino, afirmou o seguinte: «Com estes novos estatutos, claramente se diz que não se vai privatizar nada! Só com muita imaginação se pode estar a falar de privatizações.»
E, mais à frente, acrescentou: «Quero aqui deixar bem claro que não se trata de uma privatização, muito pelo contrário!
Estas palavras foram ditas quando já se desenhava no horizonte uma campanha eleitoral, em que as privatizações foram tema proibido para o PS! O plano de privatizações subitamente desaparecia.
Em Setembro, num debate televisivo durante a campanha, o dirigente e então candidato do PS (agora Ministro) Alberto Martins, porventura farto de ser questionado pelo PCP, afirmou e repetiu quatro vezes: «O PS não vai privatizar a ANA».
Poucos meses depois, o PS anuncia a privatização da ANA!
Ao anunciar, novamente, a privatização da ANA e da TAP, o Governo está a colocar em causa o futuro de, praticamente, todo o sector do transporte aéreo nacional, representando mais de 20 000 postos de trabalho e mais de 3% do PIB, com as implicações que esta medida tem no turismo, na economia, na coesão territorial, na soberania do nosso País. É uma opção verdadeiramente desastrosa!
E ainda há quem se lembre do plano de privatização e venda da TAP à Swissair. Na altura, o Governo PS/Guterres apresentava essa medida como urgente e indispensável, um autêntico imperativo nacional. Se esse plano tivesse ido por diante, a TAP já não existia — teria sido afundada na falência da Swissair!
Sr. Presidente e Srs. Deputados:
De «inevitabilidades» destas está o País farto. Estão fartas as populações e os utentes dos serviços públicos, confrontados com encerramentos, com aumentos de preços, com a degradação da qualidade. Estão os trabalhadores fartos desta destruição de postos de trabalho, de ataques aos direitos e à dignidade, de lucros que engordam e de salários que emagrecem.
Não estamos condenados a isto! A alternativa existe e ela passa pela defesa de um sector público, de todos os portugueses, ao serviço do País, alavanca de desenvolvimento e de promoção do interesse nacional.
A mudança efectiva constrói-se na luta. Por isso, saudamos os trabalhadores que recentemente tiveram das maiores acções de luta de sempre. Essa luta que continua já este mês é uma resposta clara, não apenas na defesa dos direitos de quem trabalha mas na defesa do futuro deste País. É desse lado da luta que continuará a estar o Partido Comunista Português.

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