Intervenção de Pedro Massano, Encontro Nacional «Tomar a iniciativa – assegurar o direito à habitação para todos»

O valor do bem duradouro habitação, contradição entre a actividade económica do mercado imobiliário e a dinâmica da procura da habitação

O valor do bem duradouro habitação, contradição entre a actividade económica do mercado imobiliário e a dinâmica da procura da habitação

O estado a que chegámos é o resultado possível de décadas de políticas de direita, num capitalismo periférico consolidado pela reconstituição do poder dos monopólios, marcado pela adesão à CEE e pelas privatizações, onde reina a anarquia da produção e a inexistência de planeamento económico, enfim, onde reina o descarado desprezo pela Constituição, pelo povo e pelos interesses nacionais. 

O acesso de todos ao bem essencial material que é a habitação é dever do Estado, mas não depende só do Estado, e só um Governo que queira cumprir os seus mais amplos deveres económicos e sociais pode dar resposta à questão da habitação. 

Enquanto não temos cá disso, a habitação é só mais uma mercadoria que se compra e vende, sujeita às leis gerais do capitalismo, contribuindo também para o lucro e acumulação capitalista. Um capitalismo rentista, bem presente nos países capitalistas periféricos e dependentes como é o nosso. 

Neste quadro, a questão do investimento, da procura e oferta de habitação está integrada nas opções globais de investimento de toda a economia nacional. Além de profundamente insuficiente, o investimento em Portugal, seja público, reduzido a mínimos e ditado pelo défice orçamental, seja privado, é também profundamente desajustado das nossas reais necessidades de desenvolvimento. Não dá resposta aos nossos problemas e não altera o pobre perfil de especialização económica. 

O investimento em habitação é necessário e, embora seja considerado FBCF, constitui um tipo de investimento não reprodutivo, ou seja, não cria riqueza depois de construídos os edifícios, mas permite gerar rendas e lucros. E é aí que está o negócio. 

A política de habitação, nas suas diversas vertentes, incluindo investimento, não pode ser o suporte do investimento rentista e especulativo. E só o Estado pode orientar a política de investimentos, em articulação com os restantes intervenientes, para a satisfação das reais necessidades da economia nacional.

Deixar a questão aos mercados é permitir que continue a deslocação sistemática de capitais para os sectores onde, a cada momento, se obtêm maiores taxas de lucro. 

E a habitação tornou-se apetecível. A intocável aliança de interesses entre Banca e Imobiliário gerou e gera graves consequências na produção e gestão do bem habitação. 

A Banca privatizada e a CGD, que age como tal, subverteu a sua missão económica, que devia ser a alavancagem de um desenvolvimento económico equilibrado, canalizando capitais para o investimento nos sectores produtivos, sobretudo para as MPME, potenciando os depósitos, ou seja, a poupança. Pelo contrário, a Banca há muito que se centrou na concessão de crédito à habitação- 100 283 milhões de euros de stock em 2022. Também se têm dedicado ultimamente à cobrança de comissões...

A inversão das prioridades de investimento é tal, que em 2022, o stock de créditos às famílias era de 130 mil milhões de euros (+ 13% que em 2017) e às sociedades não financeiras era de 76 mil milhões de euros (58% do valor emprestado às famílias). Em 2022 estavam nos bancos 104 933 milhões de euros em créditos associados à aquisição e construção de edifícios. 

A lógica dos processos de avaliação bancária promove uma dinâmica perversa de causa-efeito-causa que conduz ao inflacionamento dos preços de toda a habitação, alimentando a inflação geral. O domínio do capital financeiro e o peso que o sector da habitação tem no PIB e no orçamento das famílias é uma vulnerabilidade estratégia do País, sobretudo em períodos de altas taxas de juro e inflação.

Ancorado nesta política de crédito da Banca medra o chamado mercado imobiliário que produziu em 20 anos (entre o início da década de 90 e 2010, início da crise financeira) 1 800 000 alojamentos, tendo havido períodos em que o stock ocioso- as casas vazias- chegou a ultrapassar 1 200 000 fogos. As necessidades não cresceram nesta dimensão. Não faltavam casas e mesmo assim havia insuficiências na disponibilização de casas para arrendar. É negócio que não lhes interessava!

Depois todos sabemos o que aconteceu: crise, cortes, desemprego, dificuldades em pagar prestações, empresas a falir, bancos a falir e os que ficaram tiveram os seus balanços inundados de casas e edifícios.

Já depois de 2012 começou a criar-se uma nova bolha, não pela sobreprodução, mas pelos níveis elevadíssimos de aquisições possibilitadas por taxas de juro baixas, nulas e negativas acompanhadas por um galopante aumento especulativo dos preços de aquisição e arrendamento (1 milhão e 260 mil alojamentos adquiridos entre 2013 e 2022). Ainda não rebentou e até já se compram casas com criptoactivos.

Como vimos, a actividade imobiliária e bancária desviam somas brutais de investimento do sistema económico produtivo para a produção e venda de excedentes habitacionais a preço especulativo. E a gente não tem casas para morar porque não as conseguimos arrendar nem comprar. Mas há quem possa, e isso rende mais do que cumprir a Constituição. Só em 18 meses, entre o 3º trimestre de 2020 e o 1º de 2022 foram transacionados alojamentos no valor de 250 mil milhões de euros (+ 5% que o PIB de 2022).

Camaradas,

O estado a que chegámos só é possível porque Banca e Imobiliário precisam que ninguém se meta nas suas prioridades de investimento. Suportados pela política de direita e pelos seus executantes de turno continuam a vender em dose reforçada os mesmos remédios que nos trouxeram aqui. Bastava ouvir a gritaria recente para perceber que nada de novo têm para oferecer. E o PS dá-lhes. Dá-lhes mais benefícios fiscais, mais subsidiação de rendas especulativas, mais bonificação dos juros. Mesmo quando a Banca ganha como nunca ganhou e os fundos imobiliários e os grandes proprietários põem e dispõem do edificado; mesmo quando a construção está virada para os segmentos milionários e os preços nunca foram tão altos. Nem assim estão satisfeitos, enquanto levam famílias e pequenas empresas à ruína. 

Não tem de ser assim! É possível outra política económica que também dê reposta aos problemas da habitação. O Programa do Partido e este Encontro apontam já as propostas, os caminhos e os objectivos, a luta do nosso povo e a nossa intervenção vai continuar a percorrê-los e alcançá-los. Custe o que custar!