Intervenção de Bruno Dias na Assembleia de República

TDT - Um negócio desastroso com impactos directos para a vida das pessoas

Ver vídeo

''

Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:

Se nada for feito imediatamente, o processo de introdução da televisão digital terrestre em Portugal e o correspondente desligamento das atuais emissões analógicas ficará recordado como um dos negócios mais vergonhosos, mais desastrosos, com impactos diretos para a vida das pessoas.

É um verdadeiro escândalo nacional que continua a acontecer como se nada fosse, apesar dos sucessivos alertas, das reuniões e audições nesta Assembleia, onde o problema se colocou ao longo do tempo.

Apesar dos alertas de autarcas, de especialistas, de trabalhadores e de organizações de trabalhadores do setor, o primeiro responsável desta situação é o PS, que estava no governo e que decidiu esta questão em 2008. O principal responsável atual é o Governo PSD/CDS, que deixou correr o problema e, em novembro passado, vendeu em leilão as frequências para a rede 4G, aproveitando o apagão analógico, que interessa (e muito!) às operadoras.

Temos, portanto, que, de hoje a uma semana, é desligada a emissão analógica da televisão em sinal aberto na vasta e altamente povoada faixa do território litoral do País.

Na cobertura das emissões terrestres da TDT, a situação é da maior gravidade. Milhares de pessoas que atualmente estão cobertas por sinal analógico, pura e simplesmente veem os emissores e retransmissores das suas regiões desligados. São inúmeros os retransmissores que atualmente servem as populações com qualidade e que vão ser, pura e simplesmente, desligados.

Afirma-se que a cobertura TDT atual chega a 90% da população (muito abaixo dos atuais 98% de cobertura da RTP1), mas a verdade é outra Os dados da ANACOM baseiam-se em simulações feitas em computador, ignorando variáveis como condições meteorológicas, variações locais de relevo ou obstrução das antenas.

Chegam-nos testemunhos de que, em muitas áreas supostamente cobertas, não é possível captar a TDT. Noutras zonas, por exemplo dentro da zona piloto de Alenquer (com inúmeras reclamações sem resposta efetiva da ANACOM), em condições meteorológicas adversas o sinal cai completamente.

A PT, empresa concessionária da rede TDT em Portugal, colocou um mínimo de emissores no território, concentrou-os nas áreas de maior densidade populacional de modo a maximizar com um mínimo de custos a quota de cobertura a que estava obrigada, mas deixando vastas áreas geográficas sem emissão terrestre.

Há concelhos inteiros que, na verdade, não têm alternativa se não o acesso à televisão por satélite, como se estivessem na floresta amazónica ou no deserto do Saara. Apenas a título de exemplo, refiro os casos de Vila Praia de Âncora, Paredes de Coura, Vieira do Minho, Arganil, Manteigas, Portel, Ferreira do Alentejo, Almodôvar e Alcoutim. É também o caso do grupo ocidental do arquipélago dos Açores! É ainda o caso da maior parte do território, de concelhos como Oliveira do Hospital, Seia, Vouzela, Castro Daire, Grândola e Ourique. E veja-se o caso das ilhas das Flores e do Corvo, totalmente privadas de televisão terrestre!

Alega a ANACOM que toda a população excluída da TDT tem cobertura via satélite. Mas quanto custa a instalação para esse acesso? Cerca de 116 € por equipamento para um só televisor!

Entretanto, é claro que a PT tem o exclusivo da venda dos recetores de satélite, e quando as autarquias denunciam este escandaloso abandono das populações e exigem soluções concretas aparece a PT a oferecer à câmara os seus serviços.

O último caso que nos chegou foi o da proposta à Câmara Municipal de Vouzela de instalação de três pontos emissores de microcobertura a povoações do concelho pela módica quantia de 90 mil euros. Chama-se a isto criar dificuldades para vender soluções!

Nos últimos dias têm chegado a ser frenéticos os contactos telefónicos para a casa das pessoas a impingirem-lhes assinaturas do serviço de acesso pago das várias operadoras. Ligam a dizer que vão desligar a televisão e que, para que possam ver a nova televisão, têm de subscrever uma nova assinatura.

Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados:

Mais uma vez reafirmamos o alerta quanto à oportunidade perdida que tem sido o processo da televisão digital terrestre e a ameaça de degradação que pode até daí resultar para a acessibilidade ao serviço público de televisão.

A verdade que se está a escamotear é a de que com a TDT poderíamos ter mais serviço público em sinal aberto e não menos, poderíamos ter economias de escala e gerir melhor os recursos, com mais e melhor oferta. Tudo isso foi ignorado.

Se ao serviço público fosse atribuído um multiplex próprio, a população poderia aceder de forma livre e gratuita a todos os canais da televisão pública, incluindo aqueles que hoje estão disponíveis apenas na televisão de acesso pago! Esta possibilidade nunca foi considerada.

A TDT poderia ser a oportunidade para uma oferta televisiva para todos que incluísse em todas as emissões a possibilidade de acesso a tradução para a língua gestual, a legendagem em direto e a audiodescrição. Tudo isto foi ignorado.

Portugal terá como triste distinção o facto de ser o País europeu com o menor número de canais nesta plataforma digital.

Por toda a Europa, a introdução da TDT foi fator de maior variedade de oferta televisiva: em Espanha, há 20 canais de acesso gratuito, cinco dos quais do serviço público; no Reino Unido, há 38 canais de acesso gratuito, nove dos quais do serviço público; em Itália, há 27 canais de acesso gratuito, oito dos quais do serviço público; em França, há 29 canais de acesso gratuito, oito dos quais do serviço público; na Alemanha, há 20 canais de acesso gratuito com a maior abrangência nacional, nove dos quais do serviço público.

Este processo está, na verdade, a transformar-se num gigantesco mecanismo de angariação de clientes para a MEO, do Grupo PT, e para outras operadoras, de venda de recetores de satélite fornecidos pela PT, de venda e instalação de pontos emissores de microcobertura, fornecidos pela PT, e de libertação de frequências para o negócio das comunicações móveis 4G, para a Vodafone, para a Optimus/Sonaecom e, claro, para a PT.

Demonstra-se, assim, mais uma vez, como o poder político está, e continua, ao serviço do poder económico e como o poder económico, e neste caso a PT, está a viver muito acima das nossas possibilidades!

Não será por falta de aviso que o Governo não atua. Ainda tem uma semana para intervir. Mais adiante discutiremos o projeto de resolução do PCP e apresentaremos propostas concretas para resolver esta situação. Mas para já exige-se que o Governo assuma as suas próprias responsabilidades.

(…)
Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:

Verificamos, aqui, a caricata situação de termos um Governo e uma maioria que estão muito preocupados mas muito tranquilos e que afirmam que o tempo foi passando, que se fartaram de avisar mas que agora é tarde demais e não há nada a fazer.
É preciso que se diga o que há de fazer-se perante isto!

Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, o Sr. Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares diz que não quer olhar para o passado. Então, olhe, ao menos, para o presente!

Mesmo que não queira, olhe, ao menos, para o presente e para a próxima semana, porque o Governo ainda tem uma semana para intervir e tem que tomar medidas agora! E o adiamento deste «apagão», que está marcado para o dia 12 de janeiro, é possível e necessário! Não há qualquer obrigatoriedade incontornável que nos obrigue a condenar as pessoas ao facto consumado de ficarem sem televisão, quando isso pode ser evitado!

O que tem o Sr. Ministro para nos dizer sobre as negociações com a PT, sobre o leilão de frequências 4G, de que resulta o «apagão analógico», em que, curiosamente, cada uma das três operadoras pagou exatamente os mesmíssimos 45 milhões de euros por cada lote de frequências, já no tempo do atual Governo?! O que tem para nos dizer sobre as práticas de tipo mafioso com que as pessoas têm sido confrontadas «à pala» da TDT?!

Há, ainda, uma questão concreta que ainda pode e tem que ser atendida, que é a do número de canais em sinal aberto. Não é aceitável que vários canais da televisão pública, ou desde logo o Canal Parlamento, em que está a ser emitida esta sessão plenária, só sejam acessíveis à população através de plataformas de televisão de acesso pago! Do ponto de vista da cidadania e das políticas públicas de comunicação e informação, isto é inaceitável, particularmente quando há dezenas de canais em sinal aberto e com acesso gratuito, Srs. Deputados!

É que na zona raiana do Alto Minho as pessoas ficam sem televisão portuguesa e passam não a migrar, Sr. Ministro, mas, sim, a emigrar sem sair de casa, porque só têm televisão galega, só têm televisão espanhola, com cinquenta e tais canais de acesso gratuito, Srs. Deputados!

Estão a fazer as pessoas emigrar sem sequer saírem de casa!

Esta política pode ser alterada! Estamos a tempo! Mas é agora, é nesta semana, Sr. Ministro e Srs. Deputados, porque, se nada for feito, há milhares de pessoas que vão recuar décadas nas suas vidas e voltar ao tempo em que não havia televisão! Os senhores estão tão preocupados em não olhar para o passado que estão a condenar milhares e milhares de pessoas a voltarem ao passado, com um impacto muito sério nas suas vidas, pois o seu dia a dia é profundamente afetado!

Não venham aqui dizer que o que está feito pelo PS feito está e continuará nas mãos do PSD e do CDS, porque, ao menos nesta parte do debate político em torno das políticas de comunicação social, de televisão e de telecomunicações, não podemos continuar nesta coisa de «vira o disco e toca o mesmo» em que os partidos da troica nacional, lá porque assinaram com a troica estrangeira um pacto de agressão, continuam a aplicar estes negócios com o leilão das frequências a servir de Constituição da República para um negócio milionário que deveria estar em último lugar e não acima do interesse nacional!

  • Assuntos e Sectores Sociais
  • Poder Local e Regiões Autónomas
  • Trabalhadores
  • Assembleia da República
  • Intervenções