Intervenção de José Alberto Lourenço, Habitação em Portugal, hoje – A visão e as propostas do PCP

Sobre o Financiamento da Habitação

Falar sobre o financiamento da habitação em Portugal é falar sobre um tema muito caro aos portugueses. Faço notar que caro, é caro no seu sentido literal.

Em Portugal, de acordo com os últimos dados publicados pela Direcção Geral do Tesouro, existiam no final do 1º semestre de 2006, 1.623.290 (um milhão seiscentos e vinte e três mil e duzentos e noventa) empréstimos à habitação em vigor, os quais correspondiam a um valor de 89.122 € (oitenta e nove mil e cento e vinte e dois milhões de euros), isto é, com todo o rigor podemos dizer que são mais de um milhão e meio as famílias portuguesas que por conta de um empréstimo à habitação têm que mensalmente pagar a sua renda ao Banco, ou seja, cerca de 41% das famílias portuguesas estão nesta situação.

Dizer que todo este Parque Habitacional pertence às famílias portuguesas é um verdadeiro sofisma, ele é na verdade pertença do sistema bancário já que se as famílias por dificuldades financeiras deixarem de pagar, é à Banca que todas estas habitações retornam, já que todas elas estão hipotecadas.

Diga-se a propósito das dificuldades crescentes que as famílias enfrentam para pagar os empréstimos à habitação que o Banco de Portugal no seu boletim estatístico de Outubro, referia que o crédito de cobrança duvidosa na Habitação atingiu o valor de 1.221.000 € (mil e duzentos e vinte e um milhões de euros) no passado mês de Agosto ( cerca de 1,3% do total do crédito à habitação, a que correspondem já vários milhares de empréstimos em incumprimento).

As crescentes dificuldades que as famílias enfrentam para fazer face às dívidas resultantes dos empréstimos, que se viram obrigadas a contrair para adquirir a sua habitação, resultam directamente do impacto que as subidas contínuas das taxas de juro, verificadas desde Dezembro de 2005, tiveram sobre as suas prestações mensais.

Para termos uma ideia do nível do agravamento das taxas de juro, diga-se que a taxa de juro média em vigor em todos os contratos de empréstimo à habitação, era em Dezembro de 2005 de 3,621%, para em Setembro do corrente ano atingir os 5,234%, (dados do INE recentemente publicados), isto é, em 1 ano e nove meses, sofreu um agravamento de 44,6%. Se a isto juntarmos o valor cada vez mais elevado das prestações pagas pelos contractos mais recentes – com contractos de valor médio de 88,6 mil euros e prestações mensais de 429 euros – vemos como a situação é grave.

Não é necessário uma análise muito profunda para a partir destes factos concluir que para o tal milhão e meio de famílias portuguesas com empréstimos à habitação, desde Dezembro de 2005 se tem registado uma crescente e contínua perda de poder de compra, agravada naturalmente nos muitos milhares de casos em que essa família, é constituída por trabalhadores por conta de outrem, os quais viram os seus salários reais evoluir negativamente nos últimos anos, como é do conhecimento de todos.

Do meu ponto de vista os pagamentos dos empréstimos à aquisição de habitação tem hoje um peso tão significativo no orçamento de grande parte das famílias portuguesas, que se justifica da parte do Governo o estabelecimento de limites para a actualização das taxas de juro por parte do sistema bancário, as quais não devem ultrapassar a inflação média anual.

Este problema do peso excessivo da prestação da casa no orçamento das famílias agravado com a contínua subida das taxas de juro, conjugado com o desemprego crescente, com o emprego precário e com a redução do poder de compra, tem conduzido a um aumento dos casos de sobreendividamento.

A dimensão nacional que cada vez mais esta situação vem assumindo, tem levado a que os Bancos procurem resolver estes problemas da forma que melhor lhes serve: negociando taxas de juro e prazos de pagamento, que vão já hoje até aos 50 anos, com a contrapartida de as famílias adquirirem mais produtos bancários (seguros, cartões de crédito, conta-ordenado, etc..) e desta forma ficarem cada vez mais presas ao referido banco até ao fim da sua vida. Tudo, mas tudo fazem para nunca porem em causa os seus lucros, o que é bem visível nos últimos resultados da banca recentemente publicados referentes ao terceiro trimestre do corrente ano – os cinco principais bancos acumularam nos nove primeiros meses do ano 2,2 mil milhões de euros de lucros, mais 13% que em idêntico período do ano anterior.

Ora, o que as famílias portuguesas necessitam não é o prolongamento do prazo para o pagamento dos seus empréstimos à aquisição de habitação, para que foram empurradas pela escassez da oferta e pelo elevado preço do mercado de arrendamento e, pela inexistência de uma verdadeira política de habitação no nosso país.

O que as famílias portuguesas necessitam é de salários mais elevados e um peso adequado dos custos com a aquisição de habitação no orçamento familiar, do meu ponto de vista ele não deverá ultrapassar os 20% do orçamento mensal das famílias portuguesas.

Falar de política de habitação em Portugal nas últimas décadas, resume-se para infelicidade das famílias portuguesas, a pouco mais do que abertura ao sector bancário da concessão de crédito à aquisição de habitação, processo que se iniciou com o 1º regime de crédito à habitação no início de 1976.

Se no período a seguir à revolução de Abril, ainda se verificou alguma tentativa de resposta do Estado ao problema da habitação, através de alguns programas de habitação social e do apoio ao movimento cooperativo, rapidamente a construção da habitação por privados e a sua aquisição pelas famílias através do recurso ao crédito, bonificado em várias situações e até 2002, passou a constituir a principal vertente da política de habitação no nosso país.

De tal forma assim é que, o crédito à habitação que em 1979 representava apenas 6,8% do total do crédito interno concedido pelo sector bancário à nossa economia, representa já em 2006 36,6% do total, contribuindo para que os empréstimos às famílias desde 2005 ultrapassem os empréstimos às empresas.
De tal forma é assim que a habitação própria representava em 1981 55,9% da habitação ocupada como residência habitual e a habitação de arrendamento 44,1% e de acordo com os últimos essa relação passou para 82% e 18% respectivamente.

Uma outra nota que demonstra a completa irracionalidade e até mesmo a inexistência de política de habitação em Portugal, de acordo com o Inquérito às Condições de Vida e de Rendimento em Portugal de 2005, realizado pelo INE, o regime de ocupação da habitação para a população portuguesa abaixo do limiar de pobreza é o seguinte: 77% habitação própria e 23% arrendamento.

Em suma em Portugal até aos pobres está praticamente vedado o recurso ao arrendamento para sobreviverem, só 27% destes vivem em habitação arrendada.

As famílias são hoje o principal mercado do sector bancário e por isso cada vez mais a banca procura fidelizá-las e já não basta vender-lhes o crédito à habitação, procura vender-lhes o seguro multirrisco, o cartão de crédito, a conta ordenado, o empréstimo para o carro e, agora com a demissão do Estado das suas principais funções sociais também o empréstimo para pagamento dos estudos dos filhos e os seguros de saúde.

Tudo isto levou a que as famílias portuguesas que em 1979 tinham uma taxa de endividamento de 9,5% do Rendimento Disponível, ao longo destes quase trinta anos para resolver um problema de cuja resolução o Estado se demitiu, o direito à habitação, se endividassem para os níveis de hoje que atingem já os 124% e tudo leva a crer não ficarão por aqui, com a privatização crescente da educação e da saúde.

A situação que actualmente se vive no seio das famílias é em muitos casos de quase ruptura, pelo que se impõe a intervenção do Estado junto do BCE e junto da Banca, a qual tem sido a principal beneficiária das crescentes dificuldades de que vivem as famílias, resultantes desta subida em flecha das taxas de juro.

Só nos últimos 2 anos a Banca teve de lucros cerca de 5 mil milhões de euros , 538 milhões dos quais resultantes da diferença entre a taxa de IRC que incide sobre o sector bancário e os outros sectores, muitos destes lucros resultam naturalmente de empréstimos concedidos à habitação.

As perguntas que aqui deixo no final desta minha intervenção são de “Até quando será possível manter esta situação?“, “Até quando será possível às famílias aguentarem este enorme fardo que sobre elas pesa? “.

Sinto que podemos estar próximo duma ruptura nesta situação e urge a tomadas de medidas.

A galinha dos ovos de oiro que são as famílias, pode estar à beira de se perder!

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