Intervenção de António Abreu, Habitação em Portugal, hoje – A visão e as propostas do PCP

Habitação e Reabilitação Urbana

De que falamos?

Quando falamos de Reabilitação estamos a falar de conservação e reabilitação do edificado, por oposição à construção nova, que pode ocorrer em diferentes graus de intervenção – geral, de coberturas, de caixilharia, de reorganização do espaço interior, etc. Ou que pode respeitar a zonas de características arquitectónicas e históricas particulares como um bairro histórico, um centro antigo de uma cidade, uma zona como a Baixa Pombalina, pátios e vilas, palácios e monumentos ou as chamadas áreas de habitação social, particularmente os bairros municipais.

Mas também de diferentes graus de abrangência – arranjos exteriores, novos equipamentos públicos por adaptação de funções, mobiliário urbano, vida associativa e cultural, relação com as escolas, etc. – que configuram outras dimensões da qualidade de vida para além da habitação que é a que mais directamente interessa aos moradores.

Dizer-se que ela é mais cara do que a construção nova ou vice-versa é um exercício um pouco inconsequente porque a profundidade da reabilitação pode ser maior ou menor como pode integrar outras componentes além da habitação.

Na maior parte destas situações a propriedade é privada e cabe ao município ser um interface que beneficie de apoios do Estado bastantes com os proprietários no sentido de encontrar as melhores formas de o fazer e com apoios que o Estado tem disponibilizado de forma escassa e que devem ser ampliados para se poder falar de uma política de reabilitação e para que esses processos encaixem em planos municipais.

Noutros casos de propriedade municipal, o município tem responsabilidades acrescidas por ser o dono de obra quer melhorando os bairros municipais e outra sua propriedade dispersa, quer requalificando usos de equipamentos que perderam os anteriores usos e são elementos de identidade e referência a manter.

O que se tem feito, assumindo entre si muitas diferenças, exige, por um lado técnicas e materiais e regras diferentes das habitações novas e, por outro, um enquadramento municipal multidisciplinar (engenheiros e fiscais, arquitectos, historiadores, juristas, assistentes sociais, etc.) que trabalhem de forma integrada e assegurando as diferentes competências: (…). Têm-se chamado gabinetes técnicos ou (…).

Cuja acção tem que ter como parceiros Juntas de Freguesia e outras associações populares bem como uma relação institucionalizada com os moradores e comerciantes, que validem as opções. A gestão participada é fundamental.

Esta intervenção carece de sistemas municipais de informação, parcialmente disponibilizados para o Estado, de maneira a ser possível fazer uma monitorização de metas a atingir no número e tipificação das intervenções, custos de construção e de materiais, valores de empreitadas, características das empresas contratadas, resultados de avaliações internas, estudos, número de processos apoiados e respectivos valores e financiamento privado, municipal e do Estado na cobertura de custos, consultas de mercado de mercado, etc.

A ausência de bases de dados com desenvolvimentos independentes dos ciclos eleitorais são um suporte fundamental para políticas municipais e nacionais, para a transparência de processos, para a avaliação do cumprimento de metas, para uma consequência que não seja afectada por rompantes de imaginações delirantes, que comprometem a prestação de contas, a participação na gestão e a transparência da política orçamental e facilitam a arbitrariedade de decisões.

Os municípios que não tinham competências na habitação – mas pelo menos em Lisboa já tinham uma empresa municipal promotora com uma produção significativa e alguma regulação do mercado – passaram a intervir para além dos fogos municipais e, para isso foram criados, nomeadamente a partir da experiência de Lisboa, vários programas de comparticipação em obra.

Programas de Apoio e o Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU)

Os programas de apoio existentes ao longo das últimas dezenas de anos carecem de uma base de dados para serem melhor avaliados.

A apreciação das verbas inscritas em orçamento ou nos relatórios de gestão das autarquias e alguns debates realizados, para além do que é a experiência das estruturas municipais, dão conta de um recurso a eles escasso, de valores a descer mesmo quando o número de processos está estacionário. Na última década houve uma regressão em números de processos e valores das comparticipações.

O IVA passou a abranger recentemente as obras de todos eles.

Com diferentes fins, acessibilidades por diferentes actores, diferentes elegibilidades de diferentes tipos de imóveis e respectivos destinos, diferentes regimes de comparticipação dos financiamentos do Estado e municipal, diferentes bonificações bancárias, existem hoje o RECRIA, o REHABITA, o RECRIPH e o SOLARH.

O RECRIA para apoio aos proprietários e inquilinos em recuperação de fogos, partes comuns e imóveis arrendados, com pelo menos um fogo cuja renda tenha sido objecto de correcção extraordinária nos termos da Lei 46/85, de 20 de Setembro, em conservações ordinárias e extraordinárias, com comparticipações a fundo perdido do município e do Governo, e a possibilidade de concessão de financiamento para a parte não financiada, nos mesmos termos que o crédito bonificado para aquisição de habitação própria do então INH. E também em beneficiações necessárias à concessão de licença de utilização.

A administração central entra com 60% da comparticipação total que for concedida, as autarquias com 40% ou respectivamente com 80 e 20% para obras de recuperação parcial e coberturas. O valor da comparticipação pode aumentar em 10% desde que as obras visem adequação dos prédios às medidas cautelares de segurança contra riscos de incêndios nos centros urbanos antigos.

O programa pode ainda apoiar a iniciativa do município e senhorios quando estes se substituam ao proprietário, procedendo depois este ao desconto nas rendas e por outras formas.

O REHABITA é uma extensão do RECRIA que visa apoiar as autarquias na recuperação das zonas urbanas antigas, com áreas críticas de recuperação e conversão urbanística com planos de pormenor ou regulamentos urbanísticos aprovados, e que resultou da iniciativa da CML junto da administração central
A comparticipação, a fundo perdida, pelo Governo e Autarquias sobe aqui mais 10% e sobe ainda mais 10% quando são destinadas a realojamentos provisórios, à elaboração de projectos e à fiscalização.

Quando há construção ou aquisição de fogos para realojamento provisório ou definitivo de agregados familiares, o município terá que os atribuir em regime de renda apoiada, sujeitando-os ao regime de intransmissibilidade em vigor para o PER.

O município para esta construção e aquisição – nas áreas declaradas críticas de recuperação e conversão as autarquias têm também o direito de preferência na aquisição – o de obter 40% a fundo perdido, financiamento da outra parte em regime bonificado até 40%.

No que respeita ao RECRIPH o objectivo é apoiar a recuperação de imóveis antigos em propriedade horizontal pelas administrações de condomínios e condóminos de edifícios com determinadas condições de construção e de fracções, em obras de conservação ordinárias e extraordinárias nas partes comuns dos prédios, cujo valor máximo não poderá ser superior a 20&% do montante total das obras, sendo 60% suportado pelo INRH e 40% pelo município, com regime bonificado nos empréstimos para a parte não comparticipada da obra.

O SOLARH destina-se a financiar sob a forma de empréstimo sem juros pelo INRH as conservações ordinárias e extraordinárias e de beneficiação em determinados casos de habitação própria e permanente, em casas devolutas do município e instituições sem fins lucrativos ou de indivíduos particulares, visando recolocá-los no mercado de arrendamento.

Isoladamente, a CGD iniciou ainda recentemente um programa spreads iniciais de 0% para investidores e particulares que queiram investir nas zonas de intervenção da SRU de Coimbra, não sendo ainda possível avaliar resultados.

A Lei das Rendas não dinamizou a Reabilitação Urbana

Governo condicionou a actualização das rendas à realização de obras, criando o coeficiente de conservação.

Em 2007 até final de Agosto (dados do IHRU) foram aprovadas 4 candidaturas no âmbito dos 4 apoios da administração central dirigidos a senhorios, propriedade horizontal nos casos de condomínios, a câmaras e a inquilinos que se substituem aos senhorios.

Em 2006 e 2005 estes processos tinham sido 279 e 387 respectivamente.

Logo o ritmo dos apoios não acelerou.

Mesmo falando apenas do RECRIA e REHABITA que apresentam processos mais ou menos constantes, os apoios individuais desceram em valor.

Esta relação entre actualização de rendas e disponibilidade para fazer reabilitação pode pôr de lado um dos grandes argumentos da nova lei de rendas de 2004.

O estafado argumento de que foi apenas o congelamento das rendas que, ao longo de décadas, descapitalizou os senhorios e os impediu de fazer as manutenções periódicas previstas na lei, não resiste uma vez mais ao confronto coma realidade.

Há mais de vinte anos antes dessa nova lei que era possível a opção por renda livre ou condicionada para todos os novos contratos.

Há vinte que as rendas congeladas tiveram actualização extraordinária e ficaram sujeitas a uma actualização nos termos de portaria anualmente publicável.

Há mais de dez anos que era total a liberalização das rendas no que respeita a valores e duração de contratos.

E conhecemos a falta de correspondência que tudo isso teve com as manutenções periódicas ou obras de reabilitação.

Mas o que em 2004 se quis, continuou a não ter uma relação obrigatória entre a maior liberalização do regime de arrendamento e a realização dessas intervenções.

E nem se recolheram então experiências de outros países onde se confirmou que não foi esse o caminho para resolver essa necessidade.

A experiência das SRU

Com o DL104/2004 de 7 de Maio, a criação de SRU passou a ser uma possibilidade por que os municípios poderiam optar nas áreas de zonas históricas e de reconversão urbanística. Outras possibilidades existem que não alienam do município as responsabilidades directas.

A própria atracção de fundos e parceiros para estes processos podem ser da competência de estruturas municipais. A não ser que se queira pôr de lado o objectivo da manutenção da população residente, com o rejuvenescimento estimulado, se queiram pôr de lado as equipas técnicas disciplinares com sensibilidade para os problemas sociais e correr atrás dos ímpetos dos tais potenciais investidores que procuram um tipo de investimento mais directo e que origine um retorno financeiro muito mais rápido e lucrativo.

Não está em causa o direito de o morador vender e do promotor comprar, de se trocar nas dietas a sardinha pela lagosta. Trata-se sim de saber se a atitude do município deve ser canalizar apoios e ligeirezas para os promotores de habitação para as classes altas e não reabilitar, de forma comedida e mais barata, os fogos de proprietários e inquilinos sem recursos.

Após 3 anos e meio da sua criação, importa verificar se as que se constituíram, entretanto tiveram um papel efectivo na agilização dos processos ou se foram apenas expedientes paras criar lugares de administradores, com bons salários, viaturas e outras mordomias, pondo de lado toda a retórica dos objectivos grandiloquentes e assentando os pés na obra feita.

Uma passagem pelos sites das SRUs danos conta disso.

Então a reabilitação das casas das pessoas?

O que nos dizem outras experiências?

Da nossa experiência e de outros que têm trabalhado nestas áreas e também de opiniões recolhidas nos fóruns regionais de preparação do Programa Nacional de Habitação que uma equipa dirigida por Isabel Guerra e Augusto Mateus tem de concluir em Março próximo refiro algumas reflexões

(…)

Perspectivas para uma outra política

- A Reabilitação Urbana tem que ser enquadrada nos seus aspectos essenciais pelo Estado e com participação das autarquias locais ao nível do funcionamento de equipas técnicas multidisciplinares, agrupados em unidades operativas ou gabinetes técnicos locais, que acompanhem os processos: contacto com os interessados (proprietários e inquilinos) ao longo de cada projecto, planeamento, licenciamento ou autorização de operações urbanísticas, expropriação de imóveis, realojamentos, fiscalização de obras, embargos, despejos, posse administrativa de edifícios para realizar obras coercivas, apoio aos inquilinos idosos ou iletrados no acompanhamento dos projectos.

- O recurso à intervenção de outras entidades na viabilização dos projectos, como construtoras ou fundos imobiliários é desejável, nomeadamente quando se tratam de quarteirões de certa dimensão, mas mediante acordos que não impliquem realojamentos a não serem temporários, podendo ser mobilizados como activos pelas câmaras edifícios municipais devolutos.

A venda ou cedência gratuita em direito de superfície de património municipal devoluto pode ser outra forma de mobilizar a iniciativa de jovens, preferencialmente oriundos desses bairros ou outra iniciativa particular.

- A venda de património habitacional municipal a inquilinos, mediante obras de beneficiação prévias, deve ser estimulada bem como a gestão nos bairros de reparações nas partes comuns dos edifícios, pequenos arranjos exteriores e constituição de comissões de moradores que mantenham contacto com estruturas municipais, da polícia e de outras instituições

(…)

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