Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral, Sessão Pública Evocativa do 40º aniversário da Revolução de Abril «Os valores de Abril no futuro de Portugal», Reedição da obra de Álvaro Cunhal «Contribuição para o estudo da Questão Agrária»

Reedição da obra de Álvaro Cunhal, «Contribuição para o Estudo da Questão Agrária»

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Lembrar a vida e obra de Álvaro Cunhal no preciso dia em que passa mais um aniversário do seu nascimento, o seu contributo para a Revolução de Abril neste ano muito especial de comemorações e celebrar, com a iniciativa editorial de reedição de mais uma das suas significativas obras - a “Contribuição para o Estudo da Questão Agrária” -, o 40º. Aniversário da Revolução do 25 de Abril.

Nestes últimos dois anos que abrangem as comemorações do centenário do seu nascimento e da Revolução de Abril, a sociedade portuguesa teve oportunidade de tomar contacto, conhecer e aprofundar, num vasto conjunto de iniciativas, estudos e contribuições de diversa índole, a multifacetada vida e a marcante intervenção política de Álvaro Cunhal, pelo papel que desempenhou como Secretário-Geral do PCP, na vida do nosso País, mas também no plano internacional.

Tratou-se de uma experiência riquíssima para o conhecimento da vida, da obra e da luta daquele que foi, reconhecidamente, uma das mais destacadas figuras e uma referência maior da nossa história contemporânea e da luta do nosso povo pela liberdade, pela democracia, por uma sociedade nova, mais justa e fraterna, mas que não esgotou, nem a necessidade de novos aprofundamentos e novos ângulos de abordagem, e muito menos, a necessidade e importância de manter vivos os ensinamentos e a experiência que emanam da sua longa e densa vida de combatente revolucionário, comunista de toda uma vida.

Hoje, neste dia de dupla celebração, trazemos aqui esse olhar de Álvaro Cunhal sobre o mundo agrícola e rural, num trabalho datado com preocupações científicas, impulsionado pelas opções de um homem que há muito havia tomado partido na luta dos trabalhadores e do povo contra todas as formas de exploração e opressão. Um olhar que sendo datado, exige ser completado e actualizado com a sua abundante análise e intervenção política posterior sobre a realidade dos campos, antes e depois do 25 de Abril, e inserido na sua produção teórica e acção política mais geral, onde a sua intervenção em cada um dos domínios da vida do País ganha ainda um maior sentido.

Apesar das difíceis condições em que foi elaborada, como aqui o já referiu Francisco Melo, a “Contribuição para o estudo da Questão Agrária” constitui um texto relevante, poderíamos dizer fundacional, de toda a elaboração da estratégia e política do PCP para a agricultura e os agricultores. É certo que é um texto com limitações.

Mas mesmo assim, e particularmente a partir da sua edição no Brasil, na década de sessenta, passou a ser um texto referencial para quem, mesmo académico, quisesse conhecer a sério a situação nos campos de Portugal.

E mesmo com essas limitações, aborda com tal profundidade questões estruturais da realidade agrícola e rural portuguesa e num tempo longo da sua história, que justifica a sua reedição, pela sua valia científica e política.

No ensaio, Álvaro Cunhal refuta a tese salazarista, de um país de poucos e pobres recursos. À “pobreza natural do país” de que falava Salazar, para justificar a fome e a miséria que atingiam o povo português e particularmente a população trabalhadora dos campos: assalariados e pequenos agricultores, contrapunha Álvaro Cunhal “O poder do homem” num quadro político de liberdade, democracia e justiça social!

E chama em defesa da sua tese o trabalho do povo português. Nele dizia:

“Com métodos rudimentares, apenas à custa de trabalho e da sua imaginação criadora, pôde o povo português transformar, em várias regiões, a fisionomia agrícola de Portugal” e dava exemplos fundamentados de cada uma das regiões do País que negavam tal tese.

Hoje, nos querem vender, de novo, a tese do país pobre, que vive acima das suas possibilidades, para procurarem impor, a cada dia que passa, a cada decisão governamental, novas medidas que visam o empobrecimento e o agravamento da exploração. Hoje, como então, afirmamos que “não há qualquer lei natural, quaisquer razões biológicas ou técnicas, qualquer fraqueza da espécie humana, que forcem a agricultura, [e o país, acrescentamos nós] ao atraso. Apenas factores sociais [e opções políticas] a isso a obrigam.”

Álvaro Cunhal, aplicando a tese marxista, fala-nos das limitações que a propriedade privada levanta ao desenvolvimento técnico e produtivo da agricultura, como consequência das rendas da terra, originadas pelo monopólio da sua propriedade e diferenciais de produtividade.

Uma análise do mundo agrícola e rural, onde o desenvolvimento das forças produtivas – as questões da inovação de tecnologia, a mecanização e a motorização dos campos, o uso da química (adubos, pesticidas, etc.), a formação dos activos, etc. – está sempre articulado, relacionado, com a situação das relações de produção. Isto é, com a situação das relações de dominação e exploração entre os proprietários da terra e os que a trabalhavam. Entre os proprietários da terra, os assalariados rurais, os agricultores, e também de todas estas camadas com o sector industrial que lhes fornecia factores de produção, a banca que fornecia crédito, e o grande comércio que lhes escoava os produtos.

Hoje também ouvimos pequenos e médios agricultores denunciar a autêntica ditadura da grande distribuição, que esmaga os preços à produção e que fica, segundo dados recentes do próprio Governo, com 75% da cadeia de valor, enquanto que para os que amanham a terra sobra apenas 10%.

E a constatação de que o progresso das forças produtivas, significando mais produtividade e produção, melhoria de rendimentos da terra, não se traduz sempre numa melhoria das condições de vida dos explorados – agricultores e trabalhadores rurais – mas sobretudo em mais lucros e rendas das classes dominantes!

Verdade que nos entra pelos olhos dentro quando vemos essa dualidade de um punhado de explorações agrícolas de tipo capitalista, pujantes, tecnologicamente bem preparadas, com apoios e privilégios, a par de milhares de pequenas explorações, desprezadas pelo poder político, que sobrevivem a custo ou são empurradas para a ruína, ou quando assistimos, de novo, à exploração de mão-de-obra à jorna, sem condições nem direitos.

Analisada a situação nos campos do Alentejo de intensíssima concentração fundiária, Álvaro Cunhal aponta a Reforma Agrária com a distribuição da terra expropriada ao latifúndio, para ser explorada por pequenos agricultores e trabalhadores rurais ou por cooperativas, como caminho para liquidar o latifúndio significando a liquidação de um dos suportes sociais e políticos da Ditadura – o outro, foram os grupos monopolistas – e a libertação da política agrícola nacional, de uma gestão inteiramente dominada e comandada pelos interesses da classe dos grandes proprietários alentejanos e ribatejanos.

Questão que se volta a pôr depois da destruição da Reforma Agrária, do regresso do desemprego aos campos do Sul e dos milhares de hectares subaproveitados.

Fala-nos ainda de como o desenvolvimento capitalista da agricultura elimina milhares de pequenas explorações. Um processo que considera inseparável das dinâmicas sócio-económicas sob o capitalismo.

O que, aliás, se continuou a verificar após 1976, com o processo de recuperação capitalista – entre 1989 e 2009 foram eliminadas 300 mil explorações, 50% das existentes no fim da década de 80; nos últimos 20 anos cerca de 40 mil explorações leiteiras ficaram reduzidas a menos de 10 mil; nos últimos 10 anos a Superfície Agrícola Útil reduziu-se em 450 mil hectares.

Álvaro Cunhal desvenda ainda o segredo da resistência e sobrevivência da exploração familiar que, apesar dos constrangimentos económicos e sociais, da exploração e saque feito por uma política ao serviço dos grandes proprietários do Sul e dos grupos monopolistas que sustentam o Estado fascista, estava no sobretrabalho gratuito da mulher, dos filhos e no subconsumo traduzido em muitas privações familiares, sinais da enorme miséria, decorrente dos seus magros rendimentos e produções.

Mas se a “Contribuição para o estudo da Questão Agrária” é, como atrás se afirmou, uma notável caracterização da situação no seu tempo, Álvaro Cunhal acompanhou as questões deste sector ao longo da sua vida e, a esse propósito será necessário assinalar aqui, pela sua actualidade, os seus alertas para os perigos para a agricultura e o País, decorrentes da adesão à então CEE, hoje União Europeia, prevenindo contra as ilusões prometidas de rios de leite e mel e dos 300 milhões de consumidores à nossa espera.

Hoje sabemos, amargamente, como se confirmaram as suas prevenções, no brutal endividamento externo de Portugal e das suas dramáticas consequências para a vida dos portugueses. Endividamento em grande parte resultado do enorme défice agro-alimentar que se foi cavando pela substituição por importações do que cá podíamos produzir, e de não exportarmos tanto quanto a nossa terra podia acrescentar.

Quanta actualidade do seu pensamento, quando, de novo, estamos confrontados com a Reforma da Política Agrícola Comum, que insiste nesse caminho de favorecimento do grande agro-negócio, e no desprezo da pequena e média agricultura. Que insiste na desregulamentação dos mercados. Que insiste na manutenção dos desequilíbrios nos apoios entre estados e produções e entre os grandes e a agricultura familiar, e mantém uma boa parte dos apoios desligados da produção.

Para além da caracterização da situação na agricultura, neste Estudo, que o autor gostaria de aprofundar, suprindo aquilo que, no Prefácio à primeira Edição (brasileira) apelida de “lacunas graves, o que foi impedido pelas difíceis condições da clandestinidade, primeiro, e pela dinâmica revolucionária e as imensas responsabilidades assumidas nos tempos seguintes ao 25 de Abril, depois, Álvaro Cunhal define, já aqui, um programa de política agrícola que é uma importante contribuição para o Programa do PCP:

“Pela nossa parte defendemos, intransigentemente, os interesses dos assalariados rurais e do campesinato. Lutamos por melhores salários, pela limitação da jornada de trabalho, pela defesa dos direitos da mulher e da criança, contra as mais diversas formas de intensificação da exploração. Defendemos os interesses dos pequenos agricultores. Mostrando aos pequenos agricultores a inevitabilidade da sua ruína nas condições do capitalismo, defendemos, intransigentemente, os seus interesses contra a política fascista ao serviço dos grandes agrários e capitalistas. Inscrevemos a Reforma Agrária entre os objectivos fundamentais da revolução democrática e nacional.”

Orientações de um Programa que o PCP vai procurar concretizar, logo após o 25 de Abril de 1974, junto dos agricultores portugueses, indo ao encontro e tomando o partido na concretização das suas mais sentidas aspirações e, lado a lado, com o proletariado rural na concretização da Reforma Agrária nos campos do Sul, essa realização ímpar onde pela primeira vez no nosso país, os trabalhadores decidiram tomar as terras do latifúndio e com elas nas suas próprias mãos o seu destino, concretizando um inovador programa de transformações económicas e de justiça social.

Recordar Álvaro Cunhal neste momento de comemoração é evocar o homem de firmes convicções humanistas, o dirigente político experimentado, o ideólogo, o estratego, o homem de Estado, o intelectual, ensaísta, criador literário, artista plástico e teorizador de arte e uma vida íntegra e coerente vivida e norteada pelo ideal da construção de uma sociedade liberta da exploração do homem pelo homem.

É lembrar o dirigente político que, na assumpção das mais altas responsabilidades partidárias, não só foi chamado a pronunciar-se e a dar o seu contributo em questões da maior relevância para a nossa vida colectiva, mas igualmente para a construção e afirmação de um Partido que se revelou, nestes quase 100 anos da sua existência, como um instrumento necessário e indispensável para a defesa dos interesses dos trabalhadores, do nosso povo e do País e imprescindível para a defesa desses interesses no futuro.

Foi um contributo pessoal inestimável para a concepção e consolidação do PCP, como um partido revolucionário, nomeadamente para a definição da sua identidade e características essenciais de Partido Comunista que é e quer continuar a ser.

Mas igualmente e com o mesmo relevo, como ideólogo e estratego, na definição das grandes orientações políticas e na definição do seu projecto político, onde está patente o seu domínio das teorias e método de análise do marxismo-leninismo que assimilou de forma criativa para responder aos problemas da sociedade portuguesa e da luta emancipadora dos trabalhadores, do nosso povo e dos outros povos.

Neste âmbito, recordar Álvaro Cunhal, é evocar o seu papel de primordial importância no estudo e teorização do processo revolucionário em Portugal que nos haveria de conduzir à Revolução de Abril.

É amplamente reconhecido o seu inestimável contributo em “Rumo à Vitória” que aqui mais uma vez evocamos, para a definição da estratégia e da táctica do Partido Comunista Português para a etapa da revolução antifascista portuguesa - a “Revolução Democrática e Nacional”. Uma obra brilhante pelo acerto da análise, a justeza e realismo na perspectiva, tarefas e orientação que a vida plenamente comprovou e que teve uma influência marcante no desenvolvimento da luta da classe operária e das massas populares, no fortalecimento e unidade das forças democráticas, no desenvolvimento das condições e do caminho para a Revolução e, posteriormente como guia para a intervenção e transformação revolucionária na nova realidade criada com Abril que com júbilo comemoramos.

Essa Revolução libertadora que está no coração dos portugueses e que Álvaro Cunhal identificava e nomeava como sendo “um dos momentos mais altos da vida e da história do povo português e de Portugal” pelo que significou de transformação progressista e conquistas a favor dos trabalhadores, do nosso povo e dos povos colonizados.

Profundas transformações que não só garantiram a liberdade e a democracia, como conduziram à liquidação do capitalismo monopolista de Estado, com a nacionalização dos sectores chave da economia, à liquidação do latifúndio, ao reconhecimento de um vastíssimo conjunto de direitos laborais e sociais, no plano dos salários, no direito ao trabalho com direitos, no acesso e garantia dos direitos à saúde, à educação, à segurança social, à cultura, ao direito a decidir sobre a vida local com a institucionalização do Poder Local democrático.

Uma nova realidade construída pela acção, intervenção e luta dos trabalhadores e das massas populares, num processo contraditório e acidentado e no qual desponta como um protagonista destacado, para além do dirigente partidário da maior e mais importante força política portuguesa que se tinha afirmado na luta como a grande força nacional antifascista, o estadista, o homem de Estado que foi Álvaro Cunhal e que se manifesta na destacada acção que desenvolveu no quadro das instituições da República - no Governo, na Assembleia, no Conselho de Estado - em defesa dos interesses nacionais, do nosso povo, e da Revolução e das suas conquistas.

Essa dimensão de homem de Estado ficou bem patente com a sua participação logo no primeiro governo provisório saído da Revolução de Abril, num quadro de grande complexidade e num momento decisivo da vida do nosso país.

O contributo que deu na superação de problemas vitais para a própria sobrevivência da Revolução, mostraram a sua estatura de dirigente político experimentado e de estadista, nomeadamente a sua acção na solução dos problemas do poder e na superação dos conflitos que resultaram da multiplicação dos centros de decisão que se formaram, na identificação, credibilização e fortalecimento da aliança Povo-MFA como o motor da Revolução, uma aliança que se revelou decisiva, para garantir a defesa e a democratização da vida nacional, mas igualmente no papel que desempenhou na resposta à conspiração contra-revolucionária e à sabotagem que a democracia nascente teve que enfrentar, na solução do problema colonial e na política de abertura ao mundo do novo Portugal democrático.

Uma intervenção onde pesou também o seu prestígio e autoridade internacional que Álvaro Cunhal colocou ao serviço do País para pôr fim à guerra colonial e assegurar o êxito do processo de descolonização, mas similarmente no alargamento e diversificação das relações externas do país.
Uma acção intensa e ampla que desenvolveu ao mesmo tempo que participava nas grandes acções de massas visando a sua mobilização e apoio às grandes tarefas da Revolução.

Intervenção que não estava desligada da defesa de uma política que respondia às aspirações mais sentidas dos trabalhadores e do povo com quem mantinha uma estreita ligação e uma relação de autenticidade que se traduzia num enorme estímulo à capacidade de acção do próprio povo e ao êxito da sua luta para alcançar um futuro melhor.

Luta que desde sempre considerou como elemento fundamental e determinante do processo de mudança e motor das grandes transformações.

Uma intervenção que se revela não apenas nos períodos da resistência ao fascismo e dos grandes avanços revolucionários, mas igualmente quando o País foi confrontado com a ofensiva de recuperação capitalista e restauração monopolista e latifundista, imposta pelos partidos que governam o País rotativamente nas últimas quase quatro décadas e que seguindo o rumo da subversão e destruição das conquistas de Abril, o conduziram a uma degradação da situação económica e social do País e a uma profunda crise.

Crise que, Álvaro Cunhal, previa e com uma precursora visão anunciava à medida que a ofensiva se aprofundava e paulatinamente se entregava nas mãos dos grandes grupos económicos nacionais e estrangeiros as alavancas necessárias e imprescindíveis ao desenvolvimento do País com a política de privatizações, com a liquidação da Reforma Agrária e com a fragilização e destruição de importantes direitos económicos e sociais dos trabalhadores e das populações.

Uma evolução desastrosa que não está desligada da opção tomada de adesão à CEE e dos incessantes aprofundamentos da integração capitalista da União Europeia.

Hoje, mais do que nunca, está patente na vida e na realidade nacional o resultado de anos e anos de políticas conduzidas por governos do PS, PSD e CDS dirigidas à restauração dos grandes grupos económicos e financeiros e ao reforço do seu poder e domínio: - regressão acentuada da capacidade produtiva do país, destruição dos seus sectores produtivos, desemprego brutal e crise social profunda, aumento inconsiderado da dívida privada e pública, empobrecimento generalizado, aumento das desigualdades e da exploração do trabalho, um País cada vez mais frágil e dependente.

São estes os trágicos resultados da construção do novo império monopolista e da oligarquia financeira, promovida por uma política que alimentou a promiscuidade entre negócios públicos e privados, as negociatas, a corrupção, a evasão fiscal, que fechou os olhos à grande fraude, ao saque descarado do património público, a exploração, que promoveu o empobrecimento dos portugueses e do País.

É este o resultado de uma prática continuada de décadas à revelia da Constituição da República.

Uma política que conseguiu essa escandalosa saga de colocar nas mãos de 1% da população possidente um quarto da riqueza do País.

São estes os resultados de anos e anos de uma política de desastre nacional contra Abril e de destruição das suas estruturas socio-económicas, que tem na desastrosa e ilegítima decisão de imposição de um Pacto de Agressão e ingerência externa uma versão mais agravada e que hoje prossegue pela mão do governo de serviço do PSD/CDS.

Basta olhar para a realidade dos grandes grupos económicos e financeiros que se apoderaram das principais empresas/alavancas do desenvolvimento do País. O seu único critério é a obtenção do valor accionista. Isso está patente nas opções dos seus investimentos, na sua política de internacionalização, nas suas ligações às grandes corporações transnacionais que determinam as suas orientações e objectivos que não são os do desenvolvimento do nosso país. Veja-se o caso da PT entregue à voragem da especulação e dos interesses do grande capital estrangeiro, e que revela quanto o programa de privatizações e da venda de tudo o que é importante para o País ao grande capital nacional e estrangeiro que o PSD/CDS e o PS têm promovido, conduz inevitavelmente à nossa dependência e empobrecimento.

Pode-se ver na degradação do sistema financeiro, na multiplicação dos escândalos e das sucessivas fraudes, do BPN, do BCP, do BPP e agora com mais evidência na implosão do império da família Espírito Santo, do seu Grupo e do seu Banco.

Desse Império que se construiu e se desenvolveu, tal como outros, debaixo da asa protectora dos sucessivos governos do PS, PSD e CDS!

Podem vê-lo na degradação da situação nacional nos mais diversos domínios que se aprofunda dia a dia pela acção de uma política que nega Abril. Na economia que se arrasta numa estagnação sem fim, nas escolas, nos tribunais, no sistema de protecção social que tornam crescentemente marginal, nos serviços públicos de saúde cada vez mais debilitados pela política dos cortes e dos encerramentos, no mundo do trabalho onde impera de forma crescente a lei da selva.

É com esta realidade que é preciso romper! Uma ruptura que marque a diferença entre a alternativa e a alternância!

O País não pode continuar sujeito à acção corrosiva e destruidora de uma política que bloqueia e hipoteca o seu desenvolvimento.

O País não pode adiar por mais tempo uma mudança de rumo, uma verdadeira mudança e afirmar e concretizar uma verdadeira alternativa, pondo fim às soluções de mera alternância como as que têm sido protagonizadas por PS, PSD e CDS.

Uma mudança que tem na política patriótica e de esquerda a garantia da sua concretização com a resposta à solução dos grandes problemas nacionais e à melhoria das condições de vida do povo.

Resposta desde logo aos três grandes constrangimentos que estão presentes na sociedade portuguesa – os níveis brutais da dívida pública e da dívida externa, a integração monetária no euro e o seu colete-de-forças que limita a nossa soberania e o nosso desenvolvimento, e a dominação financeira da banca privada e que tem na proposta apresentada pelo PCP já tornada pública uma solução.

Uma proposta integrada para resgatar o País da dependência e do declínio tendente a fixar os calendários, condições e opções da política nacional com vista: a renegociar a dívida, compatibilizando-a com o direito ao desenvolvimento; à criação de estruturas nos órgãos de soberania que estudem e preparem o País para a saída do Euro conduzida para a salvaguarda dos interesses e condições de vida dos trabalhadores e do povo; a adoptar as decisões que conduzam a um efectivo controlo público do sector financeiro colocando-o ao serviço do interesse do País e dos portugueses e não da especulação.

Uma Proposta que não prescinde, antes exige ser enquadrada e desenvolvida no quadro dos grandes eixos de uma política patriótica e de esquerda e que assume nas suas opções fundamentais:

- a defesa e o aumento da produção nacional e a recuperação para o controlo público de empresas e sectores estratégicos para os colocar ao serviço do País;

- a valorização efectiva dos salários e pensões e o explícito compromisso de reposição dos salários, rendimentos e direitos roubados, incluindo nas prestações sociais;

- a adopção de uma política fiscal que desagrave a carga sobre os rendimentos dos trabalhadores e dos pequenos e médios empresários e tribute fortemente os rendimentos do grande capital, os lucros e dividendos, a especulação financeira;

- a defesa e recuperação dos serviços públicos, em particular no que concerne às funções sociais do Estado;

- a assunção de uma política soberana e a afirmação do primado dos interesses nacionais.

Aqui, mais uma vez, reafirmamos que Portugal não está condenado à inevitabilidade de prosseguir as mesmas políticas e o mesmo caminho que conduziram o País ao atraso.

Portugal tem alternativas, seguindo os caminhos de Abril e a concretização do projeto de progresso e justiça social que a Constituição da República Portuguesa consagra!

Álvaro Cunhal deixa-nos um imenso legado.

Deixa-nos um acervo de estudos, onde se inclui a obra que agora se reedita e aqui esteve presente, de ensaio político e uma copiosa análise sobre a realidade nacional e internacional presente nos seus discursos políticos e numa profusão de artigos e brochuras de revistas nacionais e internacionais que não tem apenas valor histórico, são instrumentos de trabalho, de onde se extraem ensinamentos válidos para a acção no presente e também para o futuro dos que buscam respostas alternativas ao caminho desastre nacional que as classes dominantes e a sua política de direita e de submissão nacional conduziram o País.

Mas deixa-nos mais do que isso.

Deixa-nos o exemplo do político que dignificou a actividade política, como uma actividade nobre, porque exclusivamente ao serviço da resolução dos problemas do país e do povo.

Deixa-nos o seu exemplo de homem e revolucionário, patriota e internacionalista de corpo inteiro, uma fonte de inspiração e conhecimento na procura de respostas que a vida sempre exige aos que não abdicam de continuar a abrir os caminhos da transformação social e do progresso dos povos.

Do valioso e imenso legado que Álvaro Cunhal, está a luta pela conquista da liberdade, da democracia, por um projecto de desenvolvimento ao serviço do país e do povo e pela independência nacional.

Está a luta por uma sociedade nova liberta da exploração do homem pelo homem, está uma inabalável confiança nos trabalhadores, no povo e na sua luta e num futuro melhor para a humanidade.

Está o exemplo do combatente que dá força à nossa luta de hoje. À luta pela retoma dos caminhos de Abril e das suas conquistas que celebramos como uma das mais belas realizações do nosso povo. Uma luta norteada pelos seus valores de liberdade, democracia, emancipação social, desenvolvimento e independência nacional e pelo porvir de uma nova sociedade mais justa, mais solidária e mais fraterna, pela realização do socialismo.

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