Intervenção de João Ramos na Assembleia de República

«O problema dos incêndios florestais em Portugal é de acção»

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,
Srs. membros do governo,

Quero começar por reafirmar a solidariedade do PCP com as vítimas e as suas famílias.

A dimensão da tragédia dos incêndios florestais deste ano exige dos serviços públicos e do Governo uma atenção, um acompanhamento e uma disponibilização de recursos e meios que não podem ser descurados e terão, da parte de PCP, todo o acompanhamento e escrutínio.

Estes foram incêndios em que se conjugaram situações de temperaturas, de seca, de ventos, que potenciaram a catástrofe a níveis nunca antes vistos. Mas estas condições e os seus efeitos têm de ser analisados no adequado enquadramento da floresta portuguesa, o seu estado e a sua evolução; Do mundo rural, da agricultura familiar e do abandono forçado do interior; Das estruturas do Estado responsáveis pela sua defesa e pelo combate.

A realidade e os relatórios, nomeadamente o relatório da comissão independente constituído na Assembleia da República e hoje discutido, reafirmam que o grave problema está na falta de ordenamento da floresta, no não cumprimento de medidas de prevenção e segurança, na não compartimentação da floresta - a chamada rede primária e secundária de faixas de gestão da combustíveis -, na criação dos mosaicos florestais, impedindo a floresta em contínuo, na existência excessiva de espécies mais propícias para a progressão dos incêndios e na presença residual de espécies resistentes ao fogo. No despovoamento do interior do país, que reduziu o espaço agrícola, aumentando e intensificando a floresta.

E também por isso daqui queremos afirmar que não aceitamos que se alimente a ideia de que a culpa é dos pequenos proprietários. Todos aqueles que durante décadas tudo fizeram, nesta casa, no Governo ou na União Europeia para atacar a pequena agricultura, para expulsar centenas de milhar do mundo rural e do interior, para eliminar centenas de milhar de explorações, vêm agora culpar aqueles que maltrataram durante todos estes anos, agora com novos ajudantes de campo.

Fiquem a saber que não há campanhas ideológicas e mediáticas que nos desviem da defesa do mundo rural, da agricultura familiar e dos pequenos e médios proprietários. Aqueles que querem promover a concentração fundiária, ponham os olhos no que deu a monocultura que ela almeja.

Assim como não aceitaremos que se desenvolvam novos ataques à propriedade comunitária dos baldios, também desprezada ao longo de anos. Os baldios não são propriedade pública e o que quer que se aproxime disso será rejeitado pelo PCP.

Não foi a ausência de enquadramento legislativo que faltou à floresta. A Lei de Defesa da Floresta Contra Incêndios define as faixas de gestão de combustíveis e as faixas de protecção de aglomerados e infraestruturas. Há legislação específica sobre cadastro predial pelo menos desde 1995. Se hoje não existem guardas florestais, se dos 1200 trabalhadores do ICNF quase 75% têm mais de 50 anos, isso deve-se a concepções ideológicas de Estado mínimo, que propalaram a teoria de que o Estado era a causa dos problemas do país. Perante a tragédia os portugueses sentiram na pele o resultado do encerramento de serviços de saúde, de postos da GNR, da extinção de freguesias. Foram estas as opções que acabaram com os guardas florestais, que deixaram as matas nacionais sem recursos humanos para fazer a gestão, que levaram à falta de uma política de protecção e segurança em que as populações saibam como agir e onde procurar abrigo em situações de desastre.

Os serviços florestais já foram a vanguarda da política florestal no nosso país. O ataque aos serviços públicos e o seu desmantelamento retiraram-lhe esse papel e por isso dignificar os serviços e os trabalhadores do ICNF é, não só justo, como imprescindível.

Todos aqueles que defendem a política do estado mínimo, todos aqueles que pela sua acção política fecharam serviços, extinguiram instituições reduziram trabalhadores dos serviços públicos e que agora dizem que o Estado falhou, são também responsáveis pelo desastre. A tragédia demonstrou que as suas opções não servem ao país e falharam redondamente.

E é exactamente por isso que não aceitamos que se coloquem as culpas no Estado, como temos visto deputados de todas as outras bancadas, sem excepção, fazer. O Estado não falhou. O que falhou foram as políticas desenvolvidas por PS, PSD e CDS. O Estado tem as costas largas, mas os culpados estão todos identificados nas galerias dos sucessivos governantes.

O caminho está apontado há muito. A avaliação do Relatório da Comissão Técnica Independente, pela sua complexidade, pelas contradições que comporta na avaliação, pela dimensão e pela abrangência, exige uma ponderação que não se coaduna com a pressa que está colocada para se decidirem algumas medidas.

Pela nossa parte, registamos os seus conteúdos como uma contribuição, mas não esquecemos os dois outros relatórios tornados públicos, do Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais e do Centro de Estudos e Intervenção em Protecção Civil, nem o desligamos dos relatórios das vagas de incêndios de anos passados, designadamente de 2003, 2005, 2006 e 2013 e dos relatórios dos outros grandes incêndios que ocorreram este verão e a 15 de outubro. Os problemas estão há muito identificados. Hoje é mais visível a sua existência porque se tornou insuportável enfrentá-los.

O problema dos incêndios florestais em Portugal é de acção. Durante muitos anos nem houve a desculpa da falta de consensos entre os diferentes partidos, só quebrados pelo anterior governo PSD/CDS com o Regime Jurídico da Arborização e Rearborização e com a Lei dos Baldios.

E a inação deveu-se à vontade de não afetar os recursos financeiros necessários. O que faltou foram os recursos financeiros e isto também não está desligado da opção política daqueles que colocam a obediência a Bruxelas acima de tudo. Não podemos gastar, porque o défice, a dívida, as metas, os tratados, não aconselham. Esta é a fórmula de impedimento de uma vida melhor, desde as florestas, aos rendimentos, passando pelos direitos. Só admitindo esta regra e os seus defensores uma exceção - o capital financeiro. Se for um banco a precisar então já se podem suspender todas as regras.
Por isso a floresta precisa de acção. De decisão. De suporte financeiro. Terão de existir os suportes financeiros adequados consagrados já no próximo orçamento do Estado e em outros instrumentos.

O PCP nunca faltou à discussão, ao alerta, às propostas. Em 1980, propunha a primeira, Lei de Defesa da Floresta Contra Incêndios e a criação das ZIF que só seriam criadas 25 anos mais tarde.

Em 1990 propunha a criação de planos integrados de defesa e desenvolvimento florestal. Em 1994, pela primeira vez se propunha uma Lei de Bases do Desenvolvimento Florestal que foi o primeiro passo para a Lei de Bases da Política Florestal.

Diferentes comissões e grupos de trabalho tiveram origem na iniciativa do PCP.

Foi o PCP o primeiro a apresentar um projecto de lei para apoio às vítimas dos incêndios florestais de Pedrogão Grande e concelhos limítrofes, que deu origem à lei já aprovada e alargada a outros concelhos afectados, também por proposta do PCP.

O PCP entregou já na Assembleia da República, iniciativas legislativas sobre programas de gestão de combustíveis e sobre o preço do material lenhoso. O PCP tem vindo a insistir que o preço a que é pago a madeira é elemento de toque para estimular a gestão florestal. Entregou também projecto sobre a reflorestação e valorização do Pinhal de Leiria.

O relatório da comissão independente torna evidente a necessidade de mais meios para a prevenção e para o combate. Quem não assegurou estes meios até aqui tem a sua responsabilidade já assegurada. Quem os negar a partir daqui não terá qualquer desculpa.

Disse.

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