Intervenção de Ana Mesquita na Assembleia de República, Debate Temático sobre Precariedade Laboral

"A praga da precariedade espolia os trabalhadores da Cultura"

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:
Muitas vezes, pretende-se fazer crer que a precariedade é uma condição inerente aos trabalhadores da cultura, pintando-se uma imagem destes profissionais enquanto boémios, vivendo romanticamente em águas-furtadas, pouco mais necessitando do que poesia e música para alimentar as barrigas. Evidentemente assim não é, e não pode considerar-se aceitável que o fenómeno da precariedade seja caracterizador de todo o trabalho na cultura, confundindo-se os verdadeiros trabalhadores independentes com os falsos recibos verdes.
A verdade é que a praga da precariedade espolia os trabalhadores da cultura do seu presente, do seu direito ao trabalho, do seu direito a constituir família, do seu direito à estabilidade e rouba-lhes um futuro digno. Quantos casos conhecemos de reformas miseráveis de quem trabalhou e dedicou a sua vida à cultura!
E não falamos só de atores e de atrizes, de casos mais mediáticos; falamos de técnicos, de artistas plásticos, de trabalhadores de arqueologia e de muitos, muitos outros.
Nas últimas semanas, têm vindo a ser denunciados múltiplos casos de falsos recibos verdes em diversas estruturas e salas de espetáculo, como são os casos do CCB, do Teatro Nacional de São João, do Teatro Nacional de São Carlos, do Teatro Camões e de Serralves. Casos, estes, em que, na oferta de trabalho, se definem, por exemplo, a função a desempenhar com uma descrição pormenorizada, o local de trabalho e a remuneração e até o fardamento. Apesar de tudo isso, os trabalhadores encontram-se em regime de prestação de serviços.
Esta realidade não é aceitável e tem de acabar.
Com constrangimentos na contratação, empurram-se os serviços públicos para esquemas de externalização, em que as empresas prestadoras de serviços se alicerçam na precariedade.
Quanto aos privados, os vínculos precários são nota dominante das artes performativas ao património. Casos flagrantes como o dos arqueólogos, por exemplo, que são trabalhadores qualificados, a quem é exigido elevado grau de autonomia, mas, ao mesmo tempo, tantas e tantas vezes sujeitos a horário e a local de trabalho fixos, prestando trabalho, anos a fio, para as mesmas empresas e, ainda assim, sujeitos a trabalho a recibo verde, são paradigmáticos.
Quantos e quantos não tiveram, graças a isso, de abandonar a profissão e emigrar, deixando o País mais pobre e mais vazio?
Sr.as e Srs. Deputados, chega! Está na hora de fazer stop à precariedade, stop aos vínculos precários, na cultura e em todos os setores.

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