Intervenção de João Ramos na Assembleia de República

PCP apresenta projecto para melhorar o controlo dos fitofármacos

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Sr. Presidente,
Srs. deputados,

As últimas semanas têm sido de algum alarme em torno do glifosato, em parte motivado pela aproximação de decisões em Bruxelas sobre a renovação da autorização para a sua utilização. O Parlamento Europeu já se pronunciou no sentido de renovação da licença, tendo o PCP votado contra essa decisão por entender que ela não deveria ser tomada sem o estudo mais aprofundado das suas implicações a partir da informação científica e técnica existente.

As posições de diferentes entidades são aparentemente contraditórias. Sendo os fitofármacos ou pesticidas, produtos químicos utilizados no apoio à actividade humana, podem ter efeitos muito variados nas diferentes formas de vida. Em muitos casos, esses efeitos têm uma relação estreita com as formas de utilização e as dosagens usadas. Noutros casos, os impactos ultrapassam estes aspectos. No caso do glifosato, a Organização Mundial de Saúde considera que é “provavelmente cancerígena para o ser humano”. A Agência Europeia para a Segurança Alimentar tem vindo a defender que o alegado potencial carcinogénico não está ligado ao glifosato, mas a um coformulante – a taloamina. Se numa pequena amostragem feita pela Plataforma Transgénicos Fora se concluiu que todas as amostras de urina humana utilizadas estavam contaminadas com glifosato, ontem mesmo era noticiado que especialistas da ONU afirmavam ser pouco provável que o glifosato cause cancro.

A necessidade de utilização dos fitofármacos, associada à preocupação permanente com a sua utilização, obriga a que o país tenha capacidade própria para controlar e monitorizar, quer a aplicação destes produtos, quer os seus efeitos. E, nesta matéria, o nosso país tem vindo a perder capacidade de intervenção, designadamente, porque algumas destas competências foram transferidas para a União Europeia. A Comissão Consultiva de Pesticidas e a Comissão de Avaliação Toxicológica de Produtos Fitofarmacêuticos foram criadas em 1994 e anuladas por diversos governos, com o argumento de que cabe à Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar o acompanhamento destas matérias. Se associarmos a isto o desinvestimento nos laboratórios de Estado, o nosso país está numa situação de completa fragilidade face ao acompanhamento destas problemáticas.

A melhor forma de proteger os interesses do país será assegurando capacidade e autonomia nesta matéria, quer através da investigação e do controlo, quer através da capacidade de produção própria. Esta é a melhor forma de proteger os interesses do país.

Este problema tem uma dimensão relativa à utilização dos fitofármacos no espaço público mas tem também uma outra relacionada com a utilização na actividade agrícola, com uma dimensão económica muito relevante, onde se reflectem de forma evidente as contradições entre os interesses dos povos e os das multinacionais.

O modelo capitalista de agricultura, como o desenvolvido pelo agro-negócio, tem como objectivo a remuneração rápida e elevada das suas aplicações, pelo que as capacidades produtivas são levadas ao extremo. As grandes multinacionais, como a Monsanto, a Syngenta ou a Bayer, que vendem os produtos e as sementes das plantas resistentes aos seus fitofármacos, procurando que o controlo total do processo produtivo esteja cada vez mais nas suas mãos designadamente pelo patenteamento de sementes utilizadas há milénios pelo ser humano.

A agricultura de pequena escala, a agricultura familiar, embora tendencialmente mais carente de formação e acompanhamento técnico (questão dificultada pelo desmantelamento dos serviços do Ministério da Agricultura), é também mais cautelosa na aplicação de factores de produção porque eles têm custos mais dificilmente suportáveis pelas explorações mais pequenas.

As alternativas, como a protecção e a produção integrada, têm de ser estimuladas e deixaram de o ser quando a lei sobre produtos fitofarmacêuticos não considerou a protecção integrada como elemento nuclear no desenvolvimento da fitossanidade.

Toda a actividade humana tem efeitos sobre o ambiente e os ecossistemas. O desenvolvimento científico e tecnológico permite, cada vez mais, a existência de alternativas que minorem ou anulem esses efeitos. É, pois, obrigação dessa actividade humana, mas também do Estado, manter adequados mecanismos e instrumentos de monotorização da aplicação de produtos químicos na natureza, fomentar práticas menos agressivas para o ambiente e estimular a investigação na procura de produtos e de procedimentos tendencialmente menos agressivos.

Nesse sentido, e tendo em conta a globalidade das preocupações que se colocam sobre a matéria, o PCP deu hoje mesmo entrada de um projecto de resolução propondo a constituição uma comissão multidisciplinar permanente, dotada de capacidade técnica e científica e envolvendo entidades públicas com responsabilidades nas áreas da saúde, ambiente, agricultura, trabalho e economia, que aprecie, no mais curto prazo possível e em conformidade com a informação científica e técnica disponível, a adequação das condições de utilização de produtos contendo glifosato, propondo as medidas adequadas; que estabeleça, após compilação e análise da informação científica e técnica necessária, a indicação quanto à possibilidade ou interdição da utilização de produtos contendo glifosato; e ainda, assuma funções de acompanhamento da toxicidade dos produtos fitofarmacêuticos utilizados em Portugal, à semelhança das competências detidas pelas inactivas Comissão Consultiva de Pesticidas e pela Comissão de Avaliação Toxicológica de Produtos Fitofarmacêuticos, criando no país capacidade autónoma nesta matéria.

Recomenda ainda o PCP o estabelecimento de um calendário para criação de uma lista de coformulantes a interditar em fitofármacos; que se promova e estimule a investigação sobre o controlo de plantas infestantes nos espaços públicos e nas culturas agrícolas; e que se reforce e promova as medidas de protecção e produção integrada na actividade agrícola.

A seriedade do problema e a natureza da relação do ser humano com os ecossistemas onde se insere, obrigam a grande racionalidade, sensatez e serenidade na abordagem a matérias com este nível de complexidade. A proposta, o compromisso e a abordagem que o PCP propõe vão no sentido de dar um contributo sério na apreciação desta problemática.

Disse.

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