Intervenção de Carlos Carvalhas, Secretário-Geral, Encontro sobre Educação e Ensino

A Paz não se rende!

[Excertos]

Todos sabemos, porque temos visto nas televisões, como os fautores e comandantes da guerra de agressão e ocupação estrangeira do Iraque têm procurado usar a seu favor certas imagens simbólicas, na esperança que o seu impacto visual e psicológico funcione como um apagador das verdades essenciais sobre esta guerra, da sua falta de legitimidade, do seu significado e consequências exemplarmente graves para o ordenamento e as regras do mundo contemporâneo.

Mas já que tanto apostaram nas imagens simbólicas, talvez seja caso para dizer que se há imagem simbólica que verdadeiramente representa o que, de facto, e como se esperava, se consumou em 9 de Abril então foi aquela imagem de uma estátua de Saddam Hussein tapada por uma bandeira americana, porque é essa imagem a que melhor dá a ideia da passagem do povo iraquiano de uma detestável ditadura num país soberano para um território ocupado por uma potência estrangeira, cujo território nacional fica a 15 mil quilómetros do Iraque mas que entende não haver nem limites nem fronteiras para a imposição dos seus desígnios imperialistas e para a sua vontade de senhores do mundo e de domínio das riquezas do planeta.

Os fautores e apoiantes desta guerra de destruição e ocupação podem querer usar os seus factos consumados, as suas manipulações e intoxicações, as invenções que já inventaram e as que ainda hão-de inventar mas a verdade é que, tal como o sentem os comunistas portugueses, haverá milhões e milhões de homens e mulheres no nosso planeta que justamente entendem não haver nenhumas razões para celebrar e festejar que, no terceiro ano do terceiro milénio da era cristã, tenha sido imposto pela força bruta das armas a criação de um protectorado norte-americano no Iraque, porque não tenhamos dúvidas, mais coisa menos coisa, mais artifício menos artifício, mais fachada menos fachada, é disso que se trata.

Sim, camaradas, nenhum desfecho militar, aliás previsível, desta guerra conseguirá que os comunistas portugueses e com eles muitos outros democratas de Portugal e milhões de cidadãos do mundo inteiro se rendam perante a injustiça, a mentira e os projectos imperiais dos EUA e da sua Administração.

Sim, camaradas, nenhum poder de fogo, nenhum arsenal militar, nenhuma devastação mortífera como a que foi desencadeada pelos EUA no Iraque nos faz mudar ou rasgar a nossa convicção profunda da injustiça de uma guerra que há muito estava decidida e preparada pela Administração Bush, em que as inspecções da ONU sempre foram vistas não para apurar se o Iraque tinha ou não armas de destruição maciça mas como fonte de recolha de informações militares úteis para a agressão já decidida, da falsidade das justificações dadas para a guerra desde as tais armas de destruição maciça que até hoje ainda ninguém encontrou (e, que se vierem a encontrar, faltará saber de onde realmente vieram), passando pelo combate a uma ditadura como se os EUA não tivessem uma longa e íntima convivência com dezenas de ditaduras, incluindo as do Médo-Oriente e até à promessa (já feita em 1991 aquando da primeira guerra do Golfo) de democratização de toda a região (abrangendo as monarquias feudais da zona) e de solução justa e duradoura para o conflito israelo-palestiniano. Os factos aí estão.

Sim camaradas, nenhumas operações de marketing e de deturpação via CNN esconderão as minas, o sangue, a tragédia do Iraque e os sofrimentos e angústias sem conta que hoje se vivem por exemplo, em Bagdad uma cidade com metade da população portuguesa: cinco milhões de humanos.

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Ao longo dos últimos seis meses, porventura por compreensíveis razões de simplificação, pode-se ter criado a ideia de que a Administração Bush tinha um conflito profundo, irremediável e insanável com as Nações Unidas, ponto final parágrafo.

Pela nossa parte, não cremos que isto seja rigoroso ou que seja bastante dizer apenas isto.

Porque, a nosso ver, tem actualidade e tem projecção para o futuro, lembrar que a Administração Bush não teria – nem terá – nenhum conflito ou problema com a ONU se a ONU aceitar ser uma espécie de notário internacional das decisões arrogantes e unilaterais dos EUA, se a ONU aceitar reverentemente a política de factos consumados pela agressividade e arbitrariedade dos EUA, se a ONU aceitar ser o esforçado executante das orientações e ordens norte-americanas, em suma, se a ONU viesse a aceitar ser um manto diáfano de legalidade e multilateralismo para disfarçar aos olhos dos incautos as ilegalidades e o unilateralismo da Administração Bush.

Nós compreendemos e acompanhamos as reclamações dos que, tendo combatido firme e corajosamente o desencadeamento da guerra contra o Iraque pelos EUA, para evitar males maiores, defendem agora que em todo o processo que no Iraque se vai seguir à vitória militar dos EUA, a ONU assuma responsabilidades determinantes, assim limitando, contendo ou condicionando as margens de arbítrio e as imposições da vontade da Administração Bush.

Mas, sobre isto, há duas coisas que queremos dizer com total clareza.

A primeira é que o exercício de eventuais responsabilidades determinantes da ONU no processo posterior à guerra não significam nem podem significar sob nenhuma forma uma legalização ou assentimento retroactivos da agressão norte-americana – em violação ostensiva da Carta da ONU – nem assumir o carácter de braço executivo dos projectos e decisões norte-americanos para o Iraque e para a região ou de servir de celofane político para os negócios chorudos da «reconstrução» que, é preciso continuar a lembrá-lo, só se torna necessária porque antes os EUA sopraram um devastador e cruel vendaval de destruição.

A segunda para afirmar que estamos convictos de que se enganam e muito os que pensarem que o desfecho militar desta guerra sepulta definitivamente, vira a página ou pode remeter para o limbo da história a extraordinária mobilização da opinião pública que por todo o mundo fez emergir uma fortíssima condenação desta agressão e tomou nas suas mãos a defesa da paz e de um mundo não submetido ao diktat imperial dos EUA.

Pela nossa parte, aqui reafirmamos o inquebrantável compromisso do PCP de continuar a luta contra a ocupação norte-americana e britânica do Iraque, pelo direito do povo iraquiano a determinar em condições de efectiva liberdade os seus destinos, pela premente ajuda humanitária às sofredoras populações do Iraque, contra a apropriação dos recursos petrolíferos daquele país pelos EUA e contra as novas agressões que a Administração Bush já tem em carteira contra outros países da região, e sempre em lugar destacado, a luta solidária pelos direitos nacionais do martirizado povo palestiniano.

A guerra no Iraque continua agora por outros meios: a pilhagem, o saque, a dominação, a humilhação do povo iraquiano e já se ouvem as arrogantes ameaças à Síria e ao Irão. Por isso, é necessário que o movimento de paz continue a desenvolver iniciativas e a desmascarar e a condenar o império e os seus vassalos.

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