Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República

"Não calam a censura. Ela está na rua e tal como o mundo, move-se!"

Sr.ª Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:

Um ano é um tempo curto em termos históricos, mesmo que inserido num processo que dura há mais de 35 anos de política de direita, mas é tempo suficiente para analisar e julgar este Governo, partindo não da retórica parlamentar mas da realidade para saber e precisar onde estamos, para onde vamos, como vai a vida do País e de milhões de portugueses depois de um ano de aplicação do pacto de agressão, denominado de Memorando, ou da mal chamada ajuda externa.

Pegando por onde pegarmos, seja no plano político, económico, social ou cultural, seja no plano da soberania nacional, não é excessivo dizer que este Governo onde tocou, estragou!

Fosse exercitando e aplicando medidas que decorrem desse pacto de agressão, fosse agindo por conta própria!

O que é novo não é a ofensiva contra os trabalhadores e as populações. O que é novo é a sua dimensão e profundidade em que, salvo uma minoria de poderosos, não há sectores, classes e camadas sociais que escapem à agressão dos seus direitos, das suas vidas.

E falamos dos trabalhadores, dos reformados e pensionistas, dos membros das forças de segurança, dos militares, dos micro e pequenos empresários, agricultores ou comerciantes. Falamos particularmente da juventude e das novas gerações. Pudessem eles estar aqui, nesta tribuna, e decerto se entenderia melhor as razões desta moção de censura.

A propaganda, a ideologia das inevitabilidades, visando instalar a resignação e o medo, cada vez mais se confronta com a realidade, com a indignação e a revolta, com a luta, com a elevação da consciência e da necessidade de dizer basta! Que realidade é essa?

Um ano dobrado, a recessão económica profunda que o País atravessa tem como consequência a mais elevada taxa de desemprego das últimas décadas — mais de 1 200 000 desempregados, dos quais menos de 300 000 têm subsídio de desemprego. Este imenso flagelo social, com agravada incidência nas novas gerações, é a principal marca da política de direita aplicada pelo Governo.

No ano que decorreu, as micro, pequenas e médias empresas foram severamente penalizadas pela política económica do Governo. Longe vão os discursos do PSD e do CDS, nesta Assembleia, em que afirmavam o seu empenho no apoio às pequenas empresas. A política deste Governo faz exatamente o contrário: retira-lhes mercado interno, aumenta-lhes a carga fiscal, cede aos interesses dos grandes grupos económicos.

A política do Governo visa baixar drasticamente os salários dos trabalhadores. Desde logo por cortes diretos no salário, como ainda esta semana se concretizou com o subsídio de férias de milhares de trabalhadores da Administração Pública, de pensionistas e reformados, mas também pela diminuição do acesso ao subsídio de desemprego, que visa obrigar a aceitação de salários cada vez mais baixos.

Tudo isto num País em que um terço dos trabalhadores ganha menos de 600 euros e em que mais de 600 000, número que duplicou em quatro anos, recebem apenas o salário mínimo nacional.

Não é com baixos salários que a nossa economia se vai tornar mais competitiva; não é com baixos salários que se salvam empresas a braços com elevadíssimos custos de produção, na energia, nos combustíveis, no crédito.

E enquanto o País se afunda, o Primeiro-Ministro anda pelo mundo, como vendedor ambulante, a vender o património de todos os portugueses, a anunciar que estão em saldo empresas fundamentais para a nossa soberania e para a nossa economia, que o Governo quer pôr, tal como já fez com a EDP ou a GALP, ao serviço do lucro dos grandes grupos económicos estrangeiros.

Perante a gravíssima situação económica do País, o desemprego, a baixa generalizada dos salários, perguntamos: é ou não necessário censurar esta política e este Governo?

Mas este Governo e a sua política tem também em curso um programa de destruição em massa dos direitos dos portugueses. Em primeiro lugar, dos trabalhadores.

As alterações ao Código do Trabalho, aprovadas com a conivência do PS e promulgadas pelo Presidente da República — em clara violação da Constituição —, pretendem impor um profundo retrocesso nas relações laborais. Facilitar e embaratecer os despedimentos, aumentar o horário de trabalho, eliminar feriados, reduzir o valor das horas extraordinárias, atacar a contratação coletiva, são alterações que deixam bem à vista os objetivos fundamentais desta política: aumentar a precariedade, desproteger os trabalhadores perante a arbitrariedade patronal, retirar direitos conquistados pela luta e consagrados na lei e nos contratos coletivos, obrigar a mais trabalho por menos salário.

Só por isto o Governo mereceria uma moção de censura!

Outros direitos estão na mira deste Governo, da sua política e do pacto de agressão, como o direito à saúde, que depende da existência de um Serviço Nacional de Saúde forte e qualificado. Mas o que está a acontecer é o contrário. Cada vez mais a saúde é paga em maior percentagem; cada vez o acesso é mais difícil; encerram-se serviços, hospitais e unidades de saúde em todo o País; atacam-se carreiras profissionais e fomenta-se o trabalho precário e menos qualificado, e o Governo já fala em garantir à população apenas uma parte dos cuidados de saúde.

Na escola pública prossegue a política de desinvestimento, de empobrecimento curricular, de despedimento e não contratação de professores, funcionários não docentes e outros técnicos. Uma política que visa acentuar a elitização do ensino, de forma a garantir mão-de-obra barata para a exploração e a reservar os graus mais elevados de ensino apenas para quem tem condições socioeconómicas privilegiadas.

Continua a limitar-se o acesso às prestações sociais, num momento em que se devia alargá-lo, tendo em conta a difícil situação económica e social que vivemos.

Continua o ataque às pensões e reformas e a manutenção da sua maioria abaixo do limiar de pobreza.

Continua o ataque aos serviços públicos, como no encerramento de tribunais e de diversas repartições públicas.

São razões mais do que suficientes para censurar este Governo e esta política!

A publicação dos dados da execução orçamental veio mais uma vez confirmar que, com tão profunda recessão económica, não há maneira de se atingirem os absurdos e delirantes objetivos de diminuição do défice orçamental assumidos pelo Governo. Não defendemos uma política de permanente agravamento do défice orçamental, mas não se pode sacrificar a economia ao défice. O que é preciso é conter o défice com o crescimento económico, com a criação de mais riqueza.

O Governo quer fazer ao contrário: reduzir o défice cortando na despesa e aumentando os impostos. Só que o corte na despesa, no investimento e nos salários, nas pensões e nas reformas fomenta a recessão e diminui a receita do Estado. E se o Governo insiste nesta política, precisa de dizer aos portugueses onde vai dar novo corte nos seus rendimentos e nos seus direitos.

O mesmo se diga em relação à dívida pública. É que ela está a crescer e vai continuar a crescer, tal como o serviço da dívida, esgotando recursos indispensáveis para o crescimento económico e para acudir à situação social. E é evidente que, continuando a deixar o País, no quadro da União Económica e Monetária, dependente dos mercados financeiros e da sua especulação, a situação em 2014 não será muito diferente da que tínhamos em 2010, no que diz respeito ao financiamento do Estado.

É hoje evidente para todos que, sem a renegociação da dívida — nos seus prazos, taxas e montantes —, o pacto de agressão, assinado com a troica por PS, PSD e CDS, vai levar não ao não pagamento mas à conclusão de que não podemos pagar e à tentativa de imposição de um novo programa contra o País e os portugueses. A dívida pública só poderá ser paga se houver crescimento económico.

Mas esta moção de censura exprime também um profundo sentimento de rejeição e indignação com a continuada política de favorecimento da banca e dos grandes grupos económicos. Os principais responsáveis pela crise, que aumentam os seus lucros à custa da economia nacional, que esmagam os setores produtivos, são os que continuam a embolsar milhares de milhões de euros à custa do País.

Censuramos o Governo e a sua política porque não podemos aceitar que os mesmos de sempre continuem a enriquecer e a concentrar a riqueza à custa dos trabalhadores e do povo português.

Esta moção de censura, que dá expressão à inequívoca censura popular que encontramos por todo o País, é uma moção contra a política de direita e o Governo que a aplica.

É uma moção de rejeição do pacto de agressão que afunda o País. É uma moção de exigência de uma nova política, patriótica e de esquerda.

Para alguns, esta moção de censura é inoportuna porque o País não precisa de instabilidade. Mas que estabilidade existe para os milhões de portugueses que estão desempregados, cujo salário é diminuído e roubado, que se vêm empurrados mais uma vez para a emigração, a insolvência, para a falência, a ficar sem casa, que não têm acesso à saúde ou à educação, que estão na pobreza?

Para outros, a moção de censura é inconsequente. Mas a verdade é que a base social e eleitoral que elegeu esta maioria há muito se esboroou e hoje o descontentamento e a consciência de que a política deste Governo continuará a agravar os problemas do País são sem dúvida maioritários. É por isso que se alarga e se multiplica a luta e a contestação ao Governo e a esta política.

Para outros ainda, esta moção de censura seria uma qualquer tática de antecipação ou de condicionamento deste ou daquele partido. Mas é o Governo PSD/CDS quem aplica a política de direita neste momento, independentemente das responsabilidades de todos os que subscreverem o pacto de agressão.

Quem pretende reduzir este debate e esta moção a uma qualquer tática política, não conhece e não percebe a situação dramática em que se encontram o País e a maioria dos portugueses.

O País está farto desta política do passado e está farto deste Governo!

Com esta moção de censura não nos limitamos, contudo, a censurar o Governo e a rejeitar o pacto de agressão; esta censura é, em simultâneo, uma exigência e uma afirmação da necessidade de uma outra política.

Sim, nós pensamos que há alternativa!
Uma política alternativa que exija a renegociação da dívida, uma aposta decisiva na produção nacional, a valorização do trabalho, dos direitos dos trabalhadores e dos seus salários.

Uma política que apoie as micro, pequenas e médias empresas e os produtores e os defenda da tirania dos grandes grupos económicos.

Uma política que olhe para os direitos e para os setores sociais, como a saúde ou a educação, como um investimento no progresso e no desenvolvimento e que apoie o acesso à cultura e a criação artística.

Uma política de defesa da soberania e dos interesses nacionais.

Uma política que é possível e, mais do que possível, é indispensável se quisermos resgatar o nosso País do declínio, da pobreza e da injustiça.

Pode, Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, a correlação de forças aqui, na Assembleia, não deixar passar a moção, mas não derrotam nem calam a censura que hoje perpassa pela sociedade portuguesa. Ela está lá fora e a realidade, tal como o mundo, move-se! Ou julgam que não, Srs. Deputados? Enganam-se! Um dia isto há de mudar para melhor!

(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,

Ao ouvi-lo, lembrei-me de um facto que ocorreu durante a campanha eleitoral, numa visita que fez a uma escola, em que uma criança lhe perguntou se ia cortar os subsídios de Natal e de férias. O Sr. Primeiro-Ministro, na altura, candidato a Primeiro-Ministro, dizia: «Não! Não penses nisso! Isso são coisas da oposição, do PS. Não vamos cortar os subsídios de Natal e de férias».

Ora, colocando, como colocou, a questão da legitimidade do voto popular, não disse que enganou muitos portugueses, porque, se lhes dissesse que ia cortar os subsídios de férias e de Natal, que ia cortar os abonos de família, que ia cortar nos serviços públicos, na saúde, na educação, e que, em relação à tal ajuda externa, iria, fundamentalmente, resolver o problema da banca, agudizando os problemas dos trabalhadores, do povo e do País, acha mesmo que teria o resultado que teve?!

É que, Sr. Primeiro-Ministro, não falou verdade ao povo, não cumpriu o compromisso com o povo, com a política que está a desenvolver.
Portanto, a legitimidade que lhe dá esse voto está posta em causa, porque enganou o povo português, os eleitores, na sua tomada de decisão.

Sr. Primeiro-Ministro, disse aqui que o seu objetivo é resolver as causas da crise, mas as causas da crise são, fundamentalmente, devidas à banca, à especulação financeira, à agiotagem, ao ganho de dinheiro fácil. E como é que o Sr. Primeiro-Ministro e este Governo resolvem a situação? Atendendo aos causadores da crise, aos que foram responsáveis pela crise, atribuindo o tal dinheiro dessa tal ajuda externa precisamente àqueles que cometeram o crime, que cometeram a especulação, que andaram na jogatana, que, durante anos e anos, ganharam «à tripa forra» e, agora, perante a situação, resolvem ter um prémio deste Governo.

Diga lá que não é assim ou, então, se quiser, diga quanto é que dessa ajuda externa foi dirigido à nossa economia, aos trabalhadores, aos reformados, aos pequenos e médios empresários. Diga aqui, para que se perceba o conteúdo desta política.

Sr. Primeiro-Ministro, quero dizer-lhe, com uma grande franqueza, que esta moção de censura procura trazer a esta Assembleia uma realidade que continua a reconhecer mas, simultaneamente, a desvalorizar.

Há, em Portugal, quem já admita trabalhar sem salário, só pela alimentação; voltou o trabalho semiescravo; regressou, novamente, o trabalho infantil; há quem não tome medicamentos de que necessita, mesmo com doenças graves; há centenas de milhares de famílias que estão a cortar na alimentação; há muitos portugueses que estão a entrar na pobreza. Não entenda isto como discurso de circunstância ou demagógico, porque é verdade!

Nesse sentido, o que lhe quero perguntar, Sr. Primeiro-Ministro, é quantos pobres precisam de criar, para continuarem a salvar a banca? Esta é uma questão que foi colocada há quase dois séculos, mas, infelizmente, hoje, no nosso País, a questão é novamente colocada: quantos pobres, para além daqueles que existem, é preciso criar para continuar a salvar os interesses dos poderosos, particularmente da banca?

Sr. Primeiro-Ministro, quando o País ficar exaurido das receitas que resultam de alavancas fundamentais, como as empresas públicas, e estamos a falar, enfim, da TAP, da REN, de empresas que são rentáveis e que o senhor andou a anunciar, de mala aberta, como precisando de ser privatizadas, quando o País ficar exaurido desse património e já não houver possibilidade de mais receitas, onde é que se dirige? A mais impostos? Ou faz como os seus antecessores, que foram para o estrangeiro fazer uma «cura de águas» e «quem vier atrás que feche a porta»?!

Exigimos esta responsabilização agora, para que, depois, no futuro, não venham com desculpas.

Sr. Primeiro-Ministro, foi anunciado que, afinal, esta coisa do défice das contas públicas não está a resultar muito bem. O Sr. Ministro das Finanças, porque não engana, não ilude e não quer, de facto, mistificar as coisas, lá foi resvalando com a ideia de que, afinal, este problema do défice das contas públicas não vai ser resolvido. Mas, se não vai ser resolvido, tem de encontrar uma solução. Como é que vai fazer, Sr. Primeiro-Ministro? Aumentar os impostos? Mais medidas de austeridade? Mais cortes nos subsídios? Mais cortes na saúde?

Este é o momento privilegiado para dizer a verdade aos portugueses, porque não basta aquele discurso etéreo, aquele discurso mais ou menos, de que, enfim, há riscos, há perigos, mas continuamos a pensar que é possível. Basta de enganos, Sr. Primeiro-Ministro! Diga aqui, aos portugueses, se está a encarar novas medidas de austeridade, em face do resvalamento do défice das contas públicas.

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