Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República

«A defesa dos direitos dos trabalhadores vai muito para lá da alteração da legislação laboral»

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Senhor Primeiro-ministro:

As consequências negativas da privatização dos sectores da nossa economia e do serviço público e consequente entrega aos grandes grupos económicos revelam-se de forma crescentemente preocupante na vida das populações e na prestação dos serviços públicos essenciais. Vemos isso na gravíssima situação dos CTT, com a degradação do serviço postal, o encerramento de postos de atendimento, em nome do lucro máximo accionista.

Vê-se no modo como se comporta a PT/Altice e forma como responde na reposição do serviço público a que está obrigada nos territórios devastados pelos fogos florestais.

Há quase quatro meses que muitas das nossas aldeias devastadas pelos incêndios esperam ligações de comunicação fixas (internet, telefone fixo, televisão). Quatro meses sem comunicações é uma situação inaceitável, para não dizer um escândalo!

Entretanto e não menos grave, nas localidades onde está a chegar a ligação, porque a empresa decidiu substituir a rede antiga de cobre, por fibra óptica nega-se a repor o respectivo serviço, dizendo que não é obrigada e exigindo dos utentes o pagamento das ligações às suas casas e actividades, e em caso de recusa dos utentes do serviço são convidados a procurarem outro operador. Isto acontece, por exemplo, no concelho de Arganil.

Senhor Primeiro-ministro:

A PT/Altice e dona da MEO tem que garantir a reposição do serviço público a que está obrigada! Esse é um direito que as pessoas têm! E este não é um problema que se empurra para o regulador resolver. É um problema que exige uma intervenção do próprio governo. Trata-se de um serviço público que infelizmente está privatizado, mas tem que ser garantido! Gostaríamos de saber se governo conhece a situação e se conhece o que se está a fazer para apressar as ligações e garantir a reposição a todos sem custos adicionais.

[2ª intervenção]

Senhor Primeiro Ministro:

Nestes dois últimos anos foi possível interromper alguns dos aspectos mais brutais da política de exploração e empobrecimento que há muito fazia o seu caminho e a política de recuperação de rendimentos, ainda que limitada, foi positiva para os trabalhadores e fez também crescer a economia e o emprego.

Não se pode desvalorizar esse impacto positivo mas não se pode fechar os olhos aos traços negativos que permanecem e se continuaram a desenvolver na realidade laboral e social portuguesa.

Não há estudo elaborado nestes últimos tempos, incluindo os produzidos oficialmente, cujos dados sobre a evolução do trabalho e o emprego no nosso País não revelem a estagnação média dos salários reais e o crescimento da precariedade laboral.

Há problemas que tiveram uma resposta aquém do que era necessário, como é o caso do processo de integração de trabalhadores com vínculos precários na Administração Pública que ameaça eternizar-se ou os valores muito reduzidos que resultam da forma como o Governo está a concretizar o descongelamento das progressões nas carreiras.

Mantêm-se outros problemas graves de desregulação dos horários de trabalho, de processos de despedimentos, de deslocalizações e insolvências de empresas que deixam os trabalhadores desprotegidos.

Traços negativos que são indissociáveis de uma legislação laboral que nos últimos anos foi profundamente alterada para pior por sucessivos governos, incluindo pelo anterior Governo PSD/CDS que as tornou a agravar.

A defesa dos direitos dos trabalhadores vai muito para lá da alteração da legislação laboral mas essa é uma componente que não pode ser desvalorizada e sobre a qual não adianta fazer considerações gerais, é preciso fazer opções que no concreto se traduzam em melhores condições de trabalho e numa distribuição mais justa da riqueza a favor dos trabalhadores.

Amanhã estará aqui para votação uma proposta do PCP para repor o pagamento do trabalho extraordinário e o trabalho em dia feriado. Outras se seguirão, nomeadamente para ultrapassar esse grave problema da caducidade das convenções colectivas de trabalho que é usada como elemento de chantagem sobre os trabalhadores para a retirada de direitos, bem como a eliminação do princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador.

Senhor primeiro-ministro:

Não considera que está na hora de mudarem de posição e atacar os graves problemas resultantes dos desequilíbrios causados por uma legislação laboral profundamente injusta, começando já amanhã por aprovar a proposta que traremos a debate?

Nós esperamos que nos acompanhem neste que deveria ser um primeiro passo de novo ciclo de reposição de direitos e rendimentos legítimos que contribuam para inverter a grave situação de degradação laboral que se criou.

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