Projecto de Lei N.º 833/XIII

Assegura medidas de promoção da igualdade e não discriminação entre mulheres e homens no exercício de cargos dirigentes

Assegura medidas de promoção da igualdade e não discriminação entre mulheres e homens no exercício de cargos dirigentes procedendo à 7.ª alteração da Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro que aprova o estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da administração pública.

Exposição de motivos

A Constituição da República Portuguesa consagra como uma das tarefas fundamentais do Estado a promoção da igualdade entre homens e mulheres.

O PCP tem exigido a adoção de medidas centradas na prevenção e combate às causas estruturais das desigualdades e discriminações no trabalho, na família, na sociedade, e de efetivação dos direitos das mulheres, na lei e na vida.

Uma importante dimensão da concretização da igualdade é o reforço da participação das mulheres aos vários níveis de decisão política, cujo défice persiste, representando um empobrecimento da vida democrática, bem como o défice de participação em igualdade em outros importantes domínios da sociedade portuguesa.

A participação das mulheres em igualdade desempenha um importante e insubstituível papel no progresso do estatuto das mulheres e uma condição essencial à realização plena da democracia.

Recordamos, que em 2001 o PCP através do Projeto de Resolução148/VIII de 17 de julho, recomendava um conjunto de medidas de reforço da participação cívica e política, como “o reforço da presença de mulheres, nomeadamente em relação a altos cargos governativos, incluindo os cargos dirigentes da Administração Pública preenchidos por via de nomeação, através da definição clara de objetivos quantitativos que visem uma crescente evolução da participação feminina”, bem como a “publicação regular de relatórios anuais e informação sobre a evolução de participação das mulheres nos órgãos de poder e na Administração Pública”, e da “avaliação dos impactos das políticas económicas e sociais na evolução da situação das mulheres”.

A verdade é que o discurso dominante dá absoluta centralidade ao reforço de mulheres em cargos dirigentes designadamente nas administrações públicas. Mas tal discurso, limita-se a constatar uma inequívoca dimensão da realidade, mas não única, da situação das mulheres na sociedade portuguesa ocultando as causas dos elementos dessa mesma realidade. Não será evidente que tantas mulheres trabalhadoras e quadros técnicos da administração pública, intelectuais, docentes ou investigadoras continuam a ser atingidas pela desvalorização do seu trabalho e das suas competências por via da precariedade, do congelamento, bloqueio, desvalorização e extinção de carreiras?

A primeira condição para a promoção da igualdade é a de acesso à carreira, daí que o combate à precariedade nas Administrações Públicas seja tão importante. Todas as trabalhadoras e trabalhadores que respondem a necessidades permanentes têm que ter vínculo efetivo. Sejam bolseiras de investigação científica, falsos recibos verdes, falsos estágios profissionais que desempenham tarefas de técnicos superiores, formadoras do IEFP, contratos de emprego-inserção. Manter desde 1998, o último ano em que existiu um processo de regularização de vínculos na Administração Pública, milhares de trabalhadores com vínculos precários significa na verdade impedir milhares de mulheres e homens de aceder a uma carreira e a qualquer perspetiva de progressão profissional. E tal, é responsabilidade direta de sucessivos governos e em particular do anterior Governo PSD/CDS que impôs a precariedade como regra, negou o acesso à carreira e pagou menos salário e menos direitos.

O PCP assume uma visão integrada da valorização do trabalho e das competências das mulheres (e de todos os trabalhadores) nas administrações públicas, assumindo para tal objetivos fundamentais como o direito ao acesso à carreira e combate à precariedade; o direito à reposição e criação de carreiras específicas; o direito à progressão na carreira; o direito a um modelo de avaliação justo e sem quotas predefinidas; o direito à valorização salarial e social.

No nosso país, conforme previsto na lei, os titulares dos cargos de direção superior são recrutados, por procedimento concursal, de entre indivíduos com licenciatura concluída há, pelo menos, 10 ou oito anos, consoante se trate de cargos de direção superior de 1.º ou de 2.º grau, vinculados ou não à Administração Pública, que possuam competência técnica, aptidão, experiência profissional e formação adequadas ao exercício das respetivas funções. O procedimento concursal é conduzido pela Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública (CRESAP) que propõe três candidatos, de entre os quais, o membro do Governo que tenha o poder de direção e tutela sobre o serviço ou órgão a que respeita o procedimento concursal, designa para o cargo.

No caso dos titulares dos cargos de direção intermédia são recrutados, por procedimento concursal, de entre trabalhadores em funções públicas contratados ou designados por tempo indeterminado, licenciados, dotados de competência técnica e aptidão para o exercício de funções de direção, coordenação e controlo que reúnam seis ou quatro anos de experiência profissional em funções, cargos, carreiras ou categorias para cujo exercício ou provimento seja exigível uma licenciatura, consoante se trate de cargos de direção intermédia de 1.º ou de 2.º grau, respetivamente. Findo o procedimento concursal, os titulares dos cargos de direção intermédia são providos por despacho do dirigente máximo do serviço ou órgão, em comissão de serviço, pelo período de três anos, renovável por iguais períodos de tempo.

Hoje, a realidade vivida pelos trabalhadores de diversos serviços públicos é marcada pela desmotivação, cansaço e não reconhecimento da importância do trabalho prestado. Da educação à saúde, passando pela justiça e segurança social, das forças e serviços de segurança aos transportes à cultura perpassa um sentimento de urgência de melhoria das condições de trabalho e de reforço dos meios materiais e humanos, a par de medidas de valorização laboral e social. A tal não será alheio décadas de degradação dos serviços públicos e reconfiguração das funções sociais do estado, sempre em paralelo com fragilização e retirada de direitos aos trabalhadores.

Este enquadramento é essencial para qualquer análise e estratégia que queira ser assumida em matéria de progresso e igualdade. No mais recente Relatório sobre o Progresso da Igualdade entre Mulheres e Homens no Trabalho, no Emprego e na Formação Profissional – 2016, da autoria da CITE, observa-se que o trabalho “nas administrações públicas tem uma maior expressão no emprego feminino (17,5%) do que no emprego masculino (11,3%), sendo que a taxa de feminização diminui à medida que os cargos são hierarquicamente mais elevados (54,5% para dirigentes intermédios e 32,7% para dirigentes superiores)”. Ainda assim, a participação de mulheres no emprego público em cargos dirigentes, é consideravelmente superior ao setor privado.

Particularmente quanto ao emprego público importa analisar criteriosamente esta realidade e estudar todas as suas causas diretas e indiretas. No que respeita aos cargos de direção por concurso, importa de facto perceber o número de candidaturas apresentadas bem como a sua dimensão. De facto, parece cada vez mais importante perceber quais as causas para a não apresentação de candidaturas para cargos de direção, sejam intermédios ou superiores, e/ou quais as causas para a sua exclusão.

Emprego no setor das administrações públicas por cargo/carreira/grupo e sexo, 2016 (%)

Outros dados importantes do mesmo Relatório da CITE referente ao ano de 2016, demonstram que “a 31 de dezembro de 2016, o emprego no setor das administrações públicas situava-se em 663,8 mil postos de trabalho (dos quais 395,9 mil são de mulheres)”, sendo que “6 em cada 10 trabalhadores das administrações públicas são mulheres”. Quanto ao cargo/carreira/grupo, “verifica-se que as taxas de feminização diminuem substancialmente à medida que os cargos são hierarquicamente mais elevados (54,5% para dirigentes intermédios e 32,7% para dirigentes superiores)” ainda assim numa posição mais positiva que no setor privado.

Aliás, não deixa de ser importante notar que nos casos de cargos de direção intermédia, dependentes de procedimento concursal e não de nomeação através de proposta da CRESAP ao membro do Governo, o número de mulheres é superior aos cargos de direção superiores.

Com o presente Projeto de Lei, o PCP propõe que sejam asseguradas medidas de promoção da igualdade entre homens e mulheres no exercício de cargos dirigentes (intermédios e superiores). Propomos que, nas situações de gozo de direitos de maternidade e paternidade, e de apoio à família, sejam assegurados pelos órgãos e serviços mecanismos de condições de igualdade material no desempenho das funções de direção tais como, o recurso à coadjuvação, à assessoria, ao apoio técnico sempre que tal seja requerido e justificado pelo dirigente.

Propomos também que seja assumido de forma inequívoca que o gozo de direitos de maternidade e paternidade, e de apoio à família, não possa ter repercussão negativa para efeitos de avaliação de desempenho.

Propomos ainda que o Governo, através da Direção-Geral da Administração e do Emprego Público, remeta anualmente à Assembleia da República um relatório estatístico sobre o número de processos concursais que foram abertos para cargos dirigentes, superiores e intermédios, nas administrações públicas, total de opositores aos mesmos e respetivos resultados, com identificação dos motivos relativos aos resultados negativos que levaram à exclusão dos opositores, desagregados por sexo, ministérios e administrações.

O direito a ser mãe e pai sem penalizações profissionais é um direito fundamental, inseparável da luta de gerações e gerações de mulheres e homens que travaram e travam a batalha da consolidação do regime democrático.

A luta pela igualdade e não discriminação na família, na sociedade e no trabalho é uma parte integrante da luta maior por um país de progresso e justiça social, e por isso o PCP aqui apresenta mais este contributo.

Assim, ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei assegura medidas de promoção da igualdade e não discriminação entre mulheres e homens no exercício de cargos dirigentes, procedendo à 7.ª alteração da Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro que aprova o estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da administração pública.

Artigo 2.º

Alteração à Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro

O artigo 2.º da Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro, alterado pelas Leis n.º 51/2005, de 30 de Agosto, n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, n.º 64/2011, de 22 de Dezembro, n.º 68/2013, de 29 de Agosto, n.º 128/2015, de 03 de Setembro, passa a ter a seguinte redação:

«CAPÍTULO I

Princípios gerais

SECÇÃO I

Objeto e âmbito de aplicação

Artigo 2.º

(…)

1 – (…).

2 – (…).

3 – (…).

4 – (…).

5 – (Revogado.)

6 – (…).

7 – [novo] Em situações de gozo de direitos de maternidade e paternidade e de apoio à família, com vista ao exercício de funções em condições de igualdade e não discriminação entre mulheres e homens, são garantidos, pelos serviços e órgãos públicos abrangidos pela presente lei, mecanismos de igualdade material para o exercício de cargos dirigentes.

8 – [novo] Os mecanismos de igualdade material referidos no número anterior compreendem todas as medidas necessárias a assegurar a não discriminação entre mulheres e homens, designadamente, o recurso à coadjuvação, assessoria, apoio técnico, sempre que tal seja requerido e justificado pelo dirigente.

(…)»

Artigo 3.º

Aditamento à Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro

É aditado à Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro, alterado pelas Leis n.º 51/2005, de 30 de Agosto, n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, n.º 64/2011, de 22 de Dezembro, n.º 68/2013, de 29 de Agosto, n.º 128/2015, de 03 de Setembro, um novo artigo 17.º-A a seguinte redação:

«CAPÍTULO I

Princípios gerais

SECÇÃO V

Exercício de funções

Artigo 17.º-A

Avaliação de Desempenho

  1. A avaliação de desempenho deve considerar critérios de igualdade e proporcionalidade que assegurem a não discriminação entre mulheres e homens.

  2. O gozo de direitos de maternidade e paternidade e de apoio à família não prejudica o dirigente na respetiva avaliação de desempenho.»

Artigo 4.º

Regiões Autónomas e Autarquias Locais

A presente lei aplica-se com as necessárias adaptações às Autarquias Locais e às Regiões Autónomas.

Artigo 5.º

Relatório Anual sobre Procedimentos Concursais

1- O Governo, através da Direção-Geral da Administração e do Emprego Público, remete anualmente à Assembleia da República um relatório estatístico sobre o número de processos concursais que foram abertos para cargos dirigentes, superiores e intermédios, nas administrações públicas, total de opositores aos mesmos e respetivos resultados, com identificação dos motivos relativos aos resultados negativos que levaram à exclusão dos opositores.

2- Os dados constantes no relatório constante no número anterior são desagregados por sexo, ministérios e administrações.

Artigo 6.º

Entrada em Vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

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