Intervenção de Francisco Gonçalves, Dirigente da FENPROF e professor de Educação Física, Mesa Redonda «Desporto Escolar para concretizar os direitos das crianças e dos jovens»

Principais problemas do desporto escolar, o papel da Escola e do Professor

Principais problemas do desporto escolar, o papel da Escola e do Professor

Boa tarde a todos,

Sou dirigente da FENPROF e professor de Educação Física. Vou aqui deixar umas notas sobre os principais problemas do desporto escolar e sobre o papel da escola e do professor, notas essas que terão como ponto de partida, impressões da minha vivência enquanto professor de Educação Física e responsável de  grupo / equipa do desporto escolar e da convivência entre pares.

1. É falsa a imagem clássica do burguês farto e do proletário esfomeado. A imagem,  hoje, talvez seja diferente, o burguês com corpo tonificado e o proletário com problemas de obesidade, porque o primeiro tem acesso a uma alimentação de qualidade e à prática regular da atividade física e do desporto e o segundo não.

2. A prática desportiva, hoje, tem marca de classe: o desporto popular recuou; o desporto de bem-estar, de ginásios e academias, é uma atividade comercial; a formação desportiva é muito dispendiosa e nem todos os pais têm condições económicas para a garantir aos seus filhos; o desporto de alta competição é um negócio; o desporto escolar, que é gratuito, fica muito aquém do necessário para esbater essa marca de classe da actividade desportiva como serviço pago.  

3. Se olharmos para alguns dados do desporto escolar, inscritos no Programa Estratégico 2021/2025, dados de 2019/2020, verificamos que são cerca de sete mil o número de grupos / equipa do desporto escolar,  para os quais existe um crédito horário de 22.600 horas, cerca de 170.000 inscritos, 20% da população escolar.

4. Do terreno um conjunto de problemas são apontados pelos responsáveis por grupo / equipa:

  • Dificuldades em encontrar horários de treino compatíveis entre professores e alunos;
  • diferenças significativas entre número de alunos inscritos, o número de alunos que frequentam os treinos e o número de alunos que participam nos jogos e competições;
  • falta aos treinos e aos jogos como castigo perante mau desempenho escolar dos alunos;
  • falta de formação dos professores de Educação Física para “treinar” algumas das modalidades, por défice da formação inicial e da formação contínua; 
  • desmotivação de alguns professores para a tarefa de responsável de grupo / equipa em algumas modalidades.

5. Nunca foi tão grande, como hoje,  a diferença no desempenho motor entre alunos com prática desportiva fora da escola e alunos sem prática desportiva fora da escola. Sou professor num pequeno concelho rural e há 25 anos atrás, quando lá cheguei, os alunos das freguesias rurais tinham mais dificuldades nas capacidades coordenativas mas eram muito bons nas capacidades condicionais, quando comparados com os alunos das freguesias urbanas. Hoje não é assim.

6. Não é assim porque, tanto nas cidades como nas serras, os alunos teclam, mexem os dedos e os olhos. Mesmo os alunos oriundos das freguesias rurais não caminham, não correm, não trepam árvores, não saltam obstáculos, não rastejam… Ora, a aprendizagem motora é implacável, sem prática não há aprendizagem. Daí que a diferença, hoje, é entre os que fora da escola praticam, formal ou informalmente, atividade física e desportiva e os que não praticam.

7. Se não praticam fora poderiam praticar na escola, na disciplina de Educação Física e no Desporto Escolar. Sucede, porém, que o tempo semanal da Educação Física é comprovadamente insuficiente para introduzir mudanças na condição física dos alunos (segundo a OMS o indicado para crianças e jovens são 60 minutos de actividade física de intensidade moderada e vigorosa por dia). Já o Desporto Escolar cobre uma pequena parte da população escolar, 20 %, sendo que muitos deles já têm prática desportiva fora da escola.                          

8. Há, portanto, uma percentagem significativa de indivíduos da população escolar que não praticam regularmente atividade física e desportiva, os quais um dia, provavelmente, serão adultos que não vão praticar regularmente atividade física, o que aliado a uma má alimentação e ao ritmo de vida das sociedades actuais terá como desfecho provável o tal proletário com problemas de obesidade. 

9. Daqui se conclui a necessidade de aumentar o número de horas de prática regular da atividade física e desportiva, seja a formal seja a informal, a tal “brincadeira”, que não se cansa de repetir o Professor Carlos Neto. Recreio ativo, Educação Física com mais tempo letivo e Desporto Escolar a chegar a muitos mais são, de facto, as chaves do problema. 

10. O que falta, então, ao Desporto Escolar para ter o papel que o tempo que vivemos exige? Investimento, investimento, investimento. Apesar do Programa Estratégico do Desporto Escolar 2021/2025 prever um maior intercâmbio com as comunidades e ter metas que apontam para um crescimento do número de praticantes, se não houver reforço da dotação orçamental, são apenas intenções.

11. Para o desporto escolar, enquanto sistema desportivo, crescer necessita de um forte investimento em recursos materiais de modo a suprir os défices existentes em espaços e materiais desportivos, transportes, alimentação e dormida dos praticantes, uma vez que tal crescimento se traduziria, inevitavelmente, num crescimento da atividade interna  nos agrupamentos, do número de grupos / equipas, de treinos, no número de competições e eventos, no número de deslocações, dormidas e refeições.

12. Esse crescimento do número de grupos / equipa e de alunos praticantes implicaria, também, um forte investimento em recursos humanos docentes (formação e crédito horário) e demais recursos humanos necessários ao funcionamento de Clubes do Desporto Escolar com condições para integrar um sistema desportivo a sério.

13. Porque o que é positivo deve ser sublinhado, termino afirmando que há muitos Clubes do Desporto Escolar que fazem um trabalho louvável e muito acima das condições que têm, com uma boa articulação entre a disciplina de Educação Física e o Clube do Desporto Escolar, com uma boa abertura da escola à comunidade, perseguindo a ideia da formação integral do indivíduo. 

Isto existe, mas existe graças à “carolice” de muitos professores de Educação Física e de muitos responsáveis por grupo / equipa do desporto escolar.

Ora, para Desporto Escolar ser o que o país precisa, não pode ser assim, não pode ser só assim.

Obrigado. 

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