Intervenção de Patrícia Machado, Membro da Comissão Política do Comité Central, Mesa Redonda «Desporto Escolar para concretizar os direitos das crianças e dos jovens»

O direito das crianças e dos jovens ao desporto escolar deve ser concretizado com medidas concretas

O direito das crianças e dos jovens ao desporto escolar deve ser concretizado com medidas concretas

Boa tarde aos presentes, um primeiro agradecimento à Direcção da Escola António Arroio e aos trabalhadores que permitiram fazer esta iniciativa, aos nossos convidados, e um especial agradecimento aos intervenientes que aceitaram dar este contributo para o aprofundamento de uma reflexão que consideramos fundamental ser feita. 

Pode perguntar-se porque é que o PCP considera como oportuno promover a análise e o debate deste tema, tratando-se de um assunto que é sistematicamente esquecido e desvalorizado em termos políticos, sociais e educativos. Desde logo porque olhamos com preocupação para a situação das novas gerações em Portugal, resultante da sociedade que temos, impondo uma injusta na degradação das condições de vida das famílias e pondo em causa direitos essenciais como o direito à educação. São muitas as vozes que ecoam quando se fala em crianças, mas a verdade é que ao sistema capitalista pouco ou nada interessa o desenvolvimento das suas capacidades intelectuais, sociais,afectivas e motoras, a promoção da sua saúde, o estímulo da sua imaginação, criatividade, espirito critico e vontade de aprender e questionar. Interessa sim formar de forma superintensiva homens e mulheres que respondam às necessidades do chamado mercado, ajustadas a cada momento e à capacidade de produção exigida, adquirindo o saber indispensavel à exploração e evitando que questionem as condições de vida e de tralho e o direito a organizarem-se.

O PCP considera que uma sociedade que valoriza o direito a ser criança, a crescer saudável e feliz, tem os olhos postos no futuro e num projecto de desenvolvimento humanista e soberano.

Ao mesmo tempo que lutamos pelas condições fora da escola, como os salários dos pais, a habitação ou os transportes, precisamos continuar a promover a reflexão sobre a escola, do seu papel e condições para promover esse desenvolvimento.

Desenvolvimento que está consagrado na Constituição da República Portuguesa. Também aqui, a nossa visão dialética é indispensável para promover a compreensão mais avançada da  situação em que se encontra a escola e a luta que temos de travar para que ela seja colocada verdadeiramente  ao serviço das crianças e dos jovens, garantindo a formação plena das capacidades de um futuro adulto capaz de responder aos desafios e de se afirmar como um ser plenamente consciente.  

Dentro dessas necessidades está o desenvolvimento integral do próprio corpo, como um só, de um funcionamento orgânico, exigindo respostas diferenciadas ao longo das várias fases de crescimento.. 

Nesta reflexão que faremos estarão presentes aspectos que interligados entre si constituem elementos que permitem ir mais longe na compreensão do desporto escolar, não desligado da defesa da escola publica. Daí que consideramos de extrema importância sublinhar e evidenciar preocupações, identificar questões, sublinhar caminhos e propostas que a serem acolhidos contribuiriam inquestionavelmente para garantir direitos que, no presente, são postos em causa, desvirtuando significativamente as funções que deveria preencher, assumindo a responsabilidade constitucionalmente definida de promover uma educação integral, de carácter irredutivelmente democrático, colocando o aluno no centro das suas preocupações, utilizando as diferentes formas de prática como instrumentos educativos de natureza pedagógica, rejeitando qualquer tipo de segregação e exclusão devido a características próprias de cada um.  

É a própria lei de bases da educação que sobre o Desporto Escolar refere:

“O desporto escolar visa especificamente a promoção da saúde e da condição física, a aquisição de hábitos e condutas motoras e o entendimento do desporto como factor de cultura, estimulando sentimentos de solidariedade, cooperação, autonomia e criatividade, devendo ser fomentada a sua gestão pelos estudantes praticantes, salvaguardando-se a orientação por profissionais qualificados.”

Mas assumindo toda esta importância reconhecida pela Lei, importa questionar como ele é valorizado e executado para cumprir esta função.

Além dos habituais documentos orientadores e regulamentares da actividade, não existe outra informação, nem indicadores estatísticos minimamente credíveis sobre o grau e as condições de participação desportiva dos alunos da escola pública.

Se é importante qual a razão para que as actividades do Desporto Escolar sejam financiadas, e uma baixa percentagem, pelas receitas dos jogos sociais criando uma dependência evidente sem possibilidade de qualquer programação a curto prazo. Apenas o valor correspondente aos créditos lectivos dos professores que enquadram as actividades do Desporto Escolar está integrado no orçamento do Estado. 

Todavia, sendo isto importante, porque se atribuem o máximo de 22 600 créditos, considerando todas as escolas de Portugal Continental,  que se irão manter até 2025, acompanhando o “novo” Programa do Desporto Escolar 2021-2025, se apresentem como claramente insuficientes para garantir a liquidação da inaceitável situação de desigualdade na formação desportiva dos alunos e o indispensável desenvolvimento do desporto escolar dentro de todas as escolas?

E se atribuem tanta importância a esta questão, como se pode aceitar que sejam os próprios professores de educação física, que viabilizam a importante actividade fora da escola e , vencendo toda a casta de dificuldades, incompreensões e desqualificações, a despender do seu próprio bolso os custos com o acompanhamento e orientação dos seus alunos nas competições realizadas ao fim de semana, criando-se uma situação sem paralelo dentro da função pública. 

Ora é importante questionar se a importância de que se fala está a ser acompanhada das medidas necessárias e dos objectivos adequados.

Dos dados disponíveis em Agosto de 2021, o Ministério revelou que «em média, nos últimos anos lectivos, estiveram inscritos no Desporto Escolar cerca de 175 mil praticantes, ou seja 20% do total de alunos matriculados nos estabelecimentos de ensino público e privado de Portugal continental. 

Todavia, trata-se unicamente do número de inscrições mas não do número efectivo de participantes no Desporto Escolar. Em relação a esta questão, é importante tomar na devida conta duas situações: a 1ª diz respeito à inqualificável situação em que se concretiza o trabalho pedagógico de preparação de uma percentagem significativa dos alunos para as competições. Com uma frequência que se desconhece mas que se sabe ser elevada, esse trabalho é concretizado por vezes durante meia hora por semana, durante o tempo reservado para o almoço, devido ao facto de haver escolas em que não existe outra possibilidade, ou por falta de espaços desportivos disponíveis, ou por falta de transportes depois do horário escolar. A 2ª situação diz respeito a um fenómeno de abandono das actividades por uma importante parte dos alunos, quando se dá a mudança de ciclo. É caso para questionar se a desmotivação que muitas vezes se refere, nestas condições pode ser atribuída aos alunos ou às condições que lhes são oferecidas. O que agora interessa referir, é que estes dois fenómenos certamente alteram as estatísticas de forma bem negativa. 

Por tudo isto, consideramos importante, para conhecer e tomar medidas, identificar um conjunto de questões: 

  • Quantos alunos estão devidamente enquadrados nas actividades do Desporto Escolar com uma prática desportiva regular durante todo o ano lectivo, nos estabelecimentos de ensino público? 
  • Quantos alunos desistem de participar no Desporto Escolar abandonando a prática desportiva? Em que idades e quais os motivos? 
  • Que razões podem explicar que 80% dos alunos matriculados nem sequer tomem a iniciativa de se inscrever no Desporto Escolar? 
  • Qual o peso atribuído às condições e à disponibilidade dos espaços desportivos em cada escola, à incompatibilidade de horários para aceder às actividades, à carência de professores ou de material próprio? E, sobretudo, ao enquadramento e às características selectivas das actividades desportivas? 
  • Quais as condições a observar para que qualquer criança ou jovem em idade escolar tenha acesso a um processo de educação desportiva adequado aos seus interesses e necessidades? 

No Programa do Desporto Escolar 2017-2021 foi anunciada a intenção de «Promover estudos que suportem e promovam o desenvolvimento qualitativo do Desporto Escolar» com as  instituições de Ensino Superior, mas não se conhece se os estudos foram concretizados. 

Dos «Vetores estratégicos» anunciados sobressai o que designaram por «incentivar a procura do desporto escolar» com vários objectivos, alguns diga-se justos e necessários, como no caso das NEE. Mas a questão é que é omisso nas medidas a tomar para as concretizar.

Apesar de estar mencionado no Programa, não é publicamente conhecida nenhuma avaliação dos 19 objectivos do ciclo 2017-2021, situação repetida noutros ciclos.

Não podemos deixar de colocar com preocupação o conteúdo deste programa e as medidas para o Desporto Escolar com exemplos como o anúncio de atribuição dos créditos horários para treino das equipas de alunos III na condição de estarem inscritas nas federações desportivas. Isto faz prevalecer a selectividade, a competição e o elitismo. Onde o professor é substituível, onde a função é selecionar e não promover a educação desportiva para o desenvolvimento da criança e do jovem na visão do Desporto escolar enquanto actividade pedagógica. 

O cumprimento do papel da escola tem de continuar a ser exigido.

Não podem continuar a chegar exemplos como na Escola D. Pedro V em Lisboa que tem uma piscina junto à escola e em que a natação não está nas actividades do Desporto escolar ou de escolas do 2º ciclo que não abrem inscrições para raparigas na modalidade de Futsal, alegando que é mais procurada por rapazes. 

Defender os direitos das crianças e dos jovens é defender uma escola que permita efectivar o direito à educação desportiva independentemente se é gordo ou magro, alto ou baixo, menino ou menina, se é portador de deficiência, se tem condições económicas ou não na sua família, ou seja se tem jeito ou não. Esta escola é a que assume de facto a importância do Desporto Escolar e lhe reconhece o papel que deveria desempenhar no processo educativo global. 

O PCP tem manifestado diversas preocupações sobre a concretização do direito constitucional à educação física, ao desporto, ao aproveitamento dos tempos livres e à obrigação do Estado de promover a cultura física e desportiva escolar dirigida à infância e juventude. 

Consideramos que o acesso generalizado e em condições de igualdade à cultura física e ao desporto escolar, desde que devidamente orientados por profissionais pedagógica e cientificamente habilitados e com participação alargada dos jovens na sua organização, é um direito social fundamental da juventude, determinante na promoção da saúde e da condição física e para o pleno e harmonioso desenvolvimento das suas potencialidades. 

O PCP defende a perspectiva de total integração do Desporto Escolar no processo educativo, e rejeita qualquer finalidade que não seja a de dar resposta às necessidades de desenvolvimento de todos os alunos. 

O direito das crianças e dos jovens ao desporto escolar deve ser concretizado com medidas concretas que permitam garantir que

  • Nenhum aluno, chegue ao fim do 12º ano de escolaridade, sem ter realizado experiências motoras de diferente tipo, mas devidamente orientadas para uma formação desportiva significativa;
  • Todos os alunos cheguem ao 12º ano compreendendo o significado e a importância da actividade motora para a sua vida actual e futura;
  • Nenhuma criança que frequenta o 1º CEB e o ensino pré-primário, deixe de realizar actividades motoras de carácter lúdico essenciais para o seu desenvolvimento;
  • O gravíssimo fenómeno do abandono da prática desportiva seja devidamente tomado em consideração, em especial em relação às raparigas, com a finalidade de se definirem formas específicas de resolução;
  • A Educação Física e o Desporto Escolar constituam uma unidade orgânica dentro da escola, ambos com a sua própria identidade, para dar resposta à estruturação da cultura corporal mantendo o Desporto Escolar a sua característica de participação voluntária.

 Como construir um desporto escolar que garanta os direitos da criança e do jovem é a reflexão que pretendemos fazer hoje.

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