Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República

"É preferível atirar um governo abaixo do que permitir que um governo atire o País abaixo"

Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. e Sr.as Deputadas:

Apresentamos uma moção de censura ao Governo. Uma moção de censura cujo objectivo, para lá da expressão institucional, se assume essencialmente pela sua dimensão política.

Uma censura que visa trazer à tribuna da Assembleia da República um profundo e largo sentimento de indignação e protesto que actualmente perpassa no País, sentido pelos trabalhadores e por diversos sectores e camadas antimonopolistas.

Uma censura ao Governo como institucionalmente é assumida, mas, sobretudo, uma censura dirigida ao PS e ao PSD que encerra em si própria um juízo sobre o rumo de desastre nacional imposto ao País e ao povo português pela política de direita.

Uma inequívoca censura e condenação às medidas contidas no PEC e às que agora são impostas, as injustiças e desigualdades a que se prestam, de rejeição clara de um rumo de retrocesso social e de alienação da soberania nacional.

Uma censura que comporta a necessidade de afirmação e exigência de um País mais desenvolvido e mais justo de um Portugal com futuro!

Uma censura à chantagem do Governo que visa fazer ressurgir a resignação e as inevitabilidades e o medo e condenar quem luta não cala, nem consente esta caminhada para o abismo!

Censura à chantagem do Governo, da União Europeia, dos especuladores, dos banqueiros, das grandes associações do patronato, de ex-Ministros, de beneficiados da situação do PS, do PSD, sobre um povo que, levando pancada, deveria «comer e calar».

Censura à medidas que visam o roubo nos salários e pensões, aumento dos preços de todos os bens e serviços, em particular daqueles de que as famílias não podem fugir, penalizar fiscalmente quem vive dos seus salários, mantendo intocáveis privilégios e os benefícios da banca e dos grupos económicos e dos especuladores.

Censura ao embuste de quererem fazer crer aos portugueses que os sacrifícios tocam a todos por igual, quando todos sabem que o grosso da factura vai ser cobrado a quem menos tem e menos pode — aos trabalhadores, aos desempregados, aos reformados ou a quem vive dos seus pequenos rendimentos.

Culpar e sacar a quem não teve a responsabilidades da crise! Ou não?

Foram os mais de 700 000 desempregados, ou os que já nem sequer têm direito ao subsídio de desemprego? Foram os trabalhadores despedidos da indústria naval, da siderurgia, da Qimonda, da Rodhe, da Delphi, do sector têxtil, os mais de 1 milhão de trabalhadores com vínculos precários, os mais de 40 000 jovens diplomados sem emprego nem alternativas, os milhares de comerciantes sufocados e arruinados na concorrência desleal com as grandes superfícies, as centenas de milhar de pequenos agricultores que viram arruinadas as suas explorações agrícolas, os pequenos empresários da indústria que entraram na falência devido aos custos dos factores de produção e à falta de firmeza do Governo nas negociações da OMC, foram os pescadores e os trabalhadores da marinha mercante que viram as respectivas frotas serem abatidas?

Foram os 2 milhões de portugueses que vivem abaixo do limiar da pobreza? Foram os que vivem com o salário mínimo nacional, os reformados e as baixas pensões? Foi quem vive do seu trabalho e do seu salário?

Não foram! Mas sabemos quem foi! Foram os que ganharam à tripa forra com a especulação e a economia de casino que, apanhados a fazer batota, tiveram logo a ajuda de dinheiros públicos, do Estado, aumentando o défice e, «mordendo a mão amiga», voltam a especular e ter lucros escandalosos!

Bem se aplica aqui aquele ditado popular: uns comeram os figos e a outros rebentaram-lhe a boca!

Censura, porque o Governo sabe, nós sabemos, que estas violentas medidas nem sequer são para, ficando agora pior, em 2013, ficarmos melhor! Não! Ficaremos pior!

Este PEC e as medidas agora propostas não comportam uma estratégia, uma ideia que seja para sair da situação em que nos encontramos!

A economia tem leis objectivas que determinam a sua evolução. Ao transformar de novo a redução a «mata-cavalos» do défice das contas publicadas como objectivo supremo e se secundarizar a questão central da necessidade do crescimento de criar mais riqueza com mais aparelho produtivo, mais produção nacional, com mais investimento público e também privado, com mais emprego, não é preciso ser profeta ou economista para adivinhar o futuro.

Dizem as estatísticas desta semana que o desemprego voltou a subir.

Vale como exemplo gritante para onde se está a conduzir o País. E deixe-me, a propósito, que lhe diga, Sr. Primeiro-Ministro: a União Europeia decidiu que o ano 2010 era o ano de combate e erradicação da pobreza!

Só por mera propaganda e cinismo!

Com esta política e estas medidas o que os senhores vão criar é mais uns milhares de pobres, juntar aos 2 milhões de pobres já existentes.
Assumidos defensores do capitalismo e da sua natureza exploradora especulativa e predadora, PS e PSD cedem aos seus interesses, que partilham e foram encarregados de defender, faltam à palavra dada, renegam compromissos assumidos com o povo que os pôs aqui e no Governo com a auto-satisfação de serem aplaudidos pelo «directório» de potências da União Europeia e estruturas internacionais do capitalismo.

PS e PSD desistiram de Portugal. Do Portugal de progresso e de justiça social. Do Portugal soberano onde seja o povo português a definir o seu dever colectivo, deixando-se livremente enredar na teia da dependência, na passividade perante o roubo praticado pela via da especulação financeira às economias mais vulneráveis feita a partir da dramatização artificial e selectiva dos défices públicos, praticando a ingerência e a chantagem sobre países soberanos sob a batuta do directório, em particular, da Alemanha.

Diz o Sr. Primeiro-Ministro que o mundo mudou nestes 15 dias. Mudou, sim, para pior, para a massa imensa de milhares de trabalhadores. Não mudou nada para os interesses do capital financeiro que não só está a resolver a crise à custa dos trabalhadores e dos povos como quer aproveitar a crise para eliminar direitos sociais e conquistas históricas.

Não é a cooperação ou o desenvolvimento equilibrado de todos os povos que se pretende mas o fortalecimento da capacidade do grande capital para impor as suas leis.

Triste figura fazem Durão Barroso, quando indicia a ameaça de impor a aprovação dos orçamentos nacionais à validação da União Europeia, e o Primeiro-Ministro, quando, no aeroporto da Portela, diz uma coisa totalmente oposta à que diz quando levanta voo de Bruxelas!

Não se iluda, nem queira iludir-se, Sr. Primeiro-Ministro, o mundo não mudou por um acto súbito. A situação resulta de um processo, de políticas erradas e do vergar de cerviz no quadro de integração na União Europeia e na moeda única. Tantas vezes o dissemos! Tantas vezes alertámos!
O PS e o seu Governo, confrontados com a moção de censura, dizem que ela é uma irresponsabilidade.

Mas quem é irresponsável? Quem alertou para os riscos de chegarmos a esta situação e propôs medidas concretas para lhe fazer frente ou quem andou a semear a política do «oásis», do Portugal no «bom caminho», a negar as evidências e a conduzir o País para o abismo em que estamos?
Irresponsáveis são aqueles que alertaram para as consequências nas contas públicas do plano de salvação dos banqueiros ou os que não olharam a meios, nem a défice, para cobrir as suas actividades, incluindo as actividades especulativas?

Se há irresponsabilidade é daqueles que conduziram o país à estagnação e à crise com a ruinosa política de destruição do aparelho produtivo e da produção nacional que levou ao aumento sistemático das contas externas, incluindo da dívida externa.

Se há irresponsabilidade é daqueles que promoveram a «financeirização» da economia portuguesa, a política de liberalização e privatizações para servir os grupos monopolistas e a concentração e centralização da riqueza e do património do País nas suas mãos.

Se há irresponsabilidade é da parte daqueles que assumiram uma política de declarada submissão ao poder económico, abrindo o campo fértil ao compadrio e à corrupção.

Se há irresponsabilidade é daqueles que assumiram uma política subserviente aos ditames da união Europeia e de sistemática alienação da soberania nacional.

Pensam que, chamando irresponsáveis aos outros ou por agora bradarem contra a crise dos mercados e clamarem contra os ataques especulativos, se libertam da sua responsabilidade. O tal mercado que o Sr. Primeiro-Ministro, de dedo em riste, tantas vezes nos disse: deixem o mercado funcionar livremente!

A nossa responsabilidade é perante o povo português e não perante um Governo que a não merece. E, ao contrário do PS e do PSD, nós confiamos nos trabalhadores e na sua luta, na sua razão para lutar, como vão fazer no próximo dia 29 de Maio! Confiamos nos patriotas e democratas que querem um Portugal soberano e de progresso! O Governo merece esta censura e não julgue que ela acaba com a votação a que vamos assistir!

(…)

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,

Falou de irresponsabilidade, afirmou e reafirmou o «papão» de que o Governo poderia cair hoje, nesta Assembleia da República. Pode questionar-se, mas isto, com certeza, ficará para outro debate, se o povo português perderia grande coisa com essa demissão…!

A questão central que aqui se coloca, e creio ter lido a nossa moção, é a dimensão política e a própria associação que fizemos com o PSD. Poderíamos ter elogiado ou isolado o PSD, não o fizemos; quisemos criticar esta política de direita, do PS e do PSD, em associação.

O Sr. Primeiro-Ministro suscitou aqui uma questão central, que foi a de estar a honrar o seu mandato.

Ora, o seu mandato foi atribuído pelo povo português e resultou de compromissos que assumiu com esse povo, com o seu eleitorado, no plano dos direitos sociais, dos salários, do investimento público, do desenvolvimento económico, do combate ao desemprego — refiro-me a compromissos do Programa Eleitoral do Partido Socialista. Por isso, a questão central que se coloca é a de saber se, desonrando esses compromissos, assumidos perante o povo, continua a ter a legitimidade para fazer o que está a fazer, carregando em cima do povo as consequências de uma crise para a qual o povo não contribuiu.

Nesse sentido, quero dizer-lhe, Sr. Primeiro-Ministro, que escusa de fazer apelos ao PCP, porque não entramos no pântano para onde estão a conduzir o País. Não entramos, não! Não fazemos acordos de capitulação em relação ao interesse dos trabalhadores e do povo e em relação à nossa soberania nacional.

Somos coerentes, porque foi isso que afirmámos perante o povo português.

Quero, no entanto, colocar-lhe uma questão que considero importante.

Insistiu na ideia de que os sacrifícios vão ser distribuídos de uma forma equitativa, dizendo, hoje, mais: quem vai pagar é quem mais tem e mais pode.

Ó Sr. Primeiro-Ministro, falemos, por momentos, a sério. Por exemplo, nós dizemos que 75% dos sacrifícios e das verbas que vão ser conseguidos através deste esbulho nos salários, do aumento do IVA, da injustiça fiscal, do aumento dos preços, da redução da dedução específica e da dedução à colecta, vão ser pagos pelos trabalhadores e pelas suas famílias e 25% dos sacrifícios vão ser pagos pelo grande capital. Diga lá: quem é que tem as contas certas? Ou não, Sr. Primeiro-Ministro? Não venha com a mistificação de que isto vai ser distribuído por todos.

Coloco-lhe uma outra questão: é preciso fazer sacrifícios quem foi responsável pela crise, quem se aproveitou e aproveita da crise ou quem não teve culpa dela?! Que raio de distribuição é esta, Sr. Primeiro-Ministro?! Foram os desempregados, foi quem vive do seu salário mínimo nacional, quem vive do seu salário, quem vive dos seus pequenos rendimentos, foram os pobres deste país, foram estes os responsáveis ou foram precisamente os tais especuladores, os tais mercados, essa figura, como já disse, omnipotente e omnipresente, um bocado sem rosto, que continua com a vossa proposta, com as vossas medidas, a passar pelos intervalos da chuva, designadamente a taxação das mais-valias, a taxação da banca, as operações bolsistas?! Em relação a isto, nem uma palavra!

Vê, Sr. Primeiro-Ministro, não foi para isto que foi eleito como Deputado e Primeiro-Ministro. Não está a honrar os seus compromissos, por isso não pense que não é justa esta moção de censura, na sua dimensão política. Insisto, na sua dimensão política, porque, de facto, considera que a estabilidade é o valor supremo quando está a ser provocada a instabilidade junto do povo português, quando existe esta chantagem para que o povo não resista, não lute, não proteste, não mostre a sua indignação!

O Sr. Primeiro-Ministro é novo e talvez não saiba: mesmo quando a luta era proibida e reprimida, os trabalhadores nunca baixaram os braços, quanto mais agora que vivemos em regime democrático! Vai ter a censura e vai ter a luta!

(…)

Sr. Presidente,

Peço a palavra, para exercer o direito regimental da defesa da honra da bancada.

Sr. Presidente,

Sob este ar de espanto, de facto, ao longo de muitos anos como Deputado é a primeira vez que recorro a esta figura regimental.
E recorro porque o Sr. Primeiro-Ministro, para além de não responder a coisa nenhuma, apontou para a ideia de que estamos aqui a brincar com coisas sérias.

Mau sinal da bancada do PS! Sempre que há estes sinais de desespero, aproxima-se o fim de alguma coisa.

É uma opinião formada há muitos anos.

Afirmou que o PCP estava a brincar com coisas sérias. Sr. Primeiro-Ministro, usámos este instrumento institucional e constitucional pesado, muito sério, para colocar este Governo sob a censura que hoje atravessa, ao contrário do que disse, que hoje perpassa pela sociedade portuguesa.
Está enganado se pensa que a censura é só por parte dos comunistas, está muito enganado.

Mas, em relação à questão de atirar o Governo abaixo, insisto: não se coloque na ideia de que «ou eu ou o dilúvio». Não coloque isto assim, Sr. Primeiro-Ministro! E nunca esqueça que o poder reside sempre no povo e que, se este Governo for embora, o povo encontrará sempre
uma alternativa, desde que exista democracia!

Mas fugiu à questão central. Quer saber a opinião do Partido Comunista Português?

É preferível atirar um governo abaixo do que permitir que um governo atire o País abaixo, como está a acontecer!

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