Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral, Sessão Pública «A situação do país, o Orçamento do Estado e a política alternativa»

O PCP não aceita este caminho de retrocesso e regressão social e lutará com os trabalhadores e o povo por um futuro com melhores condições de vida

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Camaradas:

Há fundadas razões para encarar com preocupação a recente evolução da situação económica, social e política do País.

Tínhamos preocupações antigas que as muitas fragilidades que o País apresenta explicam, seja o seu elevado grau de dependência e atraso económico, os seus crónicos défices estruturais, sejam as profundas e persistentes desigualdades sociais e regionais, os agravados problemas ambientais, a degradação do próprio regime democrático, com a subordinação do poder político ao poder económico que continuam, todas elas, a pesar como chumbo na vida nacional.

Temos hoje, porém, preocupações acrescidas. Preocupações que se avolumam a cada dia que passa com o agravamento das condições de vida da maioria da população e dos principais problemas nacionais, os quais não encontram resposta e solução, tal como no passado, na política de direita, agora conduzida pelo Governo do PS e, no que são as suas opções estratégicas, em clara convergência com os projectos reaccionários e retrógrados de PSD, CDS, Chega e IL para servir os interesses dos grupos económicos.

Esses grandes interesses monopolistas que, dominando a vida económica nacional e com um peso marcante no conjunto do sistema de poder político do País, condicionam e determinam negativamente a nossa vida colectiva.

Vimos isso nestes anos de epidemia que o grande capital aproveitou para intensificar a exploração e que hoje continua, estimulada pelas normas gravosas da legislação laboral e acelerar o processo de centralização e concentração da riqueza, também à custa de enormes recursos públicos.

Vemos isso neste último ano com a espiral inflaccionista especulativa sobre os preços dos bens essenciais promovida pelos grupos económicos e multinacionais e deliberadamente alimentada pelas sanções e a guerra das quais se servem e tiram partido, devorando poder de compra de salários, reformas e pensões, sugando condições de vida do povo e colocando em risco sectores inteiros da economia nacional e milhares de micro, pequenas e médias empresas.

Em consequência, vivemos hoje uma acelerada deterioração da situação económica e social. Uma situação onde assustadoramente pesa o aumento do custo de vida, com a taxa da inflação no final do mês de Setembro a escalar para os 9,3%, com novos aumentos de taxas de juro decididas pelo BCE com impactos, nomeadamente, nas prestações do crédito à habitação que se tornam insustentáveis.

Uma situação onde persistem graves desequilíbrios da estrutura económica. A produção industrial a percorrer o caminho da prática estagnação. Um défice alimentar que é dos maiores da Europa.

Um défice comercial agravado e uma balança de pagamentos a registar negativamente o avolumar da transferência de recursos financeiros para o estrangeiro, em grande parte dividendos em resultado do crescente domínio do capital estrangeiro sobre a economia nacional. Um agravamento para 9,2 mil milhões de euros de transferências nos primeiros sete meses de 2022, mais 2,2 mil milhões do que no mesmo período do ano passado. Ou seja, mais riqueza que é produzida no País e que sai para o estrangeiro.

Em contraste com a negativa evolução da situação e do País e do retrocesso na vida das populações, assistimos a uma cada vez maior acumulação de lucros pelos grupos económicos, alguns a duplicarem-nos nestes primeiros meses de 2022 relativamente ao ano anterior. Assistimos à consignação de novos e mais substanciais benefícios fiscais para o grande capital. Novas privatizações, como a da TAP. Mas também ao assegurar, sem critério e sem vínculo a objectivos de desenvolvimento nacional, dos recursos financeiros do PRR, deitando por terra os proclamados planos para superar os nossos défices, modernizar e diversificar os nossos sectores produtivos, desenvolver a construção de habitação e infra-estruturas, reforçar a rede de equipamentos sociais, nomeadamente creches e lares, apostar no desenvolvimento científico e tecnológico, questão também decisiva para desenvolvimento do País.

Recursos e mais recursos desviados das reais necessidades do País e do seu desenvolvimento e que seguem o rumo da sua depauperação, acentuando as suas vulnerabilidades, incluindo dos seus serviços públicos igualmente carentes de investimento, como são o caso da saúde e educação.

Uma situação nacional onde se assinala ainda uma ofensiva contra os direitos individuais e colectivos dos trabalhadores, promoção do ódio e da intolerância, o ataque à democracia e à Constituição.

Camaradas:

O País, perante a evolução negativa destes últimos tempos, exige que se tomem medidas de emergência que não podem continuar a ser adiadas, tal como precisa de soluções para os seus crónicos e agravados problemas de fundo, que exige a concretização de uma outra política em ruptura com as actuais orientações.

É esta a filosofia das contas certas. Contas certas de milhões para o capital que tem, na maioria absoluta do PS e na promoção do PSD, CDS, Chega e IL, instrumentos ao seu serviço.

Medidas de emergência que enfrentem seriamente os problemas e não medidas como as que avança o Governo que fogem ao essencial, não só à recuperação integral do poder de compra já perdido pelos salários e pensões e ao combate que se impunha fazer à especulação dos preços, como as suas opções configuram um caminho de confirmação e prolongamento da perda de poder de compra dos trabalhadores e do povo e de acumulação de lucros pelos grupos económicos.

Uma fuga que não se coíbe de recorrer ao embuste, como se viu no caso das pensões e das reformas, com a decisão avançada de uma prestação única que não repõe sequer metade do poder de compra perdido em 2022 e que, ao contrário do que o Governo anuncia, conduzirá a um corte definitivo no valor das reformas e pensões a que têm direito por Lei, para 2023 e anos seguintes. A mesma recusa de reposição do poder de compra perdido pelos salários em 2022 e que não se resolve com uma prestação de pouco mais de uma centena de euros.

Uma fuga confirmada na recusa por parte do PS, em geral com o apoio do PSD e seus sucedâneos IL e Chega, das propostas apresentadas pelo PCP na Assembleia da República e inscritas no seu Plano de Emergência com medidas para combater o aumento do custo de vida, o agravamento das injustiças e desigualdades e travar a degradação da situação económica.

Propostas que mantêm toda a validade e actualidade e que se impõe no imediato considerar face ao agravamento sistemático da situação económica e social.

Sim, são precisas medidas de emergência que não podem esperar e são precisas soluções que garantam a elevação das condições de vida do povo, travem a regressão económica e social e assegurem o desenvolvimento do País que não se vêem, quer na proposta do Orçamento do Estado para 2023 apresentada pelo Governo do PS, quer no Acordo na Concertação Social, recentemente assinado entre Governo, grandes confederações patronais e UGT.

Pelo contrário, não só são ignoradas como são adoptadas orientações e medidas com consequências profundamente negativas para os trabalhadores, o povo e o País.

Em relação ao Acordo e em clara articulação com toda orientação que preside à elaboração do Orçamento, ele reflecte a natureza de classe do Governo do PS. Mais do que ouvir o Governo falar do Acordo que foi apresentado é ouvir o entusiasmo com que os próprios representantes dos grupos económicos o encaram.

A unanimidade dos elogios dos representantes das organizações do grande capital, nomeadamente a avaliação positiva do patrão dos patrões da Confederação da Indústria, confirma o que temos afirmado sobre a acção do Governo do PS cada vez mais inclinado para a direita e dando inquestionável expressão às exigências do grande capital.

Um acordo que se traduz numa opção de degradação acentuada do poder compra dos trabalhadores, a começar pela insuficiência do Salário Mínimo Nacional. Um acordo assente em ilusórios compromissos de objectivos de valorização salarial futuros. Compromissos que estão à partida condicionados, como o declaram, da avaliação feita em cada momento e dependentes na sua concretização, como com todo o desplante o afirmou o presidente da Confederação do Comércio, da vontade das associações que diz representar.

Ilusórios compromissos que são um logro, no actual quadro de manutenção das normas gravosas do Código de Trabalho que bloqueiam a contratação colectiva.

Ilusórios compromissos que mesmo que fossem para cumprir não respondem à perda do poder de compra dos salários.

Um Acordo que, em contraponto, prevê e garante uma volumosa transferência de recursos públicos para o grande capital, para as multinacionais e os grupos económicos, quer através da concessão de novos benefícios fiscais que resultam numa efectiva redução da taxa do IRC, quer na inaceitável permissão de deduzir à colecta durante um ilimitado número de anos os prejuízos das empresas, quer, entre outras, pela via de fundos para a formação.

É nesta mesma direcção de favorecimento dos grandes interesses económicos que segue também a proposta de Orçamento do Estado do Governo do PS que confirmará e assegurará todas estas benesses e outras como as anunciadas medidas de apoio à redução dos custos da electricidade e do gás no valor de 3 mil milhões de euros, vendidas à opinião pública como sendo também para os consumidores domésticos, mas que afinal vão servir sobretudo as grandes empresas permitindo que continue a especulação dos preços.

Um Orçamento que não só agrava a injustiça fiscal, onde faltam as medidas que há muito se justificam de alívio para os rendimentos do trabalho, que passa por cima da necessária actualização dos limites dos escalões do IRS à taxa da inflação que se verificou em 2022, como segue a política de desvalorização real dos salários, das carreiras e profissões na Administração Pública, seguindo o caminho de empobrecimento delineado para o sector privado. Caminho que continua no que diz respeito às pensões e reformas, com a burla do corte na sua actualização prevista na Lei e se traduzirá na sua desvalorização e perda de poder de compra.

O PCP não pode deixar de considerar lamentável que o Governo PS insista na farsa da «revalorização salarial», como o fez, mais uma vez, o primeiro-ministro António Costa esta semana, quando é uma evidência a desvalorização salarial, no privado e no público.

Sim, esta é uma proposta de Orçamento que aprofundará o empobrecimento da maioria da população, que continuará a degradação do SNS e o favorecimento do negócio da doença, como se vê no alargamento do financiamento do Orçamento aos grupos privados da saúde para aquisição de serviços pelo Ministério da Saúde, aumentando estas verbas em cerca de 1700 milhões de euros em dois anos. Uma proposta que aprofundará a desresponsabilização do Governo pela Escola Pública. Que prossegue com a recusa da contratação de trabalhadores para os serviços públicos, nomeadamente para estes dois sectores – SNS e Escola Pública – e mantém a opção pela precariedade laboral e pelo recurso à externalização de serviços e às horas extraordinárias.

Uma proposta de Orçamento sem respostas de fundo aos problemas da habitação, aos direitos das crianças e dos pais, ao sector da cultura, às dificuldades de milhares de micro, pequenos e médios empresários.

Uma proposta de Orçamento que traduz a opção de reduzir a dívida e o défice por conta da redução do valor real dos salários e das pensões, pela desvalorização dos serviços e do investimento público.

De facto, trata-se de uma proposta de Orçamento que mantém níveis baixos de investimento público face ao que seria necessário para relançar a economia e melhorar os serviços públicos, deixando para o PRR o essencial do investimento.

Escasso investimento para as necessidades e que é agravado pela prática recorrente de não execução do investimento previsto, como se verifica em 2022, com o Governo a prever uma execução de mais de mil milhões de euros abaixo do orçamentado e em todos os anos anteriores. É dramático, os anos passam e os mesmos investimentos continuam no papel sem qualquer perspectiva de execução. Pelo contrário, em relação ao investimento por via do PRR, o que se avança e o que está na calha são novas transferências de recursos públicos de milhares de milhões de euros para os grupos económicos.

Assume igualmente preocupação o regresso às PPP novamente pela mão do PS, desta vez na ferrovia, como se anuncia para a alta velocidade e na saúde. Estas ditas parcerias em que o Estado paga a obra e paga uma renda ao privado, duplicando os custos desse mesmo investimento.

É esta a filosofia das contas certas. Contas certas de milhões para o capital que tem, na maioria absoluta do PS e na promoção do PSD, CDS, Chega e IL, instrumentos ao seu serviço.

A proposta de Orçamento do Estado para 2023 apresentada pelo Governo PS não pode deixar de ter a oposição do PCP. Uma oposição que se fará também com propostas que marcam a opção por uma política alternativa e que confrontarão o Governo com as soluções que existem para responder, de facto, aos problemas que atingem os trabalhadores e o povo.

O PCP não aceita este caminho de retrocesso e regressão social e lutará com os trabalhadores e o povo por um futuro com melhores condições de vida, certos de que o caminho necessário é outro.

Exigindo a concretização de medidas de emergência para o imediato e que passam pelo aumento geral dos salários e das pensões numa percentagem que assegure a reposição e valorização do poder de compra dos trabalhadores e dos reformados.

Pelo imediato tabelamento ou fixação de preços máximos de bens essenciais, designadamente energia, combustíveis e bens alimentares. Por medidas na habitação para conter o aumento dos encargos suportados pelas famílias com o crédito à habitação. 

Pela efectiva tributação extraordinária dos lucros dos grupos económicos de forma a que uma parte substancial dos milhares de milhões de euros de lucros acumulados desde o início do ano possam reverter para o reforço das políticas sociais e de combate ao custo de vida.

A situação que o País atravessa exige que, no Orçamento e para além dele, sejam tomadas medidas de valorização do trabalho e dos trabalhadores e o combate às injustiças e desigualdades; de reforço dos serviços públicos e das funções sociais do Estado e da sua capacidade de resposta a começar pelo SNS; de garantia do direito à habitação, aos transportes, a rede de creches, lares e outros equipamentos; de dinamização do investimento público, apoio aos sectores produtivos e às MPME; de aposta na produção nacional, desde logo na soberania alimentar, substituindo importações por produção nacional e pondo fim à liberalização da economia; assegure o direito a um ambiente saudável e ao equilíbrio ecológico, com o combate à mercantilização da natureza e a prevenção e mitigação dos efeitos das alterações climáticas.

Medidas que devem ser consideradas no âmbito de uma inadiável resposta de combate aos défices estruturais que se acumulam para defender e melhorar as condições de vida e assegurar o desenvolvimento e o futuro de Portugal, no fundo cumprir os direitos inscritos na Constituição da República.

A evolução da vida nacional mostra que Portugal precisa de uma outra política de desenvolvimento verdadeiramente alternativa, patriótica e de esquerda, liberta dos condicionamentos externos de submissão à União Europeia, ao Euro e ao capital monopolista, capaz de abrir caminho à solução dos problemas nacionais. Um caminho inseparável da intervenção do PCP e da luta dos trabalhadores e do povo.

Uma outra política que assuma na plenitude a defesa do regime democrático e o cumprimento da Constituição da República Portuguesa. Uma política que garanta os direitos dos cidadãos. Uma política que assegure e afirme o pleno direito do povo português de decidir do seu próprio destino.

A evolução da vida nacional coloca, como sempre, nas mãos dos trabalhadores e do povo a defesa dos seus direitos, a construção do seu futuro e o do País. A sua participação e luta é decisiva, assim foi e assim é. Tem particular significado e importância a luta dos trabalhadores e das populações que se desenvolve por todo o País e que daqui saudamos, em particular as grandes manifestações convocadas pela CGTP-IN que ontem se realizaram em Lisboa e no Porto. Uma luta que continua e continuará!

Face à negativa evolução da vida nacional a que assistimos, o PCP reafirma que os trabalhadores e o povo português não estão condenados à degradação das condições de vida, ao aumento da exploração e das injustiças sociais, que é necessário e possível uma vida melhor, uma sociedade mais justa, um Portugal desenvolvido e soberano.

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