Intervenção de Jorge Pires, membro da Comissão Política do Comité Central, Reunião Nacional de Quadros - Sector da Saúde

Objectivos da Reunião Nacional sobre Saúde


 
Para que estes dois objectivos possam ser atingidos, é fundamental fazer um levantamento rigoroso da situação com base nas diferentes realidades vividas hoje um pouco por todo o país, apontar soluções para os problemas e decidir sobre os caminhos e os meios para a sua concretização. 
 
Neste sentido vamos ter um conjunto de intervenções com que procuraremos enquadrar a discussão, mas que simultaneamente apontem propostas de solução para os problemas no curto prazo, - um plano urgente para salvar o SNS - mas também que, com o debate que certamente vão provocar, possamos enriquecer o projecto do Partido para a saúde em Portugal, num ano em que vamos realizar o XIX Congresso.  
 
O confronto de opiniões numa reunião onde estão profissionais de saúde  e os utentes do SNS, numa relação de complementaridade, só pode contribuir para uma visão mais completa da situação e para uma aferição das propostas que temos para apresentar ao povo Português. 
 
Há quatro grupos de questões que vou abordar nesta intervenção inicial e que resultam em primeiro lugar da avaliação que temos vindo a fazer na Comissão Nacional de Saúde ao estado da saúde em Portugal nas suas várias vertentes e em segundo lugar, da necessidade de aferir a sustentabilidade dos caminhos que apontamos para a resolução dos problemas que afectam o SNS.
 
O primeiro grupo de questões que vos quero colocar, resulta da constatação, creio que sobre esta questão não existem dúvidas, de que o actual governo deu inicio àquela que é a maior ofensiva política e ideológica contra o SNS, desde que este foi criado em 1979. 
 
Uma ofensiva sustentada no Pacto de Agressão e na sua orientação estratégica de reduzir de forma muito significativa o papel do Estado nesta área, mas também numa opção política e ideológica que tem na sua matriz a edificação em Portugal de um sistema de saúde a duas velocidades, tal como está inscrito no programa eleitoral do PSD e no programa do actual governo: um serviço público para os pobrezinhos que aparece com a formulação «plano de prestações garantidas» e outro com base na prestação de cuidados por privados assente em seguros de saúde e prestadores sociais. 
 
Os novos valores das taxas moderadoras, o estabelecimento de novas regras para a atribuição de isenções, as alterações verificadas nos apoios ao transporte de doentes não urgentes e o anúncio da alteração para breve do regime de comparticipações nos medicamentos, tendo sempre como critério de atribuição destes apoios o valor limite do rendimento das famílias até 1,5 o Indexante de Apoio Social (lAS), 628 euros, são elementos que confirmam que este projecto está em marcha.
 
Ou seja, famílias que não estejam integradas no grupo das que estão em insuficiência económica, não tem qualquer tipo de apoio.
 
Os compromissos assumidos nas PPP, os licenciamentos para a construção de novas unidades de saúde pelos grupos privados, a entrega da rede de cuidados continuados aos privados e à rede social ligada à igreja católica, bem como o alargamento da oferta de seguros de saúde privados que hoje já ultrapassa, em muito, os 2 milhões, bem como a mais que provável abertura a prazo dos Cuidados Primários aos privados, são igualmente medidas que vão paulatinamente transformando a saúde num grande negócio para os grupos privados neste sector.
 
Em 2011 já facturaram mais de mil milhões de euros.  
 
Um segundo grupo de questões que quero abordar resulta da necessidade de combatermos uma tese muito propalada pelos arautos da política de direita, com que procuram ganhar os portugueses para a ideia de que não é possível um país como Portugal ter um SNS com a matriz constitucional que o nosso tem, porque o país não gere os recursos necessários para o alimentar. 
 
Uma tese não provada, que associada a uma outra com que procuram promover o primado do privado sobre o público, uma ideia sustentada na falsa questão de que o privado faz sempre melhor e mais barato (veja-se a experiência do Amadora/Sintra ou a mais recente do Hospital de Braga), tem o objectivo de justificar o processo de privatização em curso.
 
Não só Portugal é dos países que integram a OCDE, que tem menos investimento público per capita na saúde,  apenas 4 países estão em situação pior, como os portugueses são dos que mais pagam directamente do seu bolso no conjunto da despesa total em saúde, cerca de 30% (1300 euros de acordo com a última conta satélite da saúde conhecida).
 
Outros países, como é o caso de Inglaterra e França, os cidadãos pagam 10% e 7% respectivamente.
 
Segundo notícias recentes, os privados já serão responsáveis por cerca de 40% das unidades de saúde em Portugal e os principais grupos tiveram uma facturação superior a 1000 milhões de euros em 2011. É uma evidência que neste momento se preparam para entrar nos cuidados primários, através da implementação das USF modelo C.
 
Nesta intensa e complexa batalha ideológica que travamos em defesa do serviço público de saúde, confrontamos-nos com um problema para o qual chamo a vossa atenção, que é a crescente hostilidade contra o serviço público e os seus profissionais.
 
Problemas como: a falta de médico de família; o excessivo tempo de espera para uma consulta da especialidade e para uma cirurgia; os custos das taxas moderadoras e dos medicamentos; a redução dos apoios no transporte de doentes; o caos nas urgências, estão na origem do crescente descontentamento de muitos utentes, que esmagados pelos muitos problemas com que hoje são confrontados na sua vida diária, com alguma facilidade são empurrados para o coro dos que defendem a ideia de que o SNS não está em condições de dar resposta aos problemas. 
 
É fundamental esclarecer em primeiro lugar, que os problemas causados aos utentes resultam de decisões políticas erradas, mas igualmente de decisões que se integram numa estratégia de privatização e em segundo lugar esclarecer, que a solução para os problemas não é privatizar, mas reforçar a capacidade do serviço público. 
 
No esclarecimento tem de ficar claro que o grande objectivo dos defensores da privatização é colocar ao alcance dos grupos privados uma parte significativa do dinheiro movimentado neste sector, que em 2008, de acordo com a última conta satélite publicada atingiu mais de 10% do PIB nacional – mais de 17.000 milhões de euros - e que para os privados a saúde é de facto um negócio. 
 
A grande aposta dos grupos privados é na doença.
 
Na nossa intervenção, mais do que procurarmos explicações para o porquê de pessoas que são claramente prejudicadas com esta política, aceitarem como válidas as falsas alternativas que lhes estão a ser impostas, o que nos interessa é convencê-las de que apesar de todos os problemas que afectam o SNS, a sua privatização representará um retrocesso civilizacional com consequências que sairiam muito caro aos portugueses no futuro.
 
Já hoje as barreiras erguidas no acesso aos cuidados de saúde, impedem um número cada vez mais significativo de portugueses de acederem aos cuidados de saúde. Com a privatização dois serviços a situação tenderá para um agravamento muito significativo.
 
Um terceiro grupo de questões que vos quero colocar, tem que ver com a rede de cuidados e a questão central da acessibilidade.  
 
Tal como o PCP há muito vem denunciando, a desvalorização da rede de cuidados primários com uma grande concentração dos investimentos nos cuidados hospitalares, levou à situação que temos hoje, que é o facto do SNS não conseguir resolver uma parte muito significativa das situações nos cuidados primários, empurrando para cima a solução dos problemas.
 
Se é verdade que em países como a Holanda mais de 90% das situações são resolvidas na rede de cuidados primários, a OMS considera aceitável que essa percentagem possa ser de 80%.  
 
As ditas reformas em curso nos cuidados primários e nos cuidados hospitalares, estão longe de corresponderem a esta necessidade, antes pelo contrário, o que se conhece da reforma hospitalar e de algumas situações concretas como a do Médio Tejo ou da Região Oeste, para já não falar de outras, as medidas vão claramente no sentido de tornar mais difícil a acessibilidade e prejudicar a qualidade do serviço prestado. 
 
Na nossa opinião e temo-lo afirmado repetidamente, a melhoria da organização hospitalar implica necessariamente a interligação aos Cuidados Primários de Saúde.
 
É fundamental a existência de um “mapa de saúde populacional” que identifique os problemas de saúde mais graves em cada região, que permita definir a rede de serviços necessária a cada região e os seus objectivos e os de cada unidade hospitalar, bem como melhorar o relacionamento e referenciação inter-hospitalar e a sua interligação com os cuidados primários e a intervenção na comunidade ao nível da saúde preventiva.
 
Por outro lado os ganhos em saúde alcançados com a Revolução de Abril estão estreitamente associados à rede de CSP. Ganhos em saúde que foram conseguidos contra a vontade dos defensores da prestação privada, cuja influência tem sido determinante na política dos sucessivos governos, política que se tem traduzido na desvalorização  dos cuidados primários.
 
Em nossa opinião a reforma que tem vindo a ser desenvolvida desde 2006 é parte integrante do processo de privatização de cuidados de saúde.
 
Para além de não estar a resolver o problema de fundo – permitir que todos os portugueses tenham acesso ao seu médico e enfermeiro de família - está assente em critérios de carácter voluntarista, com efeitos negativos na equidade no acesso, na relação contratual dos profissionais, na qualidade das condições de trabalho e na prestação de cuidados e na sustentabilidade global da rede de CSP. 
 
Em nossa opinião a Lei aprovada na AR, mas não implementada dos em 1999, a lei dos “centros de saúde terceira geração”, será um bom ponto de partida para uma boa reforma.
 
Uma quarta e última questão. A luta em defesa do SNS, um imperativo nacional.
 
Uma luta que coloque a defesa do SNS como um imperativo. 
 
Uma luta que se desenvolve para os trabalhadores da saúde em torno das questões laborais e profissionais e para os utentes em torno dos direitos no acesso aos cuidados de saúde, mas sempre numa perspectiva integrada, porque a resolução dos problemas com que ambos se confrontam depende em primeiro lugar da existência do SNS com a matriz constitucional do português.
 
As pequenas e grandes lutas levadas a cabo pelas populações, que nos últimos meses atingiram níveis elevados de participação  um pouco por todo o país, são o resultado do descontentamento acumulado na sociedade em relação à qualidade dos cuidados de saúde.
 
As comissões de utentes são o mais seguro instrumento da luta popular em defesa de um SNS de qualidade.