Intervenção de Bruno Dias na Assembleia de República, Interpelação ao Governo n.º 1/XV/1.ª

«O Governo tem de responder pelas opções políticas que insiste em manter face ao agudizar dos problemas nacionais»

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O PCP promoveu esta Interpelação ao Governo, centrada nas soluções para a defesa do poder de compra e das condições de vida dos trabalhadores e do povo, para que o Governo seja chamado a responder, perante a Assembleia e perante o País, pelas opções políticas que insiste em manter face ao agudizar dos problemas nacionais.

Partindo da vida concreta e da realidade do país, com esta iniciativa denunciamos as dificuldades crescentes com que os trabalhadores, os reformados e as populações se confrontam, damos voz às suas preocupações e anseios e apontamos o caminho das soluções que é preciso concretizar – desde logo travando o aumento de preços e assegurando o aumento dos salários e das pensões.

A cada dia que passa, o salário e a pensão ficam mais curtos para despesas cada vez maiores. Sobra cada vez mais mês no fim do salário!

A necessidade e urgência do aumento geral dos salários assume especial centralidade para dar resposta ao aumento do custo de vida. Com a escalada dos preços, muitos dos aumentos salariais verificados (incluindo o aumento do Salário Mínimo no princípio do ano para 705 euros, aquém do necessário) já foram anulados pela inflação nestes últimos meses.

É urgente, e indispensável, aumentar o Salário Mínimo Nacional – tendo como objetivo os 850 euros no curto prazo, com um aumento intercalar no imediato. Também assim, e desde logo com a negociação coletiva, valorizando direitos e carreiras, podemos aumentar os salários médios dos trabalhadores portugueses. Assim como é preciso recuperar e valorizar os salários dos trabalhadores da Administração Pública.

Mas se o aumento do salário é questão central nos tempos que correm, muito mais está por tratar na defesa do emprego com direitos – desde logo a exigência de erradicar a praga da precariedade.

A um posto de trabalho permanente tem de corresponder um contrato efetivo. A contratação a termo tem de ser a exceção e não a regra. Os contratos “especiais” de “muito curta duração” têm de acabar de uma vez por todas. Como tem de acabar esta regra infame de “períodos experimentais” de 180 dias.

Não podemos dar por perdido o poder de compra dos trabalhadores e a parte que lhes cabe na distribuição de riqueza!

No caso das reformas e pensões, a situação é igualmente grave com a inflação a ser já largamente superior ao aumento das pensões. O que os reformados vão esta semana receber de aumento na sua reforma não dá para fazer face ao custo de vida: continua a deixá-los com um poder de compra muito inferior ao que tinham em janeiro. 

A recuperação do poder de compra dos trabalhadores, dos reformados e pensionistas é uma necessidade imperativa de justiça social, mas também para dinamizar a procura interna, garantindo a atividade económica e o emprego com direitos.

Entretanto, não é aceitável que, perante a espiral de aumentos de preços que há praticamente um ano se vem verificando (agora ampliada pelas sanções a pretexto da guerra), o Governo recuse medidas de controlo e fixação de preços, em especial de bens e serviços essenciais, permitindo aos grupos económicos e multinacionais a acumulação de lucros de milhões, ao mesmo tempo que impõe a perda de poder de compra à imensa maioria da população.

O Governo recusa o aumento de salários e pensões, apesar da sua contínua erosão, agravada agora ainda mais pelo aumento das taxas de juro, e do seu inevitável impacto no aumento dos custos da habitação.

Durante meses tentaram convencer-nos da tese da “inflação conjuntural e transitória”! Que isto passava em pouco tempo e aumentar salários era errado por causa da “espiral inflacionista”.

Impuseram o que está a ser na prática e em termos reais, um corte de salários e pensões. Nós dissemos: quando a inflação era baixa, não se aumentava os salários porque não era preciso – quando os preços disparam, não se aumenta os salários por causa da inflação!

Agora, meses depois, o Primeiro-Ministro já veio dizer que «a má notícia para os portugueses é que infelizmente vamos continuar a ter inflação. (…) sim, os preços vão continuar a subir.»

Senhores membros do Governo: então como é?! Se dizem agora o contrário do que nos andaram a dizer, que explicação têm agora para manter esse esmagamento de salários?!

E sobre as consequências diretas dessa inflação, que medidas vão ser tomadas – desde logo nas rendas das casas? Vão permitir que a indexação do aumento das rendas a esta inflação galopante se traduza num aumento ainda mais insuportável para as pessoas? Ou vão agir para travar essa escalada? Vão finalmente intervir para defender os inquilinos, promover a estabilidade dos contratos, travar a especulação?

De uma penada, o Governo impõe a degradação generalizada das condições de vida, agrava brutalmente as injustiças e desigualdades sociais e sacrifica a economia nacional, tudo em benefício dos grupos económicos e das multinacionais.

A situação dos combustíveis é particularmente escandalosa.

Para não enfrentar as petrolíferas e não pôr em causa o famigerado mercado que lhes garante lucros colossais, o Governo recusa-se a tomar medidas de controlo e fixação de preços, permitindo a continuação de uma espiral de aumentos que dura há anos.

Há meses, o Governo PS recusou as propostas do PCP e preferiu alinhar na demagogia liberal de que o problema está apenas nos impostos e não na forma como os grupos económicos fixam os preços a seu bel-prazer. Decidiu então tomar medidas fiscais, vendendo a ilusão de que assim se esbatiam os aumentos dos preços pagos pelos consumidores.

Desde então, a receita que o Estado arrecadada com os impostos sobre os combustíveis pode ter eventualmente sido reduzida, mas os preços continuaram a subir – e os consumidores pagam hoje o gasóleo e a gasolina bem mais caros.

Quando falamos de aumentos dos combustíveis para os consumidores não estamos apenas a falar do transporte individual: estamos a falar de micro, pequenos e médios empresários, agricultores e pescadores, de corporações de bombeiros, de coletividades e instituições sociais.

É todo o País que é atingido e sacrificado em benefício das petrolíferas. São razões redobradas para pôr em prática as soluções propostas pelo PCP de controlo e fixação de preços.

Com estas opções políticas do Governo PS, desconsideram-se potencialidades e recursos que, devidamente aproveitados e postos ao serviço do País, permitiriam dar resposta a necessidades imediatas e pôr Portugal num caminho de produção, emprego, criação de riqueza e desenvolvimento.

Em matéria de produção nacional, designadamente agroalimentar, a situação não é menos preocupante.

A crescente dependência externa, com destaque para a produção agroalimentar, o aumento do custo de vida e a recusa em aumentar salários e pensões, as dificuldades no acesso à saúde ou a negação dos direitos das crianças e dos pais são exemplos incontornáveis das dificuldades que é preciso vencer e dos problemas que urge solucionar.

Apesar de Portugal dispor de importantes potencialidades e recursos produtivos, as últimas décadas caracterizaram-se pelo seu desaproveitamento e pela destruição do aparelho produtivo e da produção nacional, acentuando dependências externas que, sobretudo no contexto internacional que vivemos nos últimos anos, se têm revelado flagrantemente contrárias à garantia de satisfação das necessidades do povo e do País e de um rumo de desenvolvimento soberano para Portugal.

A essas dificuldades acrescentam-se agora as decorrentes do aumento acelerado e acentuado dos custos de fatores de produção e bens intermédios, de dificuldades nas cadeias de distribuição mundial e, no caso da produção agroalimentar, da seca que atinge o território nacional.

Perante esta realidade, o PS e o Governo fecham os olhos ao problema e recusam agir para o resolver. Continuam a fazer depender a alimentação dos portugueses da confiança na possibilidade de importar cereais e outros bens alimentares que, com algum investimento e uma política orientada nesse sentido, podia Portugal estar a produzir para si, em vez de comprar lá fora.

E, a par destas importantes questões, também os problemas no acesso aos serviços públicos e na sua capacidade de assegurar os direitos sociais universais que lhes correspondem têm constituído preocupações marcantes na vida nacional.

Nas dificuldades do Serviço Nacional de Saúde ou da Escola Pública, nas limitações da resposta da Segurança Social ou na falta de creches, são muitos e evidentes os exemplos de desinvestimento, subfinanciamento crónico e desvalorização dos serviços públicos como eixo central das opções da política de direita.

Senhor Presidente, Senhores Deputados, Senhores membros do Governo,

Esta política do Governo PS coloca Portugal numa situação de ainda maior vulnerabilidade face a previsíveis desenvolvimentos negativos da situação económica internacional. O Governo está em funções há 100 dias. Mas as ilusões que pudessem existir sobre a maioria absoluta do PS, e sobre as suas opções políticas, já ficaram pelo caminho há muito tempo.

É urgente inverter este rumo, e o PCP tem apresentado as propostas que apontam o sentido da solução destes problemas.

Com esta interpelação ao Governo, damos voz à luta dos trabalhadores de norte a sul do País, contra a exploração, o empobrecimento, o ataque aos direitos. Nessa luta por uma vida melhor está também a grande razão de esperança e confiança que ganha mais força.

A esta hora, milhares de trabalhadores de todos os sectores iniciam a sua marcha em direção a esta Assembleia, para fazer ouvir a sua voz e a justeza da sua luta.

Queremos daqui saudar estes trabalhadores, saudar a firmeza de quem sabe ter a força da razão e da unidade, e manifestar daqui desta sessão plenária a solidariedade de sempre do PCP.

Não ignoramos o peso de décadas de política de direita na dura realidade que enfrentamos, nem os obstáculos que constituem as opções do PS e a maioria absoluta com que suporta o Governo.

Mas, hoje como sempre, o PCP não desiste do País, não desiste de lutar pela política alternativa que é preciso pôr em prática para dar resposta aos problemas nacionais e assegurar um Portugal com futuro.

Disse.

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