Intervenção de Alma Rivera na Assembleia de República, Reunião Plenária

Declaração de voto do PCP sobre a provocação da morte antecipada

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A oposição do PCP em relação às iniciativas sobre a legalização da eutanásia que são hoje submetidas a votação final global é bem conhecida e ficou claramente expressa nos debates que aqui foram realizados nas duas últimas legislaturas.

Do que hoje se trata não é de repetir esses debates como se o processo legislativo que agora se conclui fosse uma novidade. O texto aprovado nesta Assembleia, contra o qual o PCP votou, foi declarado inconstitucional, e do que se trata hoje é da votação de um ajustamento a esse texto, feitos pelos proponentes, com o objetivo de ultrapassar as objeções de constitucionalidade feitas pelo Tribunal Constitucional.

O PCP vai manter o seu sentido de voto, mas não põe em causa a legitimidade inatacável da Assembleia da República para decidir sobre esta matéria. 

Se os termos agora propostos serão suficientes para resolver os problemas de inconstitucionalidade suscitados pelo Tribunal Constitucional, não sabemos. O PCP nunca colocou a sua discordância em relação à legalização da eutanásia no terreno controvertido da sua constitucionalidade. Sobre isso pronunciou-se o Tribunal Constitucional e poderá voltar a fazê-lo se a questão vier a ser suscitada por quem de direito.

Como já afirmámos nesta Assembleia, e hoje reafirmamos, a opção do PCP de votar contra a legalização da eutanásia não foi tomada de ânimo leve. Resulta de uma reflexão profunda sobre um tema que, pela sua complexidade, pelas inquietações que suscita e pela importância dos valores que estão em causa, dispensa qualquer atitude de arrogância intelectual ou qualquer invocação de superioridade moral.

O PCP sempre se recusou a encarar o debate sobre a eutanásia como uma guerra de religiões contra ateísmos ou da esquerda contra a direita. 
O que está em causa é uma opção legislativa e não um julgamento sobre consciências individuais. O que se decide é uma opção do Estado e não dos indivíduos. O que se decide não é sobre a opção individual de cada um sobre o fim da sua vida, mas a atitude a tomar pelo Estado relativamente à fase terminal da vida dos seus cidadãos. A autonomia individual é algo que deve ser respeitado, mas uma sociedade organizada não é uma mera soma de autonomias individuais. Não pode o legislador assumir uma opção legislativa sobre a vida e a morte das pessoas sem ter em conta as circunstâncias e as consequências sociais dessa opção.

Este não é um debate entre quem preza a dignidade da vida humana e quem a desvaloriza. A dignidade de cada ser humano perante as circunstâncias da sua própria morte é algo que ninguém está em condições de julgar. 

Não se discute aqui a dignidade individual seja de quem for. O que se discute é a questão de saber se um Estado que nega a muitos cidadãos os meios para viver dignamente lhes deve oferecer os meios legais para antecipar a morte.

O Estado Português não pode continuar a negar à maioria dos seus cidadãos os cuidados de saúde de que necessitam, particularmente nos momentos de maior sofrimento. A criação de uma rede de cuidados paliativos com caráter universal tem de ser uma prioridade absoluta. Um país não deve criar instrumentos legais para ajudar a morrer quando não garante condições materiais para ajudar a viver. 

Através de boas práticas médicas, que rejeitem o recurso à obstinação terapêutica e que respeitem a autonomia da vontade individual expressa através das manifestações antecipadas de vontade que a lei já permite, o dever do Estado é garantir que a morte seja sempre assistida, mas não que seja antecipada.

Num quadro em que, com frequência, o valor da vida humana surge relativizado em função de critérios de utilidade social, de interesses económicos, de responsabilidades e encargos familiares ou de gastos públicos, a legalização da eutanásia acrescentará novos riscos que não podemos iludir.

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