Caros amigos e camaradas,
Começo por uma calorosa e grata saudação a todos. Pessoalmente grata, porque me rejuvenesce, e porque esta iniciativa me transporta a mais do que a 20 anos atrás, a outro Maio – ao de 1998 –, à sessão do Parlamento Europeu, em que foi votada a criação do euro e do Banco Central Europeu pela única instituição da estrutura comunitária de representantes eleitos pelos povos.
Será o passado… um pouco anterior à data de pôr em circulação a nova moeda.
Em coerência com a nossa leitura da História, ao tomar posição sobre os factos, importa conhecer antecedentes, saber como se chegou a eles, o seu porquê e com que intenções.
Com a criação da União Económica e Monetária, o capitalismo transnacional procurava superar, no âmbito da integração europeia, uma crise presente e latente que, com a declaração unilateral da inconvertibilidade do dólar (Nixon, 15 de Agosto de 1971) se desmantelava, de facto, o sistema financeiro internacional criado em Bretton-Woods em 1944, que perdia a sua base de sustentação material, o dólar convertível.
Depois da fracassada tentativa de uma moeda única a 6 Estados, a unidade de conta écu, com faixas de oscilação das taxas de cambial das moedas nacionais no espaço a 12 Estados-membros, fora remendo, e não remédio, para algum controlo e estabilidade cambial no mercado interno, que entretanto se viria a criar e, para essa arrastada crise monetária, o euro também se apresentava como regional emenda, ou até eventual substituto ou complemento.
Foi, no entanto, avanço num descaminho, e não se podia esperar que o euro, tal como criado e enquanto instrumento, ajudasse a superar a crise monetária-financeira larvar. Não só o euro… também o BCE, enquanto instituição criada com seus objectivos e competências federalizantes, à margem de qualquer resquício de democraticidade.
Eram mecanismos – instrumento-moeda e instituição-banco – impostos sem controlo das soberanias nacionais ou de outras instituições comunitárias com vínculos (ainda que indirectos) aos povos dos Estados-membros. Mas, evidentemente, com controlo directo e submissão ao capital financeiro transnacional… Todo o poder à banca!
A criação da moeda única e do BCE foi um momento numa fase do sistema que procurava, pela especulação financeira, da armadilha da dívida, sobreviver, contrariar o que resulta da sua própria dinâmica, com leis tendenciais que impedem a acumulação de capital material como fruto – e único alimento real – de uma relação social que o define como sistema.
Teve o maior significado, como frente de luta, a nossa participação em todo o processo, de avaliação, de critérios e actos formais para adopção. Um acompanhamento a par e passo, denunciando argumentos e intenções.
Se, na correlação de forças de então, se entendia a UEM como uma imposição de classe, como via de precária superação da crise financeira-bancária latente, e agravando contradições intrínsecas, quer a nossa participação, quer a votação, só podiam ser, também, uma resposta de classe.
O voto do PCP no Parlamento Europeu foi a expressão de uma posição sobre o modo como o projecto foi conduzido, ao serviço de que interesses.
A declaração de voto de 2 de Maio de 98, não foi um voto contra a estabilidade de preços, o equilíbrio orçamental, o controlo da dívida; foi, sim, um voto contra a futura utilização de instrumentos e instituições para impor estratégias que, como está na declaração, iriam prosseguir e agravar a concentração da riqueza, tornar estrutural o desemprego, agudizar assimetrias e desigualdades, criar maior e nova pobreza e exclusão sociais, diminuir as soberanias nacionais e acrescer défices democráticos. Agravariam, foi dito!, a crise financeira e provocariam explosões periódicas.
Foi sublinhado, também, que o voto prevenia o decorrente privilégio de zonas geográfico-monetárias e a partilha de influência entre grandes famílias partidárias, numa evidente polarização do poder, que viria a condicionar todas as políticas dos Estados-enquanto Estados-membros, e contribuiria para a dependência da outra moeda, o dólar, que se mantinha o instrumento monetário embora desmaterializado, elemento da submissão a uma unilateralidade alcunhada de globalização.
Foi essa, então, a posição do PCP, dos seus deputados no Parlamento Europeu, em defesa de um Portugal soberano. Nesse voto contra, foram acompanhados por mais 62 outros deputados, num total de 65 votos, ainda com mais 24 abstenções.
No presente, nestes vividos e aqui assinalados vinte anos de existência como moeda em circulação, confirma-se o que foi declarado a justificar o voto, sem a alegria mas com a tranquilidade e a força que dá ter tido razão nas consequências previstas, porque previsíveis.
Bem diferente foi a posição de alguns que festejaram euforicamente o que chamaram (cito) “acontecimento singular”, que orgulhosamente colocava Portugal “na primeira fila dos países fundadores” (do euro), não obstante, neste presente, agora descubram ou não conseguem negar – e até, por vezes, denunciam, escandalizados… – o que etiquetaram e anatematizaram como presságios de mau augúrio, que a realidade veio, afinal, confirmar. Com todos os gravíssimos danos sociais, humanitários, que se confrontam. Hoje!
Como necessariamente deriva do que se testemunha com o que se viveu, deve dar-se a maior importância ao passado e ao presente, para fundar e dar sentido à luta que continua no futuro. Um futuro para que se tem Partido
A revisita ao que passou pode dar argumentos e força para desmascarar o rumo que pretendem manter, de concentração e de centralização, a cada passo mais anti-democrático, coberto do verniz de mentira e do manto da demagogia perigosamente enganadores.
Os momentos que se vivem dão preocupantes sinais do aproveitamento da dimensão histórica (e os dedos e a voz soltam-se para dizerem histérica), da dimensão destes momentos para imporem a irracionalidade comprovada pelo passado e pelo presente.
A acabada de realizar Conferência sobre o Futuro da (dita) Europa, como se insiste até à exaustão a chamar à União Europeia, reflectiu as prioridades de quem manda na Europa na ausência de verdadeira informação, debate e participação.
Como se poderiam enumerar – o que faria transbordar o tempo desta intervenção e nem assim seria exaustiva –, não faltam exemplos dos objectivos e políticas federalistas, neoliberais, militaristas, de um processo de integração comunitária de Estados-membros soberanos, que vão sendo esvaziados do que compõe essas soberanias.
Cada vez mais à margem da participação dos povos, estes não são sujeitos mas sim objecto de uma propaganda manipuladora que substituí a informação.
No entanto, tal não parece suficientemente eficaz, pois essa propaganda é acompanhada de diminuição, tendente à anulação, das circunstâncias em que as decisões exigem unanimidade dos Estados soberanos e necessitam de ratificação democrática, com intervenção directa dos povos.
Em tempos, muito se falou e debateu uma política europeia de segurança e cooperação-PESC, de algum modo se saudou a criação de uma Organização de Segurança e Cooperação Europeias, em 1975, que, por exemplo, teve intervenção activa nos acordos de Minsk, de 2014.
Assim como as segurança e cooperação europeias se confundem e submetem numa organização criada como militarista e agressiva com âmbito do Atlântico Norte mas se assume como universal, também a moeda única, que retirou soberanias financeira-monetárias, orçamentais aos Estados, que destruiu economias nacionais num contexto de internacionalização, essa moeda, tal como criada, se apagou num sistema financeiro dominado por uma moeda que nem moeda é, mas um papel verde, que tem inscrita uma frase-aviso in God we trust.
A Europa – e nesta referência é mesmo a Europa – parece alheia, parece ignorar que noutras partes do mundo, nesta oportunidade ou por força das circunstâncias, se procuram soluções para as relações económicas internacionais do futuro, fora do domínio desse pseudo-instrumento que se baseia numa fidúcia que não merece nenhuma confiança (material) e apenas se sustenta pela força das armas, do complexo industrial-militar. Que é um grande perigo, um enorme perigo para a Humanidade.
Num mundo cada vez mais interdependente, recuperar a soberania nacional sobre um instrumento financeiro, fora do jogo de taxas de juro alienígenas, colocá-lo ao serviço de uma economia que promova o investimento, aproveite os recursos próprios no respeito pelo ambiente, incremente a produção, tenha por objectivo a melhoria das condições de trabalho e de vida dos trabalhadores e das populações, é também necessária, talvez indispensável, para a luta pela Paz.