Intervenção de João Delgado, Pescador, Seminário «O Euro e a União Económica e Monetária. Constrangimentos e Rupturas»

A adesão à moeda única e a grave crise do sistema financeiro criaram a tempestade perfeita que atirou milhares de pescadores para o desemprego

Agradecer em especial aos companheiros vindos de outros países da Europa para que em conjunto reflitamos sobre os impactos do euro em cada país e de que forma iremos sair desta realidade.

Relativamente à matéria, sobre a qual hoje aqui refletimos, “O euro e a União Económica e monetária: constrangimentos e ruturas”, no que ao setor das pescas em Portugal diz respeito, os constrangimentos foram e continuam a ser enormes e as ruturas exigem-se a breve trecho, pois está em causa a sobrevivência de um sector estratégico para Portugal, um fator central de soberania alimentar, uma questão elementar para a independência do país, um elemento incontornável que vincula os nossos povos a uma cultura milenar e a um fator de coesão social e económico das comunidades costeiras.

O que a CEE, com a adesão de Portugal em 1986, trouxe de nefasto ao sector piscatório nacional veio a agravar-se tremendamente a partir do início da década de noventa com a liberalização do mercado e com a livre circulação de capitais e mercadorias na zona Euro. A adesão à moeda única e a grave crise do sistema financeiro que se acentuou a partir de 2008, criaram a tempestade perfeita que atirou milhares de pescadores para o desemprego, o abandono de atividade, centenas e centenas de embarcações nunca mais regressaram ao mar, centenas de oficinas de assistência ao sector encerraram, vários estaleiros navais acabaram em definitivo, e as comunidades piscatórias, desde 1986 até hoje, ficaram incomparavelmente mais pobres e vulneráveis, menos coesas socialmente, ou seja, a antítese daquilo que nos prometiam.

No mar, costumamos dizer que é na tempestade que se vê a verdadeira natureza das pessoas, assim, também podemos afirmar, que é nas crises que se vê a verdadeira natureza dos sistemas e dos seus executores. Com a crise que eles próprios criaram, não à falta de avisos do PCP, ficaram a nu todas as contradições deste sistema. Um sistema pernicioso! Encapotadas que foram as suas verdadeiras intenções de concentrar capital, monopolizar a produção e comércio num diretório de potências do centro da europa, dizimando pelo caminho vidas inteiras de trabalhadores dos países, daquilo que consideram a periferia da europa, com toda a carga pejorativa que isso possa ter, legitimando assim os constantes laivos e sonhos antigos de domínio imperialista e de visão colonial destes proponentes.

Deste modo, e utilizando os seus discípulos – autómatos, fiéis e subservientes, que fizeram parte dos governos dos últimos 38 anos, leia-se – PS, PSD e CDS, aplicando com afinco as políticas de direita que se traduziram naquilo que temos hoje. Um país amordaçado, espartilhado, dependente, que vê a sua população a emigrar em massa - principalmente jovens qualificados -, que aceita de bom grado ter 2,8 milhões de pobres, que desmantela a sua capacidade produtiva, que corta nas funções sociais do estado e nos rendimentos de quem trabalha e das pensões, em suma, um país que se abandona sem capacidade de dizer basta!

Como tal, desde 1986, assistimos no sector das pescas a um franco declínio que foi decisivamente acelerado com a adesão ao euro. O impacto da nossa economia com as economias do centro da europa foi um desastre para o país, um erro político e económico com consequências devastadoras.

Assistimos desde a adesão ao euro a uma explosão dos custos dos fatores de produção, nomeadamente dos combustíveis, fator determinante na redistribuição da riqueza criada nos setor piscatório. Assim como assistimos a aumentos brutais dos bens essenciais e do custo de vida, enquanto se reduziam os salários, as pensões e o desemprego galopava.

A concorrência, tão defendida pela economia dominante, foi sendo desfeita pelos mecanismos de estado, tão abominado por este tipo de economia, mas que lhes serve e prepara o caminho, acabando com milhares de micro comerciantes de pescado (as tradicionais peixeiras), deixando nas mãos dos grandes grossistas e das cadeias de supermercados o monopólio de comercialização de produtos da pesca.

Como o grande capital é a todos os níveis insaciável, não se cansa de comprar a cêntimos o peixe que, passados alguns minutos, não mais que isso, se vende com margens de lucro que chegam aos 2, 3 e 4 mil por cento.

Por isso, defendemos a regulação da primeira venda em lota e a instauração de margens máximas de lucro à comercialização como forma de esbater esta tremenda injustiça.

Olhar hoje para uma lota em qualquer ponto do país é um cenário desolador. No final da década de 80, eram centenas de pessoas que licitavam peixe no leilão, a qualquer hora, até a lota encerrar. Hoje, estão lá sempre os mesmos – os grandes, os insaciáveis, os que não têm pejo em verificar que a sua ação desumana, atira milhares de pescadores e suas famílias para situações críticas – já não falamos de equilíbrio nos rendimentos, já não falamos na negociação de contratos coletivos de trabalho, já não falamos de reconhecimento social da profissão – ainda que tudo isto signifique tanto para nós – mas olhando a realidade concreta, hoje já falamos em questões de recuperação física e mental, que confira alguma dignidade humana a milhares de excluídos sociais, que foi aquilo em que se transformaram milhares de trabalhadores da pesca.

A União Económica e Monetária e os seus mecanismos vários de empobrecimento, de exploração dos trabalhadores e de submissão dos estados tornou-se numa máquina infernal.

Foi nesta máquina que foram fabricados os seguintes resultados e nunca é demais referi-los:

O número de profissionais do setor das pescas em 1986 rondava os 41 mil, em 2013, eram apenas 16.797; Embarcações em 1986 – 16.200/ 2013 – 8.232;

Hoje, importamos cerca de 60% do que consumimos, em 1986 produzíamos cerca de 70% das nossas necessidades;

Referir ainda que, o saldo da balança comercial em 2014 é negativo na ordem dos 664,5 milhões de euros. O que justifica a necessidade de fortalecer a produção no sector.

Mesmo com todas estas condicionantes, concorrendo de forma absolutamente desigual com outras frotas europeias, o setor pesqueiro português ainda é responsável por cerca de 2,4% do PIB nacional, correspondendo a cerca de 8 mil milhões de euros e estima-se que possa dar emprego a 100 mil pessoas direta e indiretamente, o que significa 2,3% da população ativa em Portugal.

Este setor faz de Portugal um dos maiores exportadores europeus de pescado. De 2010 a 2012, apesar de todas as condicionantes referidas e da crise mundial, as exportações de produtos da pesca tiveram um acréscimo de 41 milhões de euros.

Com este cenário, com a sociedade completamente descapitalizada para aceder a produtos da pesca, com o controlo monopolista dos comerciantes e com a apatia do estado Português face a este cenário, com os níveis de risco que a profissão acarreta (sendo o sector com mais sinistralidade no mundo do trabalho), com os salários residuais, com uma esperança média de vida inferior aos outros grupos profissionais, antevemos, a breve prazo, um desastre social, económico e cultural nas comunidades mais dependentes da pesca.

Por isso, impõem-se as ruturas sérias!

Desta forma, reclamamos a recuperação da soberania monetária e a via de emissão de moeda como variável de ajustamento face a situações de crise.
Assim, defendemos que se estude as melhores formas de preparar o país para uma saída do euro. Sabemos de antemão, que só um governo patriótico e de esquerda será capaz de fazer esta transição sem que sejam os povos e os trabalhadores a pagar mais uma vez as faturas da implosão deste sistema tal como pagaram fortemente os custos da sua edificação.

Nesta, como noutras questões, a vida e crueza dos dias passados de forma vinculada às realidades concretas, deram e continuam a dar razão às orientações, reflexões e políticas defendidas pelo PCP ao longo da sua História.

Devemos continuar a luta no sentido de fazer com que a população reconheça, assuma e leve até ao voto a convicção de que existem alternativas políticas e políticas alternativas, defendidas por um partido, que não tem feito outra coisa, que não seja alertar, esclarecer, formar, dar as costas, o peito e a vida dos seus militantes em defesa do povo, dos trabalhadores e dos superiores interesses do nosso País!

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