Declaração de Vasco Cardoso, Membro da Comissão Política do Comité Central, Conferência de Imprensa

Sobre a política energética e medidas a adoptar já no próximo Orçamento do Estado

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1. A política energética em Portugal está hoje subordinada aos interesses dos grupos monopolistas. Esse é o resultado de opções, no passado, de privatização das grandes empresas energéticas, como a EDP, a REN, a Galp ou a Transgás, do desmantelamento de algumas como a EDP, da liberalização dos mercados energéticos, do insuficiente e desadequado aproveitamento dos recursos endógenos, de um sistema de transportes que não responde e do desmantelamento do sistema de planeamento e controlo público do sistema energético nacional. São estas opções neoliberais de sucessivos governos a causa:

- De Portugal ter, como os dados estatísticos do Eurostat regularmente informam, preços antes e depois de impostos, na energia eléctrica, nos combustíveis e no gás natural, dos mais elevados na União Europeia, com impacto agravado nas condições de vida no povo português;

- De uma elevada dependência do petróleo/combustíveis fósseis que pesa na balança comercial e no endividamento do País;

- De custos energéticos excessivos, com consequências graves na competitividade das nossas empresas, ao mesmo tempo que os grandes grupos económicos do sector arrecadam lucros monopolistas.

2. Há muito que o PCP tem vindo a denunciar a necessidade de romper com a política de direita que tem conduzido as opções em matéria de energia. Política que entregou, numa matéria que é crucial para a soberania, os principais instrumentos de intervenção e regulação dos mercados energéticos nas mãos de grupos económicos monopolistas, dominados por capital estrangeiro.

As chamadas entidades reguladoras, nesta área, a Autoridade da Concorrência e a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), criadas no âmbito dessa política, supostamente para defender os interesses públicos e dos consumidores de energia, mostraram-se uma completa fraude, impotentes perante o poder dominante dos mercados pelo capital monopolista, quando não cúmplices dos seus interesses. Justificando em simultâneo a não intervenção do poder político de sucessivos governos «escondidos» atrás da suposta independência dessas entidades. Se dúvidas houvesse, as escandalosas revelações vindas a público na Comissão de Inquérito Parlamentar às «Rendas Excessivas», ditam uma sentença definitiva, sem apelo nem agravo, da actuação das ditas entidades reguladoras.

É tudo isto que explica a permanência da cartelização dos preços dos combustíveis anos a fio. Ou a existência dessas “rendas excessivas”, assentes numa produção de energia eléctrica em regime especial (PRE) com tarifas desadequadamente subsidiadas e contratos leoninos, como os CAE, «inventados» para favorecer a privatização, e transformados a partir de 2005 em CMEC, que asseguram superlucros a empresas como a EDP.

É essa a principal razão do atraso gigantesco na promoção da melhoria da eficiência energética em várias dimensões, incluindo em todo o parque edificado e, fundamentalmente, nos edifícios públicos. A par da não aceleração da redução da intensidade energética nas actividades económicas, longe do necessário e possível.

É a política de direita nos transportes mas também na energia que se tem mostrado nada interessada numa transformação radical do sistema de transportes, apostando na sua sustentabilidade social, económica e ambiental, com a devida aposta nos transportes colectivos públicos e no modo carril de tracção eléctrica, nomeadamente com os necessários investimentos nos transportes ferroviários e extensão e desenvolvimento dos metros.

É a mesma política que dá incentivos à compra do automóvel eléctrico que se mostra renitente à criação de um passe social de largo espectro, barato e incentivador do transporte público. É uma política que continua a privilegiar o transporte privado, individual, em modo rodoviário, movido a gasóleo/gasolina, também ele pensado como fonte de arrecadação de receitas fiscais.

É mesma política que há dezenas de anos se mostra demissionária face ao boicote das petrolíferas, perante a necessidade da criação de redes nacionais de distribuição de Gás Natural Comprimido (GNC) e do Gás Natural Liquefeito (GNL) que poderiam constituir uma verdadeira alternativa concorrencial à gasolina e ao gasóleo, apesar das resoluções nesse sentido aprovadas na Assembleia da República.

É a mesma política que tem como autores e executantes o PS, o PSD e o CDS, ora no governo, ora na oposição, mas convergindo sempre na cedência perante os interesses dos monopólios e na submissão às imposições da União Europeia.

3. A situação actual reclama, como tantas vezes temos afirmado, uma ruptura com este percurso: recuperar o controlo público destas empresas – EDP, REN e GALP; repor preços regulados, ao nível dos valores médios dos países da Zona Euro; reforçar o investimento para o aproveitamento, investigação e aprovisionamento de energia e retomar um plano estratégico nacional para a energia, articulado com a política de transportes, de ambiente, de ordenamento do território, de fomento da produção nacional. É por essa política que o PCP se tem batido e continuará a bater, ao mesmo tempo que não desperdiçará nenhuma possibilidade de avanços positivos, tanto nesta, como em outras matérias.

4. Nos últimos anos, com o afastamento do Governo PSD/CDS, se é verdade que foi possível avançar com várias medidas de reposição e conquista de direitos e rendimentos para os trabalhadores e o povo português, não é menos verdade que, em matéria de energia, o Governo minoritário do PS não rompeu com os eixos estruturantes da política de direita.

Em Orçamentos do Estado anteriores, por iniciativa do PCP, foi possível entre outras medidas, avançar com apoios aos combustíveis para as pescas e agricultura; algumas medidas de contenção de custos transferidos para as tarifas eléctricas; possibilidade dos consumidores de electricidade regressarem ao mercado regulado; passagem dos custos dos consumidores com as tarifas sociais no GN para as empresas comercializadoras; criação de uma agência fiscalizadora do sector energético; redução do preço do Gás de Botija (ainda sem concretização) e início do processo de limitação dos custos com os CAE/CMEC. Passos que foram e são limitados e insuficientes, mas que apontam um caminho que importa aprofundar.

O PCP não desiste da possibilidade de inscrever novos avanços que o País precisa em matéria de preços da energia.

Continuando a reclamar que o Governo dê cumprimento às recomendações aprovadas na Resolução da Assembleia da República nº 240/2016 de 26 de Dezembro, o próximo Orçamento do Estado é uma oportunidade, ainda que limitada, de dar resposta a problemas que estão colocados. Nomeadamente:

- Assegurar a redução do IVA sobre a electricidade e o gás natural de 23% para 6%, revertendo o aumento que o Governo PSD/CDS impôs no IVA sobre a electricidade e o gás natural-, bem como, a redução do IVA sobre o gás de botija que sempre teve a taxa máxima.

- Em relação ao Gás de Botija, o PCP irá bater-se pela concretização de uma redução efectiva dos preços por via da sua regulação, tal como ficou inscrito no OE 2018. Os elevados preços do propano e butano não levantam apenas o problema do seu acesso pelas famílias pobres (a resolver com uma «botija social»), porque é também uma questão de margens excessivas das petrolíferas, e logo de «rendas excessivas», atingindo todos os consumidores e actividades económicas como a restauração.

- No plano do gasóleo insistiremos na redução da taxa de incorporação obrigatória dos biocombustíveis dos actuais 7,5% para a taxa de 5,5% - não é aceitável que se tenha como obrigatória uma taxa de incorporação superior à praticada em Espanha.

- No plano do apoio aos sectores produtivos, insistiremos na ampliação do universo e dimensão dos benefícios já atribuídos a actividades como a agricultura, as pescas e outras.

- Eliminação da dupla tributação do IVA sobre os combustíveis e a limitação do adicional do ISP, às variações significativas dos preços dos combustíveis fósseis, com reflexo na receita do IVA.

- Inscrever como medidas a concretizar em 2019 a análise das bonificações actuais das tarifas de toda a produção de energia eléctrica contratualizada em PRE face ao amadurecimento das tecnologias utilizadas, com a correspondente redução de custos dos equipamentos e dimensão dos investimentos. É necessário reexaminar situações de contratos manifestamente desactualizados, com elevados prejuízos públicos.

- Concretizar, no desenvolvimento dos processos em curso de análise da sobrecompensação de CAE/CMEC no passado e do seu resgate definitivo em 2019, descontos efectivos no valor das tarifas a vigorar em 2019.

5. Conscientes das resistências que o Governo minoritário do PS assume nesta matéria e da sua opção de convergir com PSD e CDS na defesa dos interesses dos grupos económicos, mas ao mesmo tempo determinado em responder aos problemas dos trabalhadores, do Povo e do País, o PCP irá intervir para a concretização destas propostas.

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