Intervenção de

Sessão solene de comemoração do 25 de Abril - Intervenção de Bernardino Soares na AR

Declaração política, condenando as palavras do Presidente da República, proferidas na sessão solene de  comemoração do 25 de Abril, relativas à forma de celebração daquela data

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Não é costume fazerem-se discursos sobre o 25 de Abril no dia 26. No entanto, algumas afirmações em relação às comemorações de ontem e os desenvolvimentos que muitos se apressaram a fazer sobre elas merecem resposta imediata.

Durante os últimos dias, e tendo desde ontem como referência a intervenção do Sr. Presidente da República na sessão solene do 33º aniversário do 25 de Abril, desenvolveu-se a teoria da chamada rotina das comemorações, como base da proposta de uma inovação que ninguém afinal concretizou.

Dizer que as comemorações do 25 de Abril caíram na rotina assenta num de dois pressupostos: na ideia de que as comemorações se reduzem, no fundamental, à sessão solene da Assembleia da República e na ideia de que a própria sessão se «afundou» num mero e fastidioso cumprimento burocrático do calendário.

Ora, nenhuma das duas é verdadeira. Ambas as ideias estão erradas. Em primeiro lugar, porque as comemorações do 25 de Abril se multiplicam das mais diversas formas por todo o País.

Com espectáculos, exposições, palestras, edições, filmes, festas e arraiais, com convívios, debates, com iniciativas de associações, de autarquias e instituições, até com a oportuna abertura pela GNR do Quartel do Carmo à população, visitado ontem por milhares de pessoas.

E, sobretudo, com os desfiles e concentrações populares que, em vários pontos do País, mobilizaram centenas de milhares de pessoas, com destaque para o que durante várias horas desceu a Avenida da Liberdade em Lisboa.

Nada disto foi rotina, nem no conteúdo, nem na forma, nem sequer na forma como participaram os portugueses. O que, de facto, é extraordinário é que, 33 anos depois da Revolução, se mantenha tão vivo e presente o espírito do 25 de Abril.

Mas não fujamos à questão. Há entre os jovens portugueses uma carência de conhecimento sobre o significado e a importância da Revolução de Abril. Mas este alheamento e desconhecimento radica certamente, em boa parte, na forma como foi desvalorizado, ao longo dos anos no ensino, o 25 de Abril, o que é da responsabilidade dos sucessivos governos que com isso pactuaram, quando não incentivaram, incluindo os governos do PSD de 1985 a 1995.

O desconhecimento do 25 de Abril em muitos sectores da população juvenil não é obra do acaso, mas consequência das políticas educativas e também, obviamente, da negação dos direitos que a Revolução de Abril lhes prometeu.

Aliás, os jovens e o 25 de Abril foram tema forte das comemorações, seja a partir da intervenção do Sr. Presidente da República, seja através de trabalhos de vários órgãos de comunicação social, procurando abordar a questão. Alguns manipularam milimetricamente o tema, mostrando apenas entrevistas de gente mais idosa ou até transformando a real imagem de milhares de pessoas a desfilar na Avenida da Liberdade, de todas as idades, incluindo muitos milhares de jovens, na imagem de capa de um homem idoso e só no meio de uma avenida vazia.

Na sua intervenção de ontem, o Sr. Presidente da República quis referir-se apenas aos casos de sucesso de jovens portugueses. Optou por não se referir às centenas de milhares que são alvos preferenciais do desemprego ou a tantos outros que enfrentam a precariedade crescente dos vínculos laborais e que, por isso, vivem uma vida sempre incerta e «a prazo».

Talvez encontrasse aí a explicação para o desencanto com a política a que se referiu. Estes jovens são vítimas da política de direita de sucessivos governos, apostada em impor o trabalho sem direitos às novas gerações e cujas orientações económicas agravam o desemprego, em flagrante contraste com a norma constitucional, inscrita como um direito fundamental, que diz que «é garantida aos trabalhadores a segurança no emprego».

Resta, finalmente, a questão da sessão solene. A sessão solene da Assembleia da República no 25 de Abril, na Assembleia da República, é sem dúvida, em parte, um ritual, mas um ritual democrático cheio de conteúdo e significado. É um ritual, não uma rotina.

Representa a celebração de um acontecimento fundador da sociedade portuguesa actual. Tem, certamente, sempre um conteúdo de memória e de balanço, mas inegavelmente complementado pela perspectiva do futuro.

Rejeitamos, por isso, as pouco inocentes ideias de que a sessão solene é «um bocejo», uma rotina

habitual, uma maçada a que ninguém liga. Não somos fechados à inovação, mas rejeitamos que, «à boleia» da suposta inovação, se acoberte uma desejada desvalorização do acontecimento e do seu significado.

Não é fácil vislumbrar as alterações virtuosas no esquema da sessão. Para além de alterações de pormenor sempre possíveis, o que retiraríamos? A parada militar? O convite às altas individualidades do Estado? A justa e bela abundância de cravos vermelhos na Sala?

Talvez alguns desejassem que se limitassem os discursos, designadamente os dos partidos. É certo que, por vezes, há discursos aqui feitos que quase poderiam ser feitos noutro qualquer dia ou lugar e que até esquecem a mais que justa referência aos Capitães de Abril.

A liberdade é de todos, e muitos lutaram por ela, mas foi o acto heróico dos Capitães de Abril que fez «nascer um País do ventre de uma chaimite».

A sessão solene de comemoração do 25 de Abril tem um amplo conteúdo político. Isso mesmo se provou ontem. Na sessão de ontem, e na diversidade das suas perspectivas políticas mesmo sobre o significado da Revolução, todos trouxeram aquilo que consideram mais relevante no momento político actual. Assim, tivemos a questão da segurança das populações, da liberdade e da organização da justiça, do desenvolvimento económico ou da falta dele, das desigualdades, dos direitos dos trabalhadores, do desemprego e da precariedade, dos direitos das mulheres, do referendo europeu ou da reforma do Parlamento. Foi uma sessão de elevado conteúdo político, fazendo o balanço dos 33 anos de democracia, mas olhando para o presente e para o futuro.

Esse conteúdo político dignifica as comemorações de Abril. Alguns gostariam que as comemorações tivessem o mínimo conteúdo político possível e, para isso, desejariam a desvalorização da sessão política na Assembleia da República. Aí, sim, a sessão seria uma efeméride apenas e não a mais relevante comemoração.

A sessão solene de comemoração do 25 de Abril não deixa esquecer que a Assembleia da República, sede da democracia e do pluralismo, é filha e consequência da Revolução de Abril. Não deixa esquecer que os partidos políticos são agentes essenciais da nossa democracia, tal como a nossa Constituição estabelece.

Assim a defenderemos como parte integrante das comemorações de Abril, com o mesmo empenho e prazer com que depois desfilamos a liberdade pela avenida.

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