Projecto de Lei N.º 84/XIII/1.ª

Reversão do Hospital de S. Paulo, em Serpa, para o Ministério da Saúde

O hospital de S. Paulo em Serpa foi integrado nos serviços hospitalares oficiais em 1974, num processo surgido da Revolução do 25 de Abril de 1974, com o objetivo da criação de um serviço público de saúde universal e com cobertura nacional. A integração dos hospitais centrais e distritais administrados pelas Misericórdias no Estado foi oficializado pelo Decreto- Lei nº 704/74, de 7 de dezembro.

Quando se deu o processo de integração muitas das instalações encontravam-se em estado de elevada degradação e com equipamentos obsoletos, o que obrigou o Estado a proceder a requalificações, ampliações e a aquisição de equipamentos tecnologicamente mais avançados para poder prestar cuidados de saúde de qualidade. Tais intervenções implicaram um investimento público avultado, suportado por dinheiros públicos e para benefício da saúde dos utentes. Desde o processo de integração no Estado dos hospitais que foram propriedade das misericórdias, estas ficaram recebendo do Estado, rendas pela utilização dos edifícios.

Esta unidade hospitalar desempenha um importante papel na prestação de cuidados de saúde às populações da margem esquerda do Guadiana - aos concelhos de Serpa, Moura, Barrancos e parte do concelho de Mértola. Desde logo porque o hospital de S. Paulo permite reduzir a distância entre estas populações e uma unidade hospitalar, algumas delas localizadas a mais de 100 quilómetros do hospital de Beja.

De há alguns anos a esta parte o Hospital de S. Paulo foi sendo desmantelado e destituído dos seus serviços. Primeiro foi a maternidade. Depois foram o bloco operatório, os serviços de cirurgia, os serviços de medicina. Mais recentemente foi o desmantelamento dos laboratórios, com o argumento de que o laboratório do hospital de Beja tinha capacidade de resposta e com melhor qualidade.

Até o serviço de urgência definido na Rede Nacional de Emergência e Urgência como sendo para transformar de Serviço de Atendimento Permanente (SAP) em Serviço de Urgência Básica (SUB), acabou por nunca acontecer e a Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo optou por lhe chamar Serviço de Urgência Avançado, uma vez que já não era SAP, mas também nunca chegou a ser SUB. Por fim o anterior governo, já depois de ter sido rejeitado na Assembleia da República, publicou o Despacho n.º 13427/2015, que eliminou o serviço de urgência existente no concelho de Serpa.

Ao longo de anos foram encerrados bloco operatório, farmácia, parte dos serviços administrativos, consultas de especialidade e o laboratório de análises. Em todos estes encerramentos a argumentação aduzida não indica que os serviços não se justificavam ou que as populações não necessitavam deles.
Esta descaracterização do hospital levou mesmo a que em dezembro de 2011 desse entrada na Assembleia da República a petição 71/XII/1ª, intitulada manutenção e reposição dos serviços do Hospital de S. Paulo em Serpa, discutida em meados de 2012 e que bem descreve aquilo que tem sido um processo de encerramento que paulatinamente foi descaracterizando a unidade hospitalar.

No processo de discussão da petição foi consultado o Governo sobre o objeto da mesma e a resposta é esclarecedora. O argumento para encerramento do bloco operatório era que este não cumpria os requisitos técnicos exigidos e que os dois cirurgiões, um faleceu e outro aposentou-se. A isto acrescentava o Governo que a atividade cirúrgica existente não era suficiente para garantir a atualização dos técnicos. Este exemplo deixa muito claro que o desmantelamento do Hospital de S. Paulo se foi devendo a opções políticas que não passaram por requalificar as infraestruturas, por colocar os técnicos necessários ou por articular a atividade médica com o outro hospital do distrito, ambos pertencentes à mesma unidade orgânica. A opção foi a de ir encerrando e nunca de investir.

Antes de ser entregue à misericórdia, o hospital de S. Paulo, era prestador na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, com duas unidades – Unidade de Convalescença (saúde de reabilitação) e Unidade de Cuidados Paliativos (situações clínicas complexas, decorrentes de doença avançada, incurável e progressiva). Dispunha ainda de um Serviço de Medicina Física e Reabilitação e do Serviço de Urgência Avançada.

O anterior Governo PSD/CDS atuando no desinvestimento e desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde e na promoção das unidades de saúde privadas, publicou o Decreto-Lei nº 138/2013, de 9 de outubro, que “estabelece o regime de devolução dos hospitais das misericórdias (…) que foram integrados em 1974 no setor público e que atualmente estão geridos por estabelecimentos ou serviços do Serviço Nacional de Saúde.” Suportado por este Decreto-Lei, em 14 de novembro de 2014, o Governo e a União das Misericórdias Portuguesas assinaram os acordos de cooperação para a transferência dos hospitais de Anadia, Fafe e Serpa (S. Paulo). Estes seriam os primeiros a ser transferidos, mas um conjunto de outros estaria já na calha, como se veio a confirmar. Todo este processo foi feito nas costas das autarquias, das populações, dos utentes e dos profissionais.

Este é um processo político e ideológico de ataque ao Serviço Nacional de Saúde que tem vindo a ser fragilizado e desmantelado como resposta universal, geral e gratuita. Enquanto isso promovem-se as unidades privadas de saúde, para onde se desviam os doentes e os recursos que faltaram e faltam no Serviço Nacional de Saúde, promovendo claramente o negócio feito a partir da saúde dos portugueses.

A transferência para a misericórdia não representou de imediato uma perda de serviços para as populações. Aconteceu até o contrário, o que não é de estranhar. É que o Governo, que foi encerrando serviços no hospital de S. Paulo, por razões técnicas, por falta de pessoal, por razões financeiras, assinou um contrato com a misericórdia de Serpa onde se disponibilizou a transferir para esta entidade mais de 920 000€ só em 2015 e a assunção de mais de 300 000€ só para produção cirúrgica para 2016. Isto para que esta entidade se substitua ao Estado na prestação de cuidados de saúde. Por isso não admira que seja possível agora, requalificar, criar consultas de especialidade, reabrir o bloco operatório, manter o serviço de urgência. A questão que fica no ar é: se era possível e necessário, porque não foi feito pelos diferentes ministérios da saúde, que durante anos privaram as populações dos concelhos de Serpa e limítrofes de cuidados a agora financiam?

A transferência do hospital para a misericórdia teve já consequências negativas para os profissionais de saúde. Desde logo a Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo, não permitiu que os técnicos contratados optassem por manter o vínculo àquela unidade, obrigando-os assim a uma transferência para a misericórdia. Isto teve já uma implicação direta, quer no número de trabalhadores por turno, quer até na pressão para redução dos salários, nomeadamente admitindo técnicos superiores, com salários muito abaixo do que a sua categoria profissional exige.

No entendimento do PCP, o processo de entrega dos hospitais às misericórdias constituiu um processo de privatização encapotado, na medida em que deixam de ser geridos por uma entidade exclusivamente pública, para serem geridos por entidades privadas, pese embora sejam de solidariedade social.
Para o PCP só a gestão pública dos hospitais integrados no SNS cumpre os princípios constitucionais, nomeadamente, a universalidade e a qualidade dos cuidados de saúde, independentemente das condições sociais e económicas dos utentes. Neste sentido o PCP propõe que estes hospitais se mantenham sob gestão pública, integrados no SNS, para assegurar o direito à saúde para todos os utentes. E assim naqueles em que o processo de transferência já se efetivou, como no caso de Serpa, propõe-se a reversão do processo com o retorno no hospital à gestão do ministério da Saúde, mas sem que necessariamente se retroceda no desenvolvimento de respostas e serviços que estavam a ser concretizadas no âmbitos dos contratos estabelecidos e financiadas pelo Ministério da Saúde.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo indicados apresentam o seguinte Projeto de Lei

Artigo 1º
Objeto

A presente lei determina a reversão do Hospital de São Paulo – Serpa para o Ministério da Saúde.

Artigo 2º
Serviços e valências

1 – A reversão do Hospital de São Paulo – Serpa não implica a perda ou redução do número de valências nem interfere na qualidade das prestações de saúde.
2 – O disposto no número anterior não prejudica a entrada em funcionamento de novas valências, que não se encontrando ainda em fase de implementação foram e/ou venham a ser objeto de análise, estudo e decisão quanto à sua inclusão no conjunto de cuidados prestados à população.

Artigo 3º
Profissionais

1 - Os profissionais que, independentemente do âmbito, modalidade e vínculo contratual exerçam à data da reversão funções no Hospital de São Paulo – Serpa transitam de forma automática para o Ministério da Saúde.
2 - Os trabalhadores que não foram integrados pela Santa Casa da Misericórdia de Serpa, em janeiro de 2015, e que pretendam continuar a exercer funções no Hospital de São Paulo – Serpa devem manifestar tal vontade, sendo-lhes assegurada colocação no respetivo mapa de pessoal.

Artigo 4º
Processo de reversão

1 – O processo de reversão deve ocorrer no prazo máximo de seis meses após a publicação da presente lei.
2 – O processo de reversão abrange o pessoal em funções à data da publicação da presente lei, bem como o pessoal referido no nº 2 do artigo anterior.
3 – O processo de reversão inclui todos os bens e equipamentos que integram o estabelecimento.

Artigo 5º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Assembleia da República, em 18 de dezembro de 2015

  • Projectos de Lei
  • Hospital de S. Paulo
  • Serpa