Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

Relatório Anual de Segurança Interna de 2006 - Intervenção de António Filipe na AR

Sr. Presidente,
Sr. Ministro da Administração Interna,
Srs. Secretários de Estado,

Começo, naturalmente, por saudar o Sr. Ministro pela sua primeira presença na Assembleia da República nessa qualidade e por referir o que é uma evidência. O Sr. Ministro da Administração Interna vem aqui apresentar um relatório relativo a um tempo em que a responsabilidade governativa pertenceu a uma outra pessoa que, como se sabe, é agora candidato à Câmara Municipal de Lisboa. Não será por isso, contudo, que transformarei esta intervenção num comício de campanha para as eleições autárquicas de Lisboa. Não o farei, até pelo facto de não estar cá o candidato para se poder defender. Vou ater-me, portanto, ao Relatório Anual de Segurança Interna que é hoje apresentado.

Começarei por lhe dizer que o PCP nunca alimentou sentimentos de alarmismo relativamente à criminalidade.

Entendemos, de facto, que em matéria de segurança e de tranquilidade dos cidadãos, transformar a preocupação da população, que é justa, em alarmismo não conduz a nada de bom. Nós não somos defensores de Estados policiais e, como tal, não alimentamos esse tipo de campanhas.

Temos, contudo, preocupações que este Relatório legitima e que devem ser aqui debatidas com toda a seriedade. Entendemos que o direito dos cidadãos à segurança é também um direito fundamental inseparável do direito à própria liberdade. Entendemos que a liberdade e a segurança são direitos inseparáveis.

Ora, este Relatório de Segurança Interna dá conta de um aumento global da criminalidade de 2%. Ontem, o Sr. Ministro do Trabalho, aqui neste Plenário, considerava que um crescimento da economia de 2% era um sucesso extraordinário e que esse valor de 2% era, de facto, muito significativo. Se eu quisesse seguir o mesmo raciocínio, diria que este aumento da criminalidade também seria espectacular.

Mas não é! Assim como o da economia, este aumento de 2% também não é espectacular. Não deixa, contudo, de suscitar alguma preocupação, tanto mais que em anos anteriores a criminalidade tinha diminuído.

Como tal, este Relatório dá conta de uma diferente tendência. Enquanto os dois Relatórios anteriores, o de 2004 e de 2005, apontavam para um decréscimo da criminalidade, este inverte essa tendência, voltando a criminalidade, pela primeira vez desde há três anos, a crescer.

Claro que há crimes cuja incidência diminuiu e outros cuja incidência aumentou, em alguns casos de forma muito significativa. Creio que é importante que nos centremos precisamente nos que registam uma evolução anormal para que possamos reflectir sobre o que isso significa e sobre que medidas é necessário tomar para que essa tendência seja invertida.

Verifiquemos, então, que tipos de crime registaram um aumento acima da média. Temos, desde logo, a violência doméstica, com um aumento de 30%, o furto de veículo, que aumentou 4,8%, o furto em residências, com um aumento de 6,7%, e a condução sem habilitação legal, que aumentou 22%.

Temos aqui dois tipos de crime, a violência doméstica e a condução sem habilitação, cujo aumento se deve, segundo o Relatório, a uma maior sensibilização para esta tipologia criminal e, no caso da condução sem habilitação, a uma maior fiscalização. Mas a verdade é que estes argumentos também dão a ideia de que existia a este respeito uma gigantesca cifra negra. De facto, se aumentamos a fiscalização sobre a condução sem habilitação legal e esse tipo de infracção aumenta 22% e se a maior sensibilização para a violência doméstica corresponde a um aumento de 30% na criminalidade registada, isto danos a ideia de que havia uma realidade que permanecia oculta, que começa agora a aparecer à luz do dia e que exige medidas muito significativas. Na verdade, estamos perante fenómenos que têm uma especial incidência, tendo de ser tomadas medidas para os combater.

Relativamente à criminalidade violenta, verificamos que o seu aumento é de 2%, correspondendo ao aumento de criminalidade global, e que o homicídio voluntário aumentou 20,5%, que o rapto e o sequestro

aumentaram 26,9%, que o roubo na via pública aumentou 13,5%, e que o roubo a motorista de transporte

público aumentou 51,7%. Este aumento superior a 50% é um aspecto que merece atenção. Nós

sabemos que este é um tipo de crime que não apresenta números absolutos muito elevados, mas este

aumento de 50% do roubo a motorista de transporte público dá-nos a ideia de estarmos perante o aparecimento

de um novo tipo de criminalidade e de um aumento muito significativo da sua incidência. Importa, portanto, saber que medidas específicas vão ser tomadas para debelar este tipo de crime e para o prevenir.

A distribuição geográfica da criminalidade dá conta de um aumento superior à média nacional nos distritos de Lisboa, Porto e Setúbal, o que significa que é nas áreas urbanas do litoral que este aumento se verifica. Tal, obviamente, não pode deixar de merecer reflexão, sobretudo no momento em que estão a ser reequacionadas e levadas à prática reestruturações territoriais em matéria de forças de segurança que incidem precisamente nestas áreas.

Por outro lado, já aqui foi referida a preocupação com a criminalidade global que, obviamente, regista um aumento significativo para o qual não podemos deixar de chamar a atenção. Há, portanto, suficientes elementos de reflexão relativamente ao que é necessário fazer.

Estas áreas geográficas em que aumentou a criminalidade são aquelas em que, do nosso ponto de vista, se exige um policiamento mais capaz em termos de proximidade. Há uns anos atrás, particularmente quando o Sr. Ministro foi Secretário de Estado da Administração Interna, o governo enfatizava muito a necessidade do policiamento de proximidade, particularmente nestas zonas. Esse discurso foi, contudo, largamente abandonado, como o foram os programas mais ou menos emblemáticos, que, tendo começado com a «Escola Segura», se estenderam aos idosos, aos comerciantes e às farmácias, completando uma colecção enorme. Aliás, se alguns destes programas foram muito escassamente dotados de meios, a sua avaliação ainda não foi feita. De facto, não basta dizer que se tem um programa dirigido para o comércio. É também necessário verificar se esse programa atingiu minimamente os seus objectivos, o que não foi feito.

Como tal, era importante que se verificasse que melhoramentos houve em termos de policiamento de proximidade e que se definisse o que vai ser feito para que este aumento da criminalidade acima da média nas áreas urbanas não se repita e não continue a agravar-se nos próximos anos.

Terminarei, Sr. Presidente, expressando a nossa preocupação com o facto de estar prevista uma concentração de poderes sem precedentes em matéria policial com a criação do Sistema Integrado de Segurança Interna. Parece-nos que este é um mau caminho. Não somos defensores de um Estado policial e preocupa-nos que haja tendências de excessiva concentração de poderes numa matéria tão sensível como esta que estamos a discutir.

 

 

 

 

 

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