Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

Rejeitar o conteúdo desta Estratégia Orçamental é uma exigência democrática

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Rejeita o Documento de Estratégia Orçamental apresentado pelo Governo e determina a renegociação da dívida nos seus prazos, juros e montantes
(projeto de resolução n.º 1061/XII/3.ª)

Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados,
Os Programas de Estabilidade e Crescimento, os PEC, que foram apresentados como soluções para o problema, iniciaram uma escalada na intensidade das políticas de direita e de concentração da riqueza. Com os PEC 1, 2 e 3, o Governo de PS e Sócrates introduziu cortes nos salários, cortes no financiamento de todos os serviços públicos, privatizações. Todas as medidas foram apresentadas como transitórias e suficientes para resolver os problemas. Pelos vistos, o PEC 1 era o preâmbulo de um PEC 2, que precedia o 3 e abria caminho para o 4.
Um após outro documento, PEC 1, PEC 2, PEC 3, PEC 4 e pacto de agressão, a que vieram a chamar Memorando de Entendimento, prepara apenas o caminho do próximo assalto. A apresentação do Documento de Estratégia Orçamental pelo Governo demonstra bem que não existe fim à vista. Não existe fim do período de assistência (como lhe chama o Governo e o Presidente da República) nem existe saída, e muito menos limpa. O que existe é um saque organizado às riquezas nacionais, aos trabalhadores, o desvio de riquezas nacionais para as mãos de predadores financeiros que nos são apresentados como benfeitores.
Apesar de desatualizado pela decisão do Tribunal Constitucional, o Documento de Estratégia Orçamental encerra a visão do Governo para o País: empobrecimento, privatizações, fragilização da posição dos trabalhadores nas relações laborais, cortes nas pensões e salários, enquanto entrega aos grandes grupos económicos e ao sector bancário a riqueza produzida pelos portugueses, que, sendo cada vez menor, está cada vez mais mal distribuída. O País perdeu quase 6% do seu produto interno bruto, mas os milionários enriqueceram acima dos 17% e algumas fortunas duplicaram.
O Documento de Estratégia Orçamental, ao mesmo tempo que prevê cortes nos salários e poupança com a extinção e fragilização de serviços públicos, aumenta a fração do orçamento destinada a pagar juros da dívida e mantém as negociatas com PPP. Remete também para o chamado Guião para a Reforma do Estado, que mais não é senão o guião para a reconfiguração do Estado, para o colocar inteiramente ao serviço dos grupos económicos, ao mesmo tempo que é integralmente pago e suportado por quem trabalha.
As opções de PS, PSD e CDS, na sua alternância do costume, convergem para um mesmo ponto e objetivo: desequilibrar a distribuição de rendimentos em favor do capital. Menos salário, mais horários de trabalho, menos pensões, mais lucros para os grandes patrões. Assim se resume a opção política.
Esta é a política que o PS, PSD e CDS preconizam de documento em documento, de PEC em PEC, de estratégia orçamental em estratégia orçamental.
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados,
A declaração de inconstitucionalidade de um conjunto de normas, que também estão vertidas no Documento de Estratégia Orçamental, não só confirma a necessidade de rejeitar o Documento como demonstra que a estratégia orçamental do Governo é, em si mesma, contrária ao projeto constitucional da República Portuguesa.
A afronta ao Tribunal Constitucional que o Governo promove, e para a qual instrumentaliza a Assembleia da República, não é senão a ilustração material da instabilidade que está criada em Portugal, perturbando de forma iniludível o regular funcionamento das instituições.
Um Governo que exerce o poder que resultou da mentira, que não cumpre as promessas eleitorais, que governa às ordens de poderes estrangeiros ou poderes privados é um Governo que entrega gradualmente a soberania nacional a mãos alheias, retirando-a de quem é verdadeiramente soberano: o povo.
Do debate de hoje já se veio a perceber que o Governo prepara uma revisão da estratégia orçamental que persiste na política de violação da Constituição, mantendo os objetivos e a natureza das políticas.
Rejeitar o conteúdo desta estratégia orçamental é, por isso mesmo, uma exigência democrática. Há alternativa a esta política!
Uma alternativa que garanta uma renegociação da dívida nos prazos, juros e montantes e que salvaguarde o interesse nacional e o crescimento económico; a nacionalização de alavancas fundamentais da economia, colocando as empresas e a banca ao serviço do desenvolvimento económico e social; a reversão das parcerias público-privadas, a anulação dos contratos swap; a taxação das transferências de capital para offshores; o aumento da produção nacional — produzir mais para dever menos; a valorização do trabalho e dos serviços públicos; a devolução às pessoas daquilo que os governos lhes tiraram em salários e pensões.
Essa política alternativa só pode ser concretizada por um governo patriótico, que coloque os interesses do povo e do País acima dos interesses supranacionais, e de esquerda, porque só com uma política que coloque a economia ao serviço das pessoas, em vez das pessoas ao serviço da economia, pode assegurar-se o desenvolvimento do País.
O combate é nas ruas, nas escolas e nos locais de trabalho. Mas o PCP trá-lo também para a Assembleia da República: Rejeitar o Documento Estratégico Orçamental, renegociar a dívida em prazos, juros e montantes, romper com o rumo de destruição nacional, produzir mais e valorizar quem trabalha. Essa é alternativa que o PCP propõe.
(…)
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
Aproveitando algumas palavras da Sr.ª Deputada Cecília Meireles, quero dizer que aquilo que não se percebe é, afinal de contas, qual é a forma que a estratégia do Governo assume.
Já percebemos qual é a natureza dessa estratégia: é uma estratégia orientada para assegurar a compressão dos rendimentos do trabalho e aumentar os rendimentos de capital. É uma estratégia que se concentra na diminuição dos rendimentos disponíveis para quem trabalha e no aumento e ampliação dos lucros dos que vivem à custa de quem trabalha.
Isso nós já percebemos. Aliás, a carta de intenções, apesar de estar escrita numa língua que não é a portuguesa, a língua de trabalho da Assembleia da República, dá para perceber muito bem que o Governo afirma um conjunto de compromissos junto do FMI sobre os quais ainda hoje não se pronunciou, sobre os compromissos propriamente ditos.
Para já, por parte do Grupo Parlamentar do PCP, é importante colocar uma primeira questão à Sr.ª Ministra das Finanças sobre a revisão que aqui anunciou do conjunto das indicações deste Documento de Estratégia Orçamental, que agora debatemos: qual é o sentido e em que quadro é que se realizará essa revisão? Estará o Governo disponível para cumprir o projeto constitucional? Para cumprir a Constituição da República? Ou insistirá num conjunto de medidas que, para assegurar o cumprimento dos compromissos que assumiu com o FMI, entrarão novamente em linha de colisão com a Constituição da República Portuguesa? Está o Governo disponível para alterar a natureza da política que tem vindo a realizar ou apenas para procurar as formas que permitam ao Governo continuar a ofender os princípios e os valores da Constituição da República Portuguesa?
É que, Sr.ª Ministra, parece-nos, quer pelo conteúdo desta carta, quer pelas suas intervenções, que o Governo tudo fará para manter em Portugal a política da troica, para manter pelas mãos da troica nativa a política da troica estrangeira.
Sr.ª Ministra, Srs. Deputados, esse é precisamente o caminho que nos tem trazido à ruína, que tem trazido o País ao empobrecimento, que tem retirado aos trabalhadores os seus rendimentos.
Sobre aquilo que está escrito nesta carta e sobre a tal revisão, perguntamos o seguinte: vai manter os cortes nos salários? Vai persistir na ideia de tornar permanente aquilo que foi apresentado aos portugueses como transitório? Vai manter a perspetiva dos despedimentos na Administração Pública? Vai manter a perspetiva de diminuição e de corte nos salários também no privado por via da fragilização da posição do trabalhador perante as relações laborais?
Sr.ª Ministra, era importante que se pronunciasse, porque isso é que se remete à natureza das políticas deste Governo, independentemente da forma que acaba por ser a areia que nos querem atirar para os olhos para fingir que têm uma estratégia.
E, Srs. Deputados, se hoje a Assembleia, por via da rejeição do projeto do PCP, acabar por amparar o Documento de Estratégia Orçamental que aqui já se reconheceu que está em choque frontal com a Constituição da República Portuguesa, está também a dar cobertura a um Governo que governa ilegitimamente, quer do ponto de vista democrático, quer do ponto de vista político.
Srs. Deputados, aquilo que se exige é precisamente rejeitar o DEO e criar as condições para que o País rompa com o rumo de destruição e de afundamento nacional e crie as condições para o crescimento económico que nos permitam construir também aqui, em Portugal, a felicidade dos portugueses, que estão a ser confrontados com o desemprego, com a obrigação de emigrar e com a impossibilidade de serem felizes na sua própria terra.

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