Intervenção de Paulo Sá na Assembleia de República

"Cada euro retirado aos portugueses é um euro que vai directamente para os bolsos dos especuladores"

Intervenção de Paulo Sá no Debate sobre o Documento de Estratégia Orçamental 2014-2018, na Assembleia da República
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Rejeita o Documento de Estratégia Orçamental apresentado pelo Governo e determina a renegociação da dívida nos seus prazos, juros e montantes
(projeto de resolução n.º 1061/XII/3.ª)
Recomenda ao Governo que inicie o processo de desvinculação de Portugal do tratado orçamental
(projeto de resolução n.º 1063/XII/3.ª)

Sr.ª Presidente,
Sr.ª Ministra,
O Documento de Estratégia Orçamental é tão estratégico que até perdeu a atualidade, mas continua a representar a continuação da política da troica de exploração e de empobrecimento.
O Governo e os partidos que o suportam têm tentado esconder esta realidade através de uma intensa e despudorada campanha de mistificação sobre a saída limpa da troica.
Sr.ª Ministra, como é possível falar de saída, ainda por cima limpa, quando o Governo pretende continuar a aplicar a mesmíssima política de confisco de salários e pensões, de liquidação de direitos e de ataque às funções do Estado?
Sr.ª Ministra, como é possível falar de saída limpa quando o Governo quer manter e aprofundar o saque fiscal aos trabalhadores, juntando ao brutal aumento de IRS um novo aumento do IVA e da TSU? Não há qualquer saída da política da troica, Sr.ª Ministra, muito menos uma saída limpa. O que há é a intenção do Governo e dos partidos que o suportam de continuar a política de exploração e empobrecimento dos trabalhadores e do povo, como se tornou manifesto, aliás, na intervenção que a Sr.ª Ministra aqui fez hoje.
Sr.ª Ministra, o Documento de Estratégia Orçamental representa mais do mesmo: sacrifícios sem fim para quem vive do seu trabalho para continuar a garantir os lucros e as benesses ao grande capital.
Como é que justifica, Sr.ª Ministra, que o Governo queira manter a negociata das parcerias público-privadas ao mesmo tempo que insiste em apropriar-se ilegitimamente — repito, ilegitimamente — das reformas e pensões de quem trabalhou e descontou uma vida inteira?
Como justifica, Sr.ª Ministra, que o Governo queira continuar a aprofundar os cortes na saúde e na educação e a encerrar serviços públicos ao mesmo tempo que se prepara para pagar juros crescentes com a dívida pública?
Sr.ª Ministra, cada euro retirado dos salários e pensões, cada euro obtido através do saque fiscal, cada euro retirado ao Serviço Nacional de Saúde ou à escola pública é um euro que vai diretamente para os bolsos dos senhores do dinheiro. É esta a natureza da vossa política, uma política de enriquecimento de uma ínfima minoria à custa do empobrecimento da esmagadora maioria.
Na sequência do chumbo do Tribunal Constitucional, o Governo vai agora rever o DEO. Sr.ª Ministra, qual é o sentido dessa revisão? É no sentido de cumprir a Constituição, de devolver os salários e pensões, de pôr fim ao saque fiscal em sede de IRS, de pôr fim ao ataque às funções sociais do Estado na educação, na saúde e na segurança social ou é no sentido de encontrar novas formas de prosseguir a mesma política, insistindo em governar contra a Constituição?
(…)
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
A assinatura, no dia 2 de março de 2012, do tratado orçamental representa mais um passo na tentativa de adotar o neoliberalismo como política única e oficial da União Europeia e constitui um sério atentado contra a soberania e independência nacionais, criando um quadro de constrangimento à assunção, pelo povo português, de um projeto de desenvolvimento próprio, autónomo e soberano.
Imposto em nome dos grandes interesses económicos e financeiros europeus, o tratado orçamental revela a natureza e os objetivos da designada «construção europeia», direcionada e concebida como um espaço de domínio dos grandes monopólios transnacionais, orientada para a concentração de poder nas principais potências capitalistas da Europa e em instituições supranacionais distantes do controlo dos povos.
Internamente, o tratado orçamental foi assumido pelo PS, pelo PSD e pelo CDS, os mesmos partidos que negociaram e subscreveram o pacto de agressão da troica. Ao longo dos últimos três anos, ao abrigo deste pacto, foi executado a sangue-frio um verdadeiro programa de liquidação de direitos laborais e sociais, de espoliação dos rendimentos dos trabalhadores e de desmantelamento das funções sociais do Estado.
As consequências para Portugal e para o povo português foram desastrosas: o País atravessou a mais longa e profunda recessão da nossa história recente; foram destruídos quase meio milhão de postos de trabalho; 600 000 portugueses foram lançados na pobreza; outros 200 000 foram forçados a emigrar; mais de 100 000 micro e pequenas empresas foram liquidadas; encerraram-se milhares de serviços públicos; a qualidade dos cuidados de saúde e da escola pública degradou-se de forma acentuada.
O aprofundamento da exploração dos trabalhadores e o empobrecimento acelerado do povo português nos últimos três anos não foi um efeito colateral, indesejado, da política da troica. É o seu objetivo central, como bem demonstra o desespero do Governo e da maioria parlamentar perante os sucessivos chumbos do Tribunal Constitucional das medidas tomadas, do roubo de rendimentos e da liquidação de direitos de quem vive do seu trabalho.
É exatamente esta política de empobrecimento dos portugueses e de saque da riqueza nacional para benefício do grande capital que o Governo pretende perpetuar, recorrendo, para o efeito, ao tratado orçamental. E não há retórica governamental sobre uma alegada saída limpa ou sobre o fim do protetorado que esconda esta realidade.
O PCP rejeita liminarmente o atual caminho de eternização das políticas de empobrecimento na linha do pacto da troica, propondo que a Assembleia da República assuma a defesa da desvinculação de Portugal do tratado orçamental e que recomende ao Governo a realização das diligências necessárias, no âmbito da União Europeia, para o início de um processo de revogação do tratado orçamental e a promoção de um programa de apoio aos países lesados pela aplicação do Pacto de Estabilidade e Crescimento e pela concretização da União Económica e Monetária.
É esta a proposta que apresentamos aqui, hoje, sem prejuízo de acompanharmos outras propostas que apontam no sentido da desvinculação de Portugal do tratado orçamental, ainda que por via de referendo.

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