Intervenção de Paulo Raimundo, Secretário-Geral, Jornadas Parlamentares do PCP na Serra da Estrela

«Recusamos o pressuposto de que o Interior está condenado. Não está e não aceitamos que o condenem»

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Aqui estamos a realizar na Serra da Estrela as jornadas parlamentares. Mais uma oportunidade para falar dos problemas que os trabalhadores, o povo e o País enfrentam, no plano nacional, mas também nos distritos de Castelo Branco e da Guarda.

E, mais do que os problemas, as soluções, em distritos que registaram uma perda acentuada de população nos últimos anos.

É importante deixar bem claro que a desertificação e o défice demográfico não são inevitáveis, é necessário criar as condições para as pessoas viverem no Interior. Não vale a pena vir com o argumento de que há poucas pessoas para justificar o encerramento de serviços públicos, quando é precisamente a política de direita que provoca a saída das populações do Interior do País, por não terem condições para cá ficar.

Pois se o caminho é a desindustrialização, cortes nos apoios à agricultura familiar, encerramento de escolas, maternidades e extensões de saúde, postos da GNR, estações e postos dos CTT, eliminação de freguesias e o consequente afastamento entre os órgãos eleitos e a população, manutenção das portagens, redução e eliminação de carreiras rodoviárias, falta de investimento na ferrovia, de que servem as lágrimas de crocodilo e os lamentos hipócritas pela desertificação?

Recusamos o pressuposto de que o Interior está condenado. Não está e não aceitamos que o condenem.

Que se defendam e reforcem os serviços públicos, ao invés de se desinvestir e privatizar. Os serviços e sectores estratégicos têm de ser postos ao serviço do Povo, não dos grupos económicos e dos seus acionistas que delapidam os recursos que devem ser de todos para aumentarem os seus lucros.

Que se invista de facto no Serviço Nacional de Saúde, em vez de se continuar a transferir dinheiros públicos para o negócio da doença, cerca de 40% do orçamento da saúde que tanta falta faz para o SNS e para os seus profissionais de saúde, esforçados e empenhados na causa pública e que, a braços com todas as dificuldades, fazem do SNS o que é e um pilar fundamental que tem de ser respeitado e valorizado. É urgente contrariar este desinvestimento e a lógica que aqui bem se conhece, de fundir e agregar serviços de saúde que leva efetivamente à perda de capacidade e valências.

Que se invista de facto na Educação e na Escola Pública, que se respeitem e valorizem os seus profissionais. Exige-se o reconhecimento do tempo das carreiras congeladas dos docentes, 6 anos, 6 meses e 23 dias, como os professores assinalam com uma muito expressiva luta. No Ensino Superior 53% dos docentes são precários. Dos 20 mil professores precários e com mais de 3 anos de serviço, o Governo apenas se compromete a vincular metade. A ausência de resposta do Governo às justas reivindicações dos professores é uma opção política com graves consequências na vida destes trabalhadores, mas também na forma como decorrerão o fim deste ano letivo e o início do próximo e no futuro da escola pública.

Que se passem das palavras aos atos e se invista de facto na Ciência e na Investigação. Tem de se pôr termo de uma vez por todas à precariedade que grassa entre milhares de investigadores. Ao contrário do que diz o Governo, essa sim, mata e condena a Ciência.

Que se invista na agricultura e nos agricultores, não no grande agronegócio. É preciso contrariar com urgência a política prosseguida pelo Governo do PS que está na origem da redução dos rendimentos dos agricultores em 11,2% em 2022 e do agravamento do défice da balança agroalimentar em 50%.

Que se criem, de uma vez por todas, as Regiões Administrativas, respeitando o princípio da descentralização administrativa. Que se avance, de uma vez por todas, com a Regionalização, em vez de se transferirem para as autarquias locais encargos em áreas de competências que cabe ao Estado assegurar.

Que se dê ao Poder Local os meios de que necessita e que a Constituição consagra para que seja mais capaz de intervir para a resolução dos problemas das populações.

Que se melhorem as condições de vida dos trabalhadores e do povo, que se dotem os jovens de condições materiais suficientes para que deem o passo de constituir família e que façam os direitos serem efetivamente exercidos.

Medidas que passem por salários dignos, vínculos permanentes, boas condições e horários de trabalho estáveis, acesso a habitação, creche, escola, transportes, acesso aos serviços de saúde e ao acompanhamento das grávidas e ao direito a nascer em segurança num hospital público. Tudo condições fundamentais para optar por ter filhos e garantir a sua educação.

Medidas que passem por garantir que as crianças possam crescer criativas e críticas, participativas e confiantes nos seus direitos, não só porque tal é um direito que lhes assiste, mas também pelo que contribui para o desenvolvimento e emancipação de todos.

Medidas como as que vamos reivindicando em todos os espaços e lugares, não desperdiçando uma oportunidade que seja para tentar que vejam a luz do dia e se constituam uma realidade.

É com criação de trabalho com direitos, com trabalho verdadeiramente digno, que valorize os trabalhadores. É com o fim da caducidade da contratação coletiva e a reposição do princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador.

É com redução do horário de trabalho que tenha em conta as evoluções da ciência e da técnica e os aumentos efetivos da produtividade.

É com a reposição do pagamento do trabalho suplementar ou de indemnizações por despedimento.

É com contratos efetivos para todos os postos de trabalho permanentes.

É com a liberdade de ação sindical nas empresas.

É com o aumento dos salários e dos direitos de quem trabalha e trabalhou uma vida inteira e se depara com reformas e pensões de miséria.

Nada disto se consegue, como se vê, com medidas do Governo que pretendem passar como progressistas agendas que, pondo de lado os amuos do patronato, no essencial servem os seus interesses e protegem as normas mais gravosas para os trabalhadores do código laboral.

Isto consegue-se com a força da luta, como tantos casos nos mostram.

Claro que não deixamos de ter propostas e de as apresentar em todas as circunstâncias. E em todas elas, fora dissonâncias aqui e acolá, PS, PSD, IL, Chega e CDS convergem para rejeitar as nossas propostas.

Foi assim na revogação da caducidade da contratação coletiva; nas 35 horas para todos os trabalhadores; na reposição do princípio do tratamento mais favorável aos trabalhadores; na revogação da norma que presume a aceitação de despedimento por aceitação de indemnização; no aumento do salário mínimo nacional, entre outras.

Foi e é assim em tudo o que implica direitos e salários dos trabalhadores, foi e é assim sempre que à frente da melhoria da vida dos trabalhadores se coloca a proteção dos lucros dos grupos económicos, no ataque aos serviços públicos, para criar espaço para o negócio dos grupos privados, no ataque aos sectores estratégicos e no caminho das privatizações.

Em 2022 cerca de 70% do emprego criado foi com vínculos precários.

Em Portugal os trabalhadores trabalham, em média, 41 horas semanais. Sendo que mais de 350 mil trabalhadores trabalham habitualmente 49 horas ou mais por semana no seu emprego principal, são 7,3% do total dos trabalhadores, acima da média da UE de 3,9%.

Um milhão e 800 mil trabalhadores, 44% dos trabalhadores, trabalham por turnos, à noite, sábados, domingos e feriados, com o que daí resulta de dificuldades acrescidas à organização da vida privada e à conciliação entre a vida profissional e familiar.

Três milhões de trabalhadores, 70% do total, ganham menos de mil euros brutos por mês, e 2 milhões de pessoas estão na pobreza, dos quais mais de 300 mil são crianças.

Isto, enquanto os principais grupos económicos em Portugal tiveram, em 2022, 20 milhões de euros de lucro por dia e os 5% mais ricos concentram 42% de toda a riqueza criada no País.

De facto, são opções políticas que determinam a persistência no rumo a que estamos a assistir. É a política de direita que determina a desertificação, o défice demográfico, o encerramento de serviços, o desinvestimento público.

Serão outras opções e será outra política a permitir responder aos problemas. Será a política patriótica e de esquerda que permitirá aumentar rendimentos a quem trabalha, tributar o capital, valorizar e fixar a população no Interior, fazer com que ter filhos seja de facto uma opção e não um sonho adiado.

Numa altura em que se assinalam seis anos sobre os incêndios de Pedrógão, e dentro em breve sobre os que ocorreram em outubro de 2017, aqui estamos na Serra da Estrela, também ela fustigada. Se em 2017 arderam, no Parque Natural da Serra da Estrela, mais de 19 mil hectares, o ano passado, um incêndio fez arder 26 mil hectares.

Muito se fala sobre incêndios, muitas medidas e apoios para a floresta e sua defesa contra incêndios são anunciados, mas o que é certo é que continuam a faltar as medidas estruturais.

Em setembro do ano passado tivemos oportunidade de apresentar um Programa de Emergência para a Serra da Estrela.

Um Programa enquadrador das medidas necessárias para responder à situação crítica resultante dos incêndios florestais ocorridos, para assegurar o planeamento e gestão adequada do território integrado no Parque Natural da Serra da Estrela e reforçar a prevenção e combate a incêndios florestais.

Um Programa que tinha como objetivo a recuperação e valorização do Parque Natural da Serra da Estrela, nas dimensões ambiental, social e económica.

Com intervenção de emergência em áreas ardidas e defesa e prevenção da floresta contra incêndios.

Com identificação de prejuízos e perdas e regime de apoio à reposição do potencial produtivo, à perda de rendimento e à manutenção de atividades agrícolas e pecuárias, em especial no que respeita à ovelha bordaleira, à produção de Queijo da Serra e apicultura.

Com a dotação do Parque Natural da Serra da Estrela com uma estrutura orgânica com direção própria, ligada ao território e às populações, com capacidade para realizar o diagnóstico do estado em que esta área protegida se encontra e intervir no sentido da sua recuperação e valorização, em conjunto com as populações.

Com o reforço da capacidade do ICNF em meios humanos, técnicos e financeiros, para dar resposta às necessidades de gestão, recuperação, fiscalização e defesa contra incêndios.

Este Programa foi rejeitado, contando com os votos contra do PS, juntamente com PSD, IL e PAN.

No que toca à situação de seca que estamos a atravessar, sabemos que está longe de ser um fenómeno inédito.

Nos últimos 10 anos, apenas em 2014 Portugal não registou situações de seca no final do mês de setembro.

No que respeita ao último ano, não houve um único mês em que parte do território nacional não estivesse em condição de seca.

Em setembro de 2022 todo o território nacional se encontrava nesta situação, com 32% do território em situação de seca severa. Passado o outono e o inverno, chega-se a março de 2023 já com cerca de metade do território nacional em seca.

Importa no momento imediato assegurar as condições aos agricultores e produtores pecuários para que não se percam a totalidade das produções, para a salvaguarda dos animais e para assegurar os rendimentos necessários para manterem a atividade.

Na passada sexta-feira apresentámos medidas neste sentido na Assembleia da República, rejeitadas com o voto contra do PS e a abstenção de PSD, IL e PAN.

Mas mantém-se a necessidade de se adotarem medidas estruturais para assegurar uma maior e mais eficaz retenção da água do inverno e de encontrar soluções de mitigação e de resposta às cada vez mais frequentes e acentuadas condições de seca.

No passado mês de outubro, a AR discutiu um Projeto de Lei do PCP que previa a constituição de um Plano Nacional para a Prevenção Estrutural dos Efeitos da Seca e seu acompanhamento.

Nesse Projeto de Lei o PCP colocou em cima da mesa as políticas de fundo para responder a este problema que se agrava no nosso País:

  • a criação de um Programa de reforço da capacidade de armazenamento de recursos hídricos, que previa a elaboração de um diagnóstico da situação de seca em todo o país e das capacidades de armazenamento;
  • a concretização de investimentos para aumentar essa capacidade e a sua interligação;
  • a criação de um programa de adaptação para as atividades agrícolas e outro para as atividades agro-pecuárias.
  • o estabelecimento de critérios no âmbito da autorização de utilização da água, hierarquizando prioridades de usos, e sujeitando quaisquer outros usos à salvaguarda da disponibilidade hídrica.

Propusemos, portanto, um plano concreto, com dotação orçamental própria, integrado nos planos de gestão das regiões hidrográficas.

Esta proposta foi rejeitada, contando com os votos contra do PS e da IL e a abstenção do PSD e do PAN.

Reforçar o PCP, dar mais força ao PCP, é reforçar a alternativa necessária, patriótica e de esquerda, a solução aos problemas do País, a melhoria das condições de vida do Povo e dos trabalhadores, a soberania e o desenvolvimento.

Com determinação, impõe-se desenvolver e ampliar a luta em defesa dos trabalhadores, dos reformados, dos jovens, dos utentes. De todos aqueles que sentem na pele os efeitos da política de direita. Nas ruas, nos locais de trabalho, nas freguesias, nos concelhos, na Assembleia da República, com a segurança e o ânimo de quem age sempre ao serviço dos trabalhadores e do Povo e dos seus interesses e direitos.

Estas jornadas parlamentares são mais um contributo para este reforço.

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