Intervenção de Bruno Dias na Assembleia de República, Interpelação ao Governo

«O que o novo ano trouxe, mais uma vez, foram novos aumentos de preços!»

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Há um país que não aparece nas notícias, que está muito longe da “agenda mediática”, dos casos, dos cenários e das intrigas. Há um país feito de gente de carne e osso, gente que trabalha e cria riqueza, que faz isto andar para a frente com o suor de cada dia. E que apesar do esforço, da canseira, da esperança adiada, não desiste de lutar de olhos postos numa vida melhor – quanto mais não seja para os seus filhos e netos.

Para este país que não aparece nas notícias, o dia-a-dia enfrenta-se com a aflição de um mês que nunca mais acaba, em que o salário parece que desaparece entre os dedos, em que a reforma ou a pensão cada vez dá para menos. Não é falta de trabalho, que faltam mãos a medir e tempo para viver. Há quem tenha dois empregos ou três e nem veja os filhos crescer. O que falta é salário, faltam condições de vida, falta uma vida justa.

Com o novo ano, chegam as notícias de que “a inflação está a baixar”, e o povo é informado que deve festejar, agradecido, o “novo ciclo” em que tudo parece melhor. Mas… o que é isso de inflação a baixar? O pão ficou mais barato? Ou o leite? A renda da casa baixou, ou a conta da luz? As pessoas já podem aquecer a casa sem medo da fatura? 

Não! O que o novo ano trouxe, mais uma vez, foram novos aumentos de preços! O que essa tal “inflação mais baixa” significa, afinal, é que os preços aumentam mais devagar agora… mas não param de aumentar, em cima dos aumentos que já tiveram! E o salário (ou a pensão) que se recebe aumentou, sim – mas cada vez dá para menos!

Os aumentos de preços acontecem em todas as áreas. Para hoje, deu que falar o fim do chamado “IVA zero” em produtos alimentares. Mas esse facto está longe de explicar todas as razões para estes aumentos! 

O preço dos produtos essenciais sobe mais de dez por cento no início deste ano – sendo que há produtos cujos preços sobem ainda mais que essa média, como é o caso do azeite, que poderá registar ainda mais um aumento de 15 por cento.

O “IVA zero” faz parte do problema, sim – mas pelos vistos tem as costas muito largas! É que os dados apresentados pela DECO apontam, logo na aplicação da medida, para um impacto imediato, comparando com os preços do dia anterior [à entrada em vigor], que se traduziu numa descida de apenas 3,36 por cento, e não dos seis por cento a que correspondia o imposto.

E considerando todo o período de aplicação do IVA zero, constata-se que, nos primeiros meses, a medida ajudou a abrandar o crescimento dos preços. Mas a partir de setembro “retomaram a subida”, de tal forma que a semana passada, mesmo sem IVA, o custo do cabaz era superior ao registado na véspera da entrada em vigor da isenção. 

Há mesmo produtos que hoje ficaram muito mais caros do que antes de lhes ter sido retirado o IVA, com subidas superiores a 25 e a 30 por cento, como é o caso da laranja, dos brócolos, do azeite.

A verdade é que os pequenos produtores são confrontados com os desmandos do oligopólio da grande distribuição, em que estes grupos económicos impõem o esmagamento dos preços ao produtor – e preços exorbitantes ao consumidor!

No último ano, a ASAE instaurou 291 processos-crime a empresas de retalho, dos quais 197 por especulação de preços. E isto num contexto em que a capacidade de intervenção deste serviço é dificultada pela escassez de meios para a presença no terreno, em que a legislação ultrapassada e ineficaz deixa espaço aberto a abusos. 

Não foi por falta de aviso e não foi por falta de proposta do PCP: apresentámos o nosso Projeto-Lei [927/XV] para o regime de preços dos bens alimentares essenciais, que estabelecia regras claras para acabar com a impunidade desse aproveitamento dos grupos económicos. Em setembro passado, na votação em Plenário nesta Assembleia, quem é que deu as mãos para votar contra a proposta? Foi o PS, o PSD, o CH e a IL. Outra vez!

Mas se esta é a situação nos produtos alimentares, em muitos outros bens e serviços de primeira necessidade o quadro não é diferente. 

No gás natural, a Galp anunciou aumentos de quatro por cento. No gás de botija, os preços são fixados pelos comercializadores e têm estado a aumentar, o que deverá continuar a suceder em 2024. O preço da eletricidade aumenta 3,7 por cento em janeiro no mercado regulado – e no liberalizado as tarifas de acesso às redes disparam.

Nas telecomunicações, a subida da fatura foi confirmada pelos três principais operadores e poderá atingir os 4,3 por cento, já a partir de 1 de fevereiro – ou seja, menos de um ano depois de terem aumentado 7,8 por cento, quando já pagamos sistematicamente preços dos mais altos da Europa (onde, de resto, a tendência já é de descida de preços)!

Nas portagens, fala-se muito de descontos nas ex-SCUT, mas o que era preciso (e o PCP propôs) era acabar com as portagens! E o aumento anunciado de 2,1 por cento não é o que se vê, nem na Ponte 25 de Abril [mais dez cêntimos por passagem na classe 1], nem na Vasco da Gama [mais 15] – bem acima dessa tal percentagem média.

Mas, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, há um sector onde o aumento do custo de vida se torna ainda mais insuportável e provoca situações verdadeiramente dramáticas: falamos da Habitação.

O aumento das rendas nos contratos em vigor é o maior aumento em trinta anos. Desde o cavaquismo que não se via um aumento destes. Por opção do Governo e da maioria PS, que rejeitaram a nossa proposta para travar o aumento. E isto nos contratos de arrendamento em vigor – porque para milhares e milhares de pessoas, quando o contrato chega ao fim e ficam à mercê da especulação, os preços disparam, tantas e tantas vezes para o dobro ou o triplo!

As medidas que têm dado tanta propaganda resumem-se a uma resposta do Governo PS: subsidiar com dinheiros públicos esses lucros e esses aumentos exorbitantes das rendas e das prestações da casa.

Mais de um milhão e 300 mil famílias têm empréstimos à habitação e sentem o sufoco provocado pelos aumentos das taxas de juro decretados pelo Banco Central Europeu. Ao mesmo tempo, a banca em Portugal bate todos os recordes de lucro.

Voltamos a dizer isto para que não esqueçam: Portugal é o país da OCDE com a maior distância entre o aumento dos salários e a subida dos preços da habitação. Mas é também o país da OCDE com maior número de casas por mil habitantes. Não há falta de casas: há falta de casas que as pessoas possam pagar!

São cada vez mais as pessoas que trabalham, que se levantam de manhã e vão trabalhar – mas que se levantam de uma tenda ou de um cartão no chão da rua, porque o direito básico à Habitação está a ser destruído em nome do lucro de alguns. Isto não pode continuar!

Dizia ainda ontem a este propósito o meu camarada Paulo Raimundo, Secretário-Geral do PCP: parece que vivemos em dois mundos diferentes: um apresentado pelos governantes, onde tudo está bem, e outro, o da vida concreta das pessoas, que não tem nada a ver com essa realidade.

Por isso trazemos à Assembleia da República esta interpelação ao Governo, para que aqui se fale sobre esta realidade da vida das pessoas, sobre a degradação das condições de vida, o aumento do custo de vida – e sobre as medidas concretas que são urgentes para responder a esse problema.

Desde logo aumentando os salários e as pensões, que é a grande medida que se impõe. Valorizar o trabalho e os trabalhadores!

A valorização geral dos salários, recuperando (e não retirando!) poder de compra, é justa, necessária, urgente e possível, seja para os trabalhadores da Administração Pública – incluindo os profissionais da Educação e da Saúde, assim como dos da Justiça e das Forças e Serviços de Segurança ou da Administração Local –, seja para as empresas do sector privado, seja para o sector empresarial do Estado.

Grande parte dos reformados, pensionistas e idosos vive com reformas cujo valor é demasiado baixo. E a atualização das pensões e reformas decidida pelo Governo está longe de fazer face ao custo de vida. Haja respeito por quem trabalhou uma vida inteira!

Mas é preciso avançar, por outro lado, com medidas concretas para reduzir as despesas das pessoas.

Travar o aumento das rendas, fixar e controlar os preços dos bens alimentares e diminuir o IVA das telecomunicações, do gás e eletricidade. Limitar o aumento das rendas nos contratos em vigor e nos novos contratos de arrendamento habitacional. Não permitir aumentos acima dos que se aplicaram nos anos anteriores. Colocar os lucros da banca a suportar o aumento das taxas de juro. 

São medidas que são fundamentais, que se colocavam já no final do ano passado e colocam-se no início deste ano com ainda mais urgência e atualidade – porque os problemas são cada vez mais graves!

Dizem-nos que estamos a pedir demais. É mentira. É o trabalho que cria riqueza – e aqueles que criam riqueza neste país empobrecem a trabalhar. Para quê? Para alguns ganharem milhões com os sacrifícios de quase todos.

Nos dados mais recentes das contas apresentadas, até setembro passado, os lucros dos principais bancos foram de mais de doze milhões de euros por dia. Mas essa realidade chocante de concentração de riqueza não se fica por aí. Na Jerónimo Martins (só nos primeiros nove meses de 2023) foram 570 milhões, um aumento de 30 por cento face a igual período do ano anterior. Na EDP, 946 milhões, mais de 82 por cento acima. No BCP, mais de 650 milhões, um aumento de 625 por cento nos lucros!

Mais do que dizer que isto não pode continuar assim, estamos aqui para dizer que isto não tem de continuar assim. As coisas podem mudar se o Povo quiser.

Sabemos que a maioria dos Senhores Deputados não irá concordar connosco. Sabemos que ao serviço dos grupos económicos, dessa ínfima minoria que concentra grande parte da riqueza criada no nosso País, já temos deputados a mais. 

Sabemos que essa correlação de forças precisa de mudar e mudar a favor dos que mais precisam. Por isso mesmo não desistimos de ter os valores de Abril a marcar o futuro de Portugal.

Por uma vida melhor.  Por uma política alternativa justa, necessária e possível para repor poder de compra e melhorar as condições de vida do povo e dos trabalhadores, redistribuir a riqueza. Cá estaremos, com a força que as pessoas quiserem ter.