Intervenção de Paula Santos na Assembleia de República

Programa de agressão da troika PSD/CDS/FMI/UE destrói Serviço Nacional de Saúde

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Interpelação centrada na política de saúde
Interpelação n.º 1/XII/1.ª)

Sr.ª Presidente,
Sr. Ministro da Saúde,
Srs. Deputados:
A Constituição da República Portuguesa consagra o direito à saúde a todos os portugueses, independentemente das condições socioeconómicas. Esta é a matriz que deveria orientar as políticas de saúde, mas não tem sido esta a opção de sucessivos governos.
O Governo PSD/CDS-PP aprofunda as políticas de ataque ao Serviço Nacional de Saúde (SNS), assentes no desinvestimento, no ataque aos direitos dos profissionais de saúde, colocando em causa a sua capacidade de resposta, para justificar a privatização e satisfazer assim a gula dos
grandes grupos privados, tornando a saúde um negócio lucrativo.
No âmbito da toxicodependência e do alcoolismo, a extinção do Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT) pode significar a desagregação das respostas públicas e a liquidação da estratégia, que os resultados obtidos demonstraram ser correcta, de combate à toxicodependência e aos problemas ligados ao álcool.
O Ministro da Saúde não se afirmou como o Ministro do Serviço Nacional de Saúde (SNS) mas, sim, do sistema de saúde, pondo ao mesmo nível, como se tratasse tudo do mesmo, o público e o privado.
PSD e CDS-PP dizem que não têm ideologia para a saúde! Nada mais falso! As opções ideológicas são muito claras na sua prática, beneficiando os interesses de uma minoria, os grandes grupos económicos, em detrimento dos interesses públicos.
Embora o PS diga o contrário, enquanto foi governo sempre contribuiu para a deterioração do SNS.
PS, PSD e CDS-PP subscreveram e aceitaram o programa de agressão do Fundo Monetário Internacional (FMI), da União Europeia e do Banco Central Europeu (BCE), que impõe
medidas de austeridade que visam a degradação do SNS, o aumento dos custos da saúde para os utentes, através da desresponsabilização do Estado nesta matéria e da progressiva transferência para os privados, perspectivando inclusive o alargamento da sua intervenção a mais hospitais e ao nível dos cuidados de saúde primários.
É propagandeada, vezes sem conta, a inevitabilidade destas medidas. Diz-se que não «é possível assegurar todos os cuidados a todos os portugueses». O que pretendem é ter uma saúde para os que podem pagar e um pacote mínimo de cuidados de saúde no serviço público para os que menos têm. Diariamente, ouvimos dizer que «não há dinheiro» ou que «o SNS não é sustentável», para legitimar a política de cortes na saúde.
Para o PCP, o financiamento do SNS é possível com uma justa política fiscal, contribuindo mais quem mais tem, para aliviar a grande carga fiscal, para quem menos tem.
Neste sentido, o PCP já propôs, nesta Legislatura, o aumento da taxação da banca, dos lucros
escandalosos dos grandes grupos económicos, o fim dos offshore ou a taxação de bens de luxo. A aprovação destas propostas permitiria ao Estado obter uma receita significativa, mas, mais uma vez, não foi este o caminho, não foram estas as opções do PSD, do CDS e do PS.
O Governo diz que é preciso combater o desperdício e reduzir a despesa pública na saúde, mas as medidas adoptadas afectam directamente os utentes. Por todo o País há encerramentos, horários reduzidos, falta de profissionais, redução de valências, dificuldades acrescidas no acesso aos exames e aos tratamentos.
Para o Governo, são estes os «desperdícios» que é preciso cortar!
Não se vê a mesma força e determinação do Governo para cortar nas transferências do Orçamento do Estado para os grandes hospitais privados, através da ADSE.
Muito pelo contrário, recentemente foi alargado o acordo da ADSE para os hospitais CUF, do Grupo Mello, e mantém-se a entrega das chorudas parcerias público-privadas aos principais
grupos do sector, quando já demonstraram que não servem os interesses públicos, como está bem visível na parceria público-privada (PPP) do Hospital de Braga.
Para o Governo, não há uma política de prevenção da doença e de promoção da saúde que proporcione ganhos de saúde do ponto de vista do utente e vantagens para o SNS a prazo. Em vez disso, o Governo aplica sucessivas medidas, como se a política de saúde fosse uma folha de
cálculo, onde o que importa é reduzir custos, independentemente das consequências nos cuidados prestados e na saúde dos utentes, numa visão puramente economicista.
Em pouco mais de três meses, o Governo pôs fim ao reembolso aos utentes do SNS, introduzindo obstáculos no acesso a próteses, óculos ou serviços de estomatologia; reduziu o
transporte de doentes não urgentes, impossibilitando milhares de utentes de acederem a consultas e tratamentos; reduziu horas extraordinárias sem o respectivo reforço dos profissionais de saúde, conduzindo à ruptura de muitos serviços, sobretudo das urgências; cortou nos incentivos à transplantação, levando à redução da recolha e do transplante de órgãos e gorando a expectativa de muitos portugueses se tratarem; e restringiu o acesso aos meios complementares de diagnóstico e terapêutica, aumentando as listas de espera, devido à interpretação abusiva das novas regras de prescrição.
A redução de 11% no orçamento dos hospitais públicos agravou a situação de subfinanciamento crónico, com reflexos nas elevadas dívidas, na falta de material clínico e na carência de profissionais de saúde. Alguns hospitais já não disponibilizam os medicamentos aos utentes nas farmácias hospitalares, nomeadamente os medicamentos biológicos.
Foram suspensos os processos de construção de hospitais e criado um grupo de trabalho para reformular a rede hospitalar, condicionado, à partida, à necessidade de concentração
serviços e de redução de custos. Está-se mesmo a ver qual vai ser o resultado!
beneficiar os hospitais privados.
Desde 2006 até Junho de 2011, o Ministério da Saúde perdeu mais de 24 000 trabalhadores,
correspondendo a uma redução de 22%. Mais de 1,7 milhões de utentes não têm médico de família e são precisos, pelo menos, mais 5000 enfermeiros ao nível dos cuidados de saúde primários.
Face à restrição na contratação de profissionais, muitas unidades de saúde recorreram à subcontratação de médicos, de enfermeiros ou de assistentes técnicos, com custos muito superiores para o Estado e com relações laborais muito precárias e instáveis. Agora, estão a reduzir as horas médicas e de enfermagem subcontratadas, sem a integração destes trabalhadores na função pública. Já despediram 46 enfermeiros em centros de saúde do distrito de Lisboa, preparam-se para despedir cerca de 50 no Hospital Garcia de Orta, em Ourém reduziram as horas contratadas em 60% e, para o ano que vem, a redução será em 100%.
Há um novo PEC na saúde — um programa de encerramento em curso!
A partir de 1 de Outubro, o Serviço de Atendimento Permanente (SAP) de Sesimbra deixou de funcionar 24 horas/dia e o horário de funcionamento do SAP de Amora foi reduzido, existindo como única alternativa as caóticas urgências do Hospital Garcia de Orta.
Em Ourém, o centro de saúde deixou de funcionar 24 horas/dia e anuncia-se uma nova redução de horário, restando apenas as urgências em Tomar, a 27 km.
O centro de saúde de Arcozelo, em Vila Nova de Gaia, viu o seu horário de funcionamento reduzido e nos concelhos de Vimioso, Miranda do Douro, Alfândega da Fé e Freixo de Espada à Cinta encerraram os serviços de radiologia. Não é de estranhar o aumento da afluência de utentes nas urgências hospitalares, quando são encerrados serviços de proximidade.
No interior do País, são inúmeros os exemplos de encerramentos de postos e extensões de saúde, deixando desprotegidas as populações de pequenas localidades sem acessibilidades,
sendo, na sua esmagadora maioria, idosos com baixas reformas.
O aumento dos preços dos medicamentos, associado à redução da comparticipação do Estado, significou mais limitações no acesso aos medicamentos. Muitos utentes, especialmente os idosos com baixas reformas, têm de optar: ou adquirem os medicamentos ou compram os alimentos.
A solução deste problema não pode passar por medidas caritativas e assistencialistas de distribuição de medicamentos com o prazo de validade a terminar. Não podemos acompanhar estas medidas, que só aumentam a pobreza e não tratam as pessoas com dignidade.
O já anunciado aumento das taxas moderadoras constitui mais um passo na aniquilação dos direitos dos portugueses. A saúde, que deveria ser tendencialmente gratuita, é cada vez mais tendencialmente paga.
Entretanto, o Governo ainda não assumiu quanto irão custar as taxas moderadoras e qual a receita que pretende arrecadar à custa dos utentes. Prepara-se para aumentar brutalmente as taxas moderadoras a partir de Dezembro, para em Janeiro as aumentarem novamente, afastando muitos utentes dos cuidados de saúde a que têm direito.
As populações não desarmam e lutam pelo direito à saúde, como sucede em Ourém, em Sesimbra, em Vendas Novas, na Amadora ou em Benavente. A luta das populações é determinante e darão a resposta necessária para combater esta brutal ofensiva, em defesa dos seus direitos.
Podem contar com o firme combate do PCP para derrotar as políticas de direita, que paulatinamente têm vindo a degradar o SNS, e para derrotar o programa de agressão!
Para o PCP, a saúde não é um custo, é um investimento na qualidade de vida das populações!
Defendemos o reforço do SNS e a manutenção do seu carácter público, universal e gratuito, imprescindível para que todos os portugueses tenham direito à saúde!
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Ministro,
Registamos que ainda não nos disse qual será o aumento das taxas moderadoras.
Vão ou não incluir novos actos de saúde para cobrar taxas moderadoras? E qual a receita que o Estado prevê arrecadar à custa dos utentes? Temos colocado estas questões, mas o Sr. Ministro não tem respondido com clareza.
Sr. Ministro, veio aqui dizer-nos que uma das prioridades deste Governo é o reforço dos cuidados de saúde primários, que é necessário reforçar. Muito bem. Mas como é que reforça os cuidados de saúde primários quando despede enfermeiros? Como é que o Sr. Ministro pretende reforçar os cuidados de saúde primários quando temos 1,7 milhões de utentes sem médico de família e quando as aposentações dos médicos no nosso País não param de aumentar? Dados recentes indicam que só em dois meses de 2011 já se aposentaram mais médicos do que na totalidade do ano de 2010, somando 987 médicos, dos quais 537 são médicos de medicina geral e familiar. Ou seja, não pára de aumentar o número de utentes sem médico de família.
Para além disso, um dos métodos muito utilizados para ocorrer à falta de médicos no nosso País, e que os vários governos foram autorizando, é a subcontratação de empresas para
colocar médicos através de «horas médicas», mas até estas têm vindo a ser reduzidas, mesmo havendo menos profissionais. Por exemplo, no Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) do Arco Ribeirinho Sul, as «horas médicas» foram reduzidas de 121 horas para 49 horas, e só para o mês de Outubro, porque para a frente não há nenhuma previsão; tal como um conjunto de outros contratos que terminarão não serão renovados, nem esses mesmos trabalhadores serão contratados para ficarem com vínculo à função pública, como deveria ser.
É este o entendimento do Governo de reforçar os cuidados de saúde primários? E, depois, consideram estranho haver uma maior afluência às urgências hospitalares! Sr. Ministro e
Srs. Deputados, então se se encerram os cuidados de proximidade, se as pessoas não têm soluções, não têm recursos e cuidados de saúde junto da sua residência, em que o único serviço aberto é a urgência hospitalar, havendo uma situação de urgência, as pessoas dirigem-se onde? Ou ficam à espera de poder ficar pior nas suas condições de saúde?
Sr. Ministro, só não vê porque não quer ver!
Termino, Sr. Presidente, referindo que no estudo que o Sr. Ministro hoje invocou vem uma outra nota, em jeito de conclusão, sobre a necessidade de aprofundar a empresarialização ao nível dos cuidados de saúde primários. Sabemos que ao nível das unidades de saúde familiar está previsto o modelo C, ou seja, a entrega a privados desses mesmos cuidados. O que queremos saber é se no estudo também vai seguir essa recomendação e se o caminho que este Governo pretende seguir, como está quer no programa do PSD quer no Programa do Governo, é o da privatização também dos cuidados de saúde primários.

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