Intervenção

Política florestal - Intervenção de Agostinho Lopes na AR

Declaração política, face à nova época de fogos, condenou a política florestal prosseguida pelo Governo

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:

Perante o acontecido nas nossas matas em fins de Maio e nos primeiros dias de Junho, muitos portugueses afirmarão as suas convicções de que esta questão dos fogos florestais é um fado nacional. Uma calamidade natural, inevitável e fatal como o destino

Quero começar por sublinhar, com a máxima clareza, porque recusamos a demagogia, duas notas prévias.

A primeira é a de que a resolução dos problemas da floresta portuguesa, pela situação a que se chegou, da responsabilidade de sucessivos governos deste País, mesmo com a estratégia correcta e os meios adequados, é obra de muitos anos.

A segunda é para dizer que a dimensão dos problemas relativos aos incêndios florestais que ocorreram nas últimas semanas poderia acontecer mesmo com a aceitação e a aplicação pelo Governo das ideias e orientações que várias vezes expressámos nesta Assembleia.

Srs. Deputados,

O que acabámos de dizer não pode ser ouvido como apreciação da bondade das medidas, ou pelo menos das principais medidas, decisões e orientações assumidas pelo Governo desde Outubro passado. Bem pelo contrário, é com uma avaliação profundamente crítica e um sentido claramente alternativo que nos pronunciámos, como o temos feito desde aquela data.

Julgamos que, em geral, se caminha num sentido contrário ao que, brigatoriamente, a floresta portuguesa e o País necessitavam. Por erros na detecção e identificação das causas do flagelo, que não se devem a qualquer dificuldade técnica ou política de acertar. Pura e simplesmente, a necessidade de encontrar bodes expiatórios fora do poder político central que o aliviasse de responsabilidades pela estratégia seguida e, em particular, pelos meios reduzidos que são disponibilizados. Bodes expiatórios que tiram os pecados das políticas agro-florestais prosseguidas nos últimos 30 anos, nomeadamente nas de prevenção e combate aos fogos florestais. Bodes expiatórios na figura dos proprietários florestais, em particular dos pequenos. Bodes expiatórios no assacar às câmaras municipais de competências, sem lhes assegurar meios financeiros.

E, fundamentalmente, a repetição na continuidade dos comportamentos de anteriores governos após um Verão de fogos violentos.

Este Governo, como os anteriores, muda, altera, reconfigura os sistemas de combate e de organização do aparelho de Estado. Este, como os outros, demite ou aceita demissões de uns responsáveis e nomeia novos responsáveis. Este, como os outros, anula, refaz e decreta novos normativos legais, enchendo mais umas páginas do Diário da República com resoluções do Conselho de Ministros, leis, decretos- leis, portarias e despachos.

Até poderia fazer muitas destas mudanças, se, enquanto as discutisse e as aprovasse, mesmo com as  velhas normas e orgânicas, fosse fazendo, nos meses que decorrem entre Outubro e Junho, duas coisas essenciais. Por um lado, intervindo na floresta, em particular nas áreas mais críticas, mais expostas ao flagelo, avançando com faixas de gestão de combustível, infraestruturando o terreno para facilitar possíveis intervenções de combate, fazendo e promovendo uma silvicultura preventiva. Por outro, oleando a complexa estrutura que o País criou (agora ainda mais complexa) para uma intervenção eficaz de combate, treinando e rotinando a articulação dos diversos agentes e sistemas, habituando-os ao teatro dos fogos. Para que os primeiros treinos não sejam também os primeiros fogos!

Ou seja, aproveitando bem os nove meses de Outubro a Junho.

Não se compreende, por exemplo, que só em fins de Maio a Direcção-Geral dos Recursos Florestais tenha ido falar com as concessionárias das auto-estradas sobre a limpeza das bermas!

Mas, fundamentalmente, este Governo, como os anteriores, não faz o que devia fazer, e transfere competências e responsabilidades por razões orçamentais.

Este, como os anteriores, não se dispôs a investir na floresta portuguesa o que ela necessitava e o que o interesse nacional exigia.

É uma dramática e perigosa continuidade governativa aquilo a que assistimos, mesmo se as aparências, presentes nos discursos e cerimónias de propaganda, iludem.

O Ministro da Administração Interna multiplicou por 18, uma por distrito, a sessão solene de exibição das estruturas e meios de combate, que habitualmente era feita nesta espécie de abertura da «época oficial» dos fogos.

Antes o não tivesse feito, porque é uma evidência que, independentemente do julgamento que possa ser feito sobre os recentes incêndios, entre outros, de Águeda, Alijó, Barcelos, Marão, Monção e Esposende — e o Governo tem a obrigação de fazer uma rápida avaliação do que correu mal nesses incêndios em termos de tempo de detecção e alerta, de primeira intervenção e de uso dos meios aéreos —, o confronto da gravidade desses incêndios com o espavento das 18 cerimónias não ajuda a credibilizar a estratégia seguida.

Mesmo estando-se de acordo com duas orientações avançadas — o desenvolvimento dos grupos de primeira intervenção (ainda que a forma devesse ser outra) e a aquisição de meios aéreos —, é ainda uma evidência que são restrições orçamentais que estão na origem da escassez de meios de combate e na sua condicionada utilização, logo que a situação climática potenciou significativamente o desenvolvimento dos fogos.

O Ministro da Agricultura «encheu a boca» com os 100 milhões de euros que teria disponíveis para apoiar o que lhe cabe fazer na esdrúxula divisão de tarefas que faz com o Ministério da Administração Interna.

Mas a realidade são os enormes atrasos na aprovação e no pagamento de projectos ditos de limpeza da floresta, ao abrigo do Programa Operacional Agricultura e Desenvolvimento Rural (AGRO), do Programa Agris — Medida Agricultura e Desenvolvimento Rural dos Programas Operacionais Regionais e do Fundo Florestal Permanente (FFP).

A realidade é a dos «chumbos» de dezenas de projectos com o mesmo objectivo, que os condicionalismos financeiros impediram de avançar, propostos por organizações de produtores florestais e autarquias.

A realidade é a da manutenção do número de equipas de sapadores florestais muito abaixo de 50% do mínimo que seria necessário.

Relativamente aos meios financeiros para que as câmaras municipais pudessem assumir as competências que lhes foram transferidas, o Governo faz uma estranha selecção, não se percebendo como pode haver câmaras sem o apoio mínimo decorrente da área florestal e do risco sob a sua tutela! Aliás, nestes
apoios concedidos a autarquias ao abrigo do Fundo Florestal Permanente, o Ministro e o Governo violam claramente o artigo 18.º da Lei de Bases da Política Florestal que cria o fundo, que não foi, que se saiba, alterado ou anulado! E violam-no, fazendo suportar ao Fundo Florestal Permanente o que caberia ao Orçamento do Estado pagar.

A realidade é ainda o não pagamento de serviços das equipas de sapadores e as indemnizações nas explorações agrícolas ocorridas nos incêndios do Verão passado.

Outra questão que deve ser assinalada prende-se com a chamada gestão activa da floresta. Porque é espantoso que quem faz do conceito o «alfa» e o «ómega» da resposta ao problema dos incêndios florestais «cruze os braços» e afirme a sua impotência, dizendo «é o mercado», perante a questão central da gestão activa, que é a da queda do preço da madeira desde Outubro! Entre o mercado e o interesse nacional, afinal por que lado optámos?! É que a situação agudizar-se-á nessa submissão ao mercado, isto é, aos interesses do grande capital da fileira, com o avanço da privatização do que resta de participação do Estado na Portucel/Soporcel, e a permissão para o crescimento da monopolização do sector com a recente compra da Celbi pela Caima/Altri.

Tudo o que acabamos de dizer poderia ser sintetizado com o objectivo, dito realista pelo Sr. Ministro, do Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios. Uma meta inaceitável de 100 000 ha, em média por ano, de área ardida para os próximos cinco ou seis anos. Como alguém com autoridade na matéria sublinhou, uma meta incompatível com a sustentabilidade da fileira florestal portuguesa.

O Governo teve ao seu dispor outro plano, com outro objectivo: cerca de 50% daquele que o Governo considera realista. Mas esse plano custava mais uns milhões de euros por ano!

É com esse realismo todo, do Orçamento do Estado e do Pacto de Estabilidade e Crescimento, que o País vai, infelizmente, continuar a arder. Oxalá o clima não o permita!

(…)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Horácio Antunes,

Obrigado pelas questões colocadas.

Começaria por uma afirmação sua. Disse que «tudo estava preparado», mas afinal não estava, como se verificou em Barcelos, no Marão, em Esposende, em Águeda e em Monção.

Alguns destes incêndios estão a funcionar como treino dos sistemas de combate a incêndio.

Não estava também tudo preparado porque, por exemplo, o Governo  «chumbou» os projectos apresentados pela Câmara Municipal de Barcelos. Este pequeno pormenor mostra que não estavam preparados.

É um facto que este Governo não podia resolver o acumular de políticas agro-florestais de 30 anos, que, é bom que se diga e sublinhe, são da  esponsabilidade do PS e do PSD, algumas vezes acompanhado do CDS. Foram as maiorias desta Assembleia que, inclusive, «chumbaram» propostas do PCP que agora foram recuperadas e que são consideradas a «salvação da pátria», como as ZIF. Não esqueçamos que essa proposta foi apresentada pelo PCP e foi «chumbada» pela maioria de então, a AD, aliás como outras.

Houve também uma responsabilidade de sucessivos governos relativamente à Lei de Bases da Política Florestal, aprovada em 1996, e que até hoje está por concretizar.

O Partido Socialista teve, nestes últimos 10 anos, 5 anos de governação, durante os quais não fez nada para aplicar a Lei de Bases da Política Florestal.

Um dos problemas que hoje o Governo podia resolver, mas não resolve, diz respeito às respostas financeiras à situação que existe, concretamente às competências que o Governo transferiu para as câmaras municipais.

A que propósito é que o Governo selecciona as câmaras municipais para a transferência dos meios financeiros? Também as seleccionou quando fez a transferência de competências?! Não pode! Esta situação é completamente inaceitável!

Quanto à responsabilidade na não resposta às muitas dezenas de projectos de silvicultura preventiva e de limpeza da floresta apresentados por inúmeras associações agro-florestais e de produtores florestais, o Partido Socialista e o Governo têm de responder à questão que já coloquei na minha intervenção: o problema da gestão activa. No centro da gestão activa, da gestão económica da floresta está o preço da produção lenhosa. O Governo sabe que o problema do preço das madeiras resulta de uma concertação monopolista das três empresas da celulose.

O Governo dispõe de meios para fazer com que a Portucel tomasse outras orientações, até pelas posições que detém na empresa. O Governo podia, através da Autoridade da Concorrência, por exemplo, procurar uma intervenção relativamente à compra da Celbi pela Caima, compra que vai agravar drasticamente a monopolização no sector, com inevitáveis riscos nos preços da madeira. Onde está, de facto, o desejo de que haja uma gestão activa da floresta portuguesa? Não existe!

Finalmente, Sr. Deputado Horácio Antunes, agradeço a clareza das suas afirmações, porque confirmou que o Pacto de Estabilidade, nas restrições impostas ao Orçamento do Estado português, vai continuar a condicionar, de facto, o combate aos incêndios florestais neste País. E quando começarmos
a ver a floresta outra vez a arder é bom que se saiba quem são os responsáveis políticos por essa situação: é quem faz essa opção em torno do Orçamento do Estado, pela insuficiência das respostas financeiras relativamente à floresta e aos incêndios florestais!

 

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