Intervenção de

Poder Local<br />Intervenção de Abílio Fernandes

Sr. Presidente, Srs. Deputados, A estrutura do Poder Local democrático saída da Revolução de Abril assenta em dois pilares fundamentais: a composição multipartidária dos executivos e a existência de dois órgãos, um deliberativo e outro executivo, eleitos directamente pelas populações em voto separado. A proposta do Partido Comunista Português, de reforço das competências das assembleiasmunicipais, pretende contribuir para um melhor aperfeiçoamento do quadro jurídico que regulou até hoje estes órgãos autárquicos, cuja responsabilidade de acompanhar e fiscalizar a câmara, constitui um forum convidativo de participação e representação alargada da população, na defesa dos interesses próprios e no âmbito das suas atribuições. O Partido Comunista Português propõe que a Assembleia Municipal possa alterar e aprovar o plano de actividades e o orçamento apresentado pela Câmara, introduzindo alterações que não impliquem acréscimo de valores globais, e que possa estabelecer taxas e tarifas municipais e de fixar os respectivos quantitativos. Propõe a criação de uma Comissão Permanente multipartidária que acompanhe os trabalhos da Assembleia e a actividade municipal, e que possa criar grupos municipais com os apoios necessários ao seu normal funcionamento. Apesar da importante contribuição para o desenvolvimento, todos conhecemos as limitações impostas ao Poder Local, pelo não cumprimento da Lei das Finanças Locais por parte de diversos governos maioritariamente do PS ou do PSD, o que implicou não só travagens como retrocessos na autonomia patrimonial e financeira das autarquias locais, durante estes 28 anos de institucionalização da democracia local. E chegados que estamos a um momento decisivo da vida do País, com os mais variados desafios de aumento de produtividade quer a nível público ou privado, quer na concorrência inter-cidades e inter-regiões, quer nos pesados entraves para Portugal causados pela globalização neoliberal, impõe-se defender a estrutura basilar do Poder Local que contribuiu decisivamente, até hoje, para uma parte importante do desenvolvimento do País, evitando na generalidade dos municípios o desperdício, o aproveitamento indevido, a sobreposição do interesses particulares sobre o interesse geral das populações. A proposta do PS que hoje vem à discussão deste plenário insere-se no conjunto de propostas de alterações da lei eleitoral e da lei dos mandatos. Estas alterações, como já denunciámos, apontam para o presidencialismo na gestão autárquica, para a bipolarização partidária nos actos eleitorais, e para o centralismo da política nacional. A verdade é que o PS, em convergência com o PSD não revelaram ao longo dos anos qualquer preocupaçãono reforço dos poderes das assembleias municipais e de freguesia, mas antes pelo contrário começaram por extinguir a participação das comissões de moradores, depois extinguiram os conselhos municipais, retiraram competências na aprovação dos Planos de Obras executadas pelas câmaras, a perda do poder tarifário, o impedimento de alterações ao orçamento, e a instituição em concreto das regiões administrativas, entre outras, demonstram ao contrário uma sucessiva perda de competências das assembleias municipais na intervenção autárquica. E vem agora o PS propor, o reforço dos mecanismos de acompanhamento e fiscalização das assembleias municipais, tendo em conta as alterações que propuseram ao sistema de governo municipal. A justificação é clara. Mas também é claro que, o que estápor trás desta proposta é a constituição de executivos formados por um só partido e de um presidente que escolhe os acólitos para o coadjuvarem no comando pessoal da vida municipal. Esta é que é a questão que afecta profundamente a vida democrática do Poder Local com o afastamento dos eleitos de outras forças partidárias nos órgãos executivos como garantes que têm sido do funcionamento democrático e regular das instituições locais.  Por sua vez, segundo a proposta do PS, é das assembleias municipais que emana o presidente da câmara e os vereadores. Estas, não serão mais do que órgãos nascidos do mesmo berço e do mesmo voto dos cidadãos. Não sai naturalmente fortalecida a assembleia municipal assim constituída relativamente ao actual sistema em que o cidadão é livre de escolher directamente não só o presidente da câmara mas também os vereadores e em voto separado os membros da assembleia municipal. Há actualmente uma conexão estreita entre os cidadãos e a composição dos órgãos responsáveis pelo governo do município. E deixará de haver se as propostas do PS forem aprovadas. É o presidencialismo exacerbado nas autarquias de Portugal que o PS nos vem propor.  Todas estas alterações no seu conjunto virão provocar um ainda maior retrocesso na autonomia do Poder Local e um maior afastamento das populações na participação da vida pública. Quem perde são as populações, quem perde é o País. Também consideramos discutível a proposta do BE de permitir a dissolução das câmaras e das juntas pela simples aprovação por maioria absoluta dos membros da assembleia uma vez que se poderá eventualmente transformar-se num foco de instabilidade a generalização desta atitude, e nem sempre por razões pertinentes de defesa do interesse geral da população. Não senhores deputados! Depois de abrir todos os caminhos para o precipício procura agora o PS que seja a assembleia municipal a tábua de salvação. É na verdade uma concepção frágil, ilude a segurança do sistema, e conflui para uma estrutura de Poder Local vulnerável ao caciquismo, aos desvios dos interesses das populações, à sobreposição dos interesses individuais e de grupos e traduz-se muito negativamente na perda de uma das maiores riquezas que os portugueses possuem: a sua grande capacidade de mobilização e entusiasmo na intervenção e na afirmação dos seus valores de identidade e interesse nacional sempre que lhes seja proporcionada uma transparência do poder político na defesa do interesse público. Contudo, estamos disponíveis a encarar favoravelmente as propostas do PS e do BE, no sentido de reforçar as competências das assembleias municipais, independentemente das discordâncias manifestadas e das motivações que lhes estão subjacentes.  

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