Intervenção de Bruno Dias na Assembleia de República

O PCP continuará a fazer a diferença em defesa da TAP, dos seus trabalhadores e da soberania nacional

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Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,

Há neste Relatório e nesta Comissão Parlamentar de Inquérito uma realidade que alguns não querem ver: é que ela decorre enquanto o Governo português está a lançar um novo processo de privatização da TAP. Ora, é impossível não extrair deste debate conclusões para esse processo central que está em curso.

Primeira questão. As remunerações, as regalias, os prémios, as indemnizações dos Administradores da TAP são os normais num grande grupo económico privado, mas são ilegais no quadro da Administração Pública. O Presidente da Comissão Executiva da TAP recebe de remuneração entre 10 e 15 vezes o salário do Primeiro-Ministro.

A indemnização paga a Alexandra Reis de meio milhão de euros é gigantesca. E, no entanto, é menor que as recentemente pagas pela Galp, pela EDP e por outras empresas privadas em situações similares. A indemnização de Alexandra Reis vai ser devolvida porque a TAP já não era privada quando foi atribuída. Mas os quase oito milhões de euros de indemnizações pagos entre novembro de 2015 e outubro de 2020, quando a TAP estava sob gestão privada, esses são legais, mas não são menos errados ou imorais. Privatizar a TAP é legalizar tudo isto, é aceitar estas práticas.

Segunda questão. Da mesma forma, o Relatório acabou por acolher uma realidade que ficou bem patente na CPI: os custos para a TAP das sucessivas privatizações, e de um conjunto de operações que nunca deveriam ter acontecido, mas degradaram a estrutura financeira da empresa.

Os mais de 200 milhões que custou o processo de privatização à Swissair; o preço pago pela aventura privada do Grupo Espírito Santo na aviação, salva pela TAP com 140 milhões de euros na compra da Portugália; os custos que a TAP assumiu devido às sucessivas tentativas fracassadas de privatizar a SPDH/Groundforce; os custos provocados pelos longos processos de privatização, que causaram as dificuldades de acesso ao crédito que supostamente vinham resolver; os quase mil milhões de euros que custou a aventura da Manutenção Brasil, que o PCP e os trabalhadores denunciam desde 2006 e os sucessivos governos incentivaram até 2022.

Reconhecem tudo isto, mas depois recusam-se a tirar consequências. A TAP SA tem sido lucrativa, são estes processos que têm arrastado a SGPS para baixo. É preciso acabar com estas tentativas sistemáticas de privatização.

Terceira questão. Mesmo sobre os anos de gestão privada, entre novembro de 2015 e outubro de 2020, esta CPI deixou-nos informação muito clara. Mesmo antes da pandemia, em dezembro de 2019, os capitais próprios da TAP estavam 200 milhões de euros mais negativos que no início da gestão privada.

A mentira de que a TAP estava avaliada em mil milhões de euros – alimentada por Neeleman e pelo PSD – esboroa-se quando se lê o papel feito para criar esse mito, e ele hoje é público graças a esta CPI. E seria para rir, se não fosse tão grave, quando alguém diz que “aquilo” significa que a TAP estava avaliada em mil milhões de euros em 2019.

E o projeto de alto risco de David Neeleman, destinado a criar rapidamente umas centenas de milhões de euros de lucro para si próprio, com um crescimento alavancado nas próprias receitas, rebentou completamente com a pandemia, deixando um buraco de centenas de milhões de euros de prejuízos. Como aliás rebentou uma tentativa semelhante, que o mesmo David Neeleman estava a levar a cabo na segunda companhia aérea francesa, a Aigle Azur, que faliu ainda antes da pandemia. E mesmo assim, o Governo quer avançar com uma nova privatização?!

A principal razão por que votamos contra este Relatório é por ele se recusar a tirar esta conclusão. Continuam a dizer-nos que a TAP desaparecerá se não for privatizada, mas aquilo que a vida ensina é que a TAP por um triz não desapareceu com o processo de privatização de 1998 – mas quando a privatização falhou, a TAP sobreviveu apesar de transportar às costas mais um peso. Que desaparecia se não fosse privatizada em 2012.

Não foi privatizada e não desapareceu, apesar das dificuldades, aqui reconhecidas pelos próprios responsáveis, que esse processo lhe criou. E em 2015 é finalmente privatizada – e teria desaparecido em 2020 se não fosse salva pelo Estado.

Mas há evidentemente mais razões para este voto contra.

No processo de Alexandra Reis, o PS recusou-se a aceitar o que até os próprios intervenientes já aceitaram: há responsabilidades do Governo, que deveria ter agido para que os contratos de gestão fossem assinados, que deveria ter alertado que o processo de Alexandra Reis não podia ser tratado como se a TAP fosse ainda uma empresa privada.

No processo de privatização de 2015, o Relatório aponta – mesmo ficando muito aquém da sua real gravidade – a burla que foram os Fundos Airbus, o mecanismo usado por David Neeleman para comprar a TAP com o dinheiro da própria TAP, e acaba por matizar as responsabilidades dos Governantes do PSD/CDS. Mas fá-lo para defender o PS e o Governo PS, desde logo quando ignora uma realidade que está testemunhada nas atas: Pedro Marques conheceu o mecanismo em janeiro de 2016, e continuou o muro de silêncio dos governantes.

Percebe-se porque Pedro Marques o fez: sem janeiro de 2016, se fosse público o mecanismo usado para comprar a TAP, a privatização seria revertida – e o PS não queria reverter a privatização.

Mas o facto é que o Governo PS conhecia os fundos Airbus, e deles não alertou o Tribunal de Contas no contraditório à Auditoria publicada em 2018, nem deles alertou o Parlamento, nem muito menos informou o povo português, e permitiu que David Neeleman continuasse a dar entrevistas sem contraditório, contando como tinha pagado a TAP com dinheiro do seu próprio bolso e outras mentiras do género.

E claro, em 2020, vai entregar a David Neeleman 55 milhões de euros a que este não tem direito, e ainda vai usar a ignorância pública sobre os fundos Airbus para dizer ao povo português que acabava de poupar-lhe 169 milhões de euros, quando a realidade, reconhecida aqui por todos os intervenientes, é que não havia base material para pagar um euro a David Neeleman.

No processo de reestruturação, o Relatório também se recusa a retirar consequências do que reconhece. A única reestruturação que a TAP precisava era de acabar com a aventura da ME Brasil, ser ressarcida dos prejuízos dessa operação, e receber um apoio COVID justo.

Não havia razão para reestruturar, para lançar um assalto aos salários, direitos e emprego dos trabalhadores da TAP. A TAP SA estava em problemas por causa do COVID, a TAP SGPS por causa da ME Brasil. É isto! Mas o Governo não quis perceber isto na altura e o PS não quer perceber isto agora.

Por outro lado, este processo deixou bem à vista para que serve a falta de transparência, para que serve o segredo comercial, os documentos confidenciais, a informação classificada. Tudo isto serve para que se possa mentir ao povo português.

Quando os deputados do PCP pediram acesso aos documentos da privatização de 2015, esse acesso foi negado pelo Governo PSD/CDS. Quem o negou sabia que o PCP denunciaria de imediato a burla que estava em curso com os fundos Airbus.

Da mesma forma, aos trabalhadores da TAP foi negado o pleno acesso ao processo de reestruturação, para que estes não pudessem em melhores condições resistir e responder à chantagem que o Governo estava a exercer sobre os seus direitos e remunerações.

Tudo o que de ilegal se descobriu na gestão privada da TAP (e agora muita coisa, também graças ao nosso contributo, vai ser investigada, e ainda bem) só foi possível acontecer porque foi escondida dos trabalhadores e da opinião pública. E o Relatório recusa-se a retirar consequências: nem alerta que a única razão para esconder muita da informação é para poder mentir sobre o que de facto se está a passar, nem recomenda uma completa abertura desses processos como mecanismo de proteger o interesse público.

Por fim, e a terminar esta nota final, uma palavra sobre o fundamental: a TAP e os seus trabalhadores. Portugal já não tem muitas empresas grandes, mas ainda tem a TAP.

Tem a TAP a criar riqueza em Portugal, a criar emprego em Portugal, a exportar por Portugal, a alimentar a segurança social e a receita fiscal dos portugueses, a dotar o Estado português de um instrumento essencial de soberania e desenvolvimento. E tem a TAP, em primeiro lugar, graças aos trabalhadores da TAP, de todo o grupo TAP.

O Relatório não inclui, como deveria incluir, uma consideração que se tornou clara nos trabalhos da CPI: que é preciso reverter, de forma imediata, todos os roubos cometidos contra os trabalhadores da TAP e reconstruir a capacidade operacional da empresa. Esses roubos não só foram injustos como são contraproducentes para a empresa e para a economia nacional.

Esta CPI podia – e devia – ter ido mais longe. Mas valeu a pena. Hoje é mais claro que a TAP precisa de uma gestão pública diferente, muito diferente, daquela que tem tido. Uma gestão que perceba o que é uma empresa pública e para que é que o povo português precisa de uma empresa pública – para criar emprego de qualidade, para dar exemplo de transparência, para satisfazer interesses estratégicos como a coesão territorial, a ligação à diáspora, a alimentação do turismo, a garantia de ligações aéreas estratégicas.

E ficou mais claro que a TAP precisa de deixar de ser gerida a pensar na sua privatização ou usada por um qualquer capitalista para alimentar os seus lucros custe-nos o que custar. A maioria dos deputados da CPI não quis extrair essas conclusões, mas aí está a vida real para as confirmar.

O PCP continuará a fazer a diferença em defesa da TAP, dos seus trabalhadores e da soberania nacional.

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