Declaração de Voto

Relatório Final da Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão política da TAP

Esta Comissão Parlamentar de Inquérito podia, e devia, ter ido mais longe, como aliás o PCP propôs desde o primeiro momento. Mas valeu a pena. Mesmo tendo votado contra as suas conclusões – pois estas manifestamente não refletem o que é possível apurar com o acervo de informação recolhida – o PCP orgulha-se do contributo que deu para o funcionamento da CPI e mesmo para as suas conclusões.

Ficou mais claro que a TAP precisa de uma gestão pública diferente, muito diferente, daquela que tem tido. Uma gestão que perceba o que é uma empresa pública e para que é que o povo português precisa de uma empresa pública – para satisfazer interesses estratégicos como a coesão territorial, a ligação à diáspora, o desenvolvimento económico, a garantia de ligações aéreas fundamentais para criar emprego de qualidade, para dar exemplo de transparência. E ficou mais claro que a TAP precisa de deixar de ser gerida para preparar a sua privatização e muito menos deve ser usada por um qualquer capitalista para alimentar os seus lucros custe-nos o que custar. A maioria dos deputados da CPI não quis extrair essas conclusões, porque estão amarrados à defesa dos interesses do grande capital, e tentam formatar o mundo à sua ideologia neoliberal. As privatizações são um dogma ideológico neoliberal, porque servem os interesses daqueles que se têm apropriado do património coletivo para o colocar ao serviço dos seus lucros e privilégios. Mas como a CPI também demonstrou, a realidade vai-se impondo, particularmente quando o debate político não é realizado em circuito fechado.

Aos que pretendiam transformar e inserir a CPI à gestão política da TAP num instrumento para a promoção da privatização da TAP, e até de outras empresas públicas, o tiro saiu pela culatra. Teses tantas vezes afirmadas pelo PCP — e sempre ignoradas ou desmentidas pelos sucessivos Governos — ficaram comprovadas perante os factos revelados. O PCP deu também um contributo nesta CPI para centrar o debate no que o País nas questões essenciais, não alinhando nem alimentando lateralidades, que servem sobretudo para iludir a identidade de posições de PS, PSD, Chega e IL na cedência aos interesses dos grupos económicos e das multinacionais.
O PCP continuará a intervir em defesa da TAP, dos seus trabalhadores, do povo português e do País que tanto necessita de mais empresas nacionais como a TAP, e em defesa da soberania nacional. A anunciada intenção do Governo do PS de privatizar a TAP exige que se destaquem desta CPI as conclusões que – absolutamente – recomendam, até exigem, que seja terminado esse processo.

1. Os salários e prémios recebidos por Alexandra Reis entre 2016 e 2022, comuns na TAP, são típicos de um grupo económico ou de uma multinacional, e não deveriam ser permitidos numa empresa do sector público, e não o são, exceto na TAP e na Banca. A solução é acabar com a exceção e não privatizar! PS, PSD, IL e CH querem legalizar este tipo de situações na TAP com a privatização da companhia. O PCP pretende – e irá apresentar iniciativa nesse sentido – proibir as exceções ao teto salarial para os administradores no Sector Público

2. O processo de despedimento por mútuo acordo de Alexandra Reis, o montante da indemnização negociada, a sua quase imediata integração na Administração da NAV, são um processo pouco transparente, que foi conduzido como se a TAP e a NAV fossem empresas privadas, e é ilegal. Alexandra Reis vai ter de devolver esses valores. Já os 8 milhões de euros pagos pela mesma TAP em indemnizações a administradores, durante a gestão privada, são legais, e não vão ser devolvidos. PS, PSD, IL e CH pretendem legalizar novamente estas situações na TAP através de uma nova privatização. O PCP defende que seja aplicado à TAP o regime das empresas públicas, que proíbe estas práticas.

3. Face à pandemia, que colocou todas as empresas aéreas do mundo à beira da falência, a TAP necessitou de ser capitalizada pelos seus acionistas em 2020. Os privados não queriam nem podiam fazê-lo. O Estado decidiu, e bem, capitalizar a empresa. A União Europeia impôs que essa capitalização fosse concretizada através de uma reestruturação que a reduzisse e levasse a nova privatização, opção que não impôs a empresas que receberam apoios muito maiores, como a Air France, a KLM e a Lufthansa. A TAP não precisava de uma reestruturação. A TAP SA precisava de receber os apoios justos para enfrentar os impactos da pandemia, e a TAP SGPS necessitava de se libertar da ME Brasil e de ser saneada do impacto financeiro negativo provocado pela ME Brasil. A União Europeia aproveitou a pandemia para forçar à concentração no sector da aviação à custa da soberania nacional. PS, PSD, IL e CH submetem-se a esses ditames. O PCP defende que o país pode e deve resistir a este tipo de pressões, que se vão manter e tendem a agravar-se.

4. A gestão privada da TAP, entre novembro de 2015 e outubro de 2020, desenvolveu um projeto de alto risco para a empresa, uma operação alavancada apenas nas receitas, que rebentou com o impacto da pandemia. Já em dezembro de 2019 a empresa estava com os capitais próprios 200 milhões de euros mais negativos do que em 2015. Além disso, essa gestão foi uma sucessão de “casos de polícia”: (1) A forma como a TAP foi comprada com o dinheiro da própria TAP, que exigiu que a mesma avançasse com a compra de aviões no valor de 6 mil milhões de euros para que as respetivas comissões pudessem ser recebidas por David Neeleman – os Fundos Airbus; (2) Os restantes negócios com os aviões – a cedência dos A350, a utilização dos ATR e Embraer da Azul, os dois A330 emprestados e os sucessivos contratos ACMI (aluguer de aeronaves com tripulação e manutenção incluídas); (3) as escandalosas remunerações, prémios, reformas e pré-reformas dos acionistas privados, dos seus representantes, assessores e consultores. Por muito que PS, PSD, IL e CH o tentem, a realidade impõe-se: a gestão privada ia destruindo a TAP na sua corrida ao dividendo máximo para os acionistas. Se a gestão privada foi assim, a solução não é privatizar.

5. O Governo PS teve a oportunidade de travar a privatização em 2016. Tinha a base para o fazer: a ilegalidade da operação, pois David Neeleman era o verdadeiro dono da TAP, e não Humberto Pedrosa, como todos fingiram acreditar em 2015; a ilegitimidade de uma privatização conduzida por um governo do PSD/CDS derrotado social e eleitoralmente e já demitido pelo Parlamento; a forma como a TAP tinha sido comprada com o seu próprio dinheiro. Preferiu manter os privados à frente da companhia, com os resultados desastrosos que se conhecem. E quando estes se recusam a capitalizar a empresa em 2020, ainda vai oferecer-lhes 55 milhões a que não tinham qualquer direito para sair da empresa. Agora estamos em 2023, a TAP está capitalizada, a estabilizar a sua operação, a dar resultados positivos: só a cedência a outros interesses que não os interesses nacionais pode explicar uma nova privatização da TAP.

6. As necessidades de capitalização da TAP em 2020 tinham, fundamentalmente, três origens: a dívida histórica provocada pelos sucessivos prejuízos da ME Brasil (perto de mil milhões de euros), os prejuízos com as sucessivas privatizações, salvamentos e reprivatizações da SPDH/Groundforce (cerca de 200 milhões de euros), o custo da utilização da TAP no mascaramento do esquema que levou ao colapso do BES comprando-lhe a Portugália ( cerca de 140 milhões euros) e os prejuízos com a falhada privatização à Swissair (mais de 200 milhões de euros), que corroeram uma operação do transporte aéreo lucrativa; a paralisação e depois redução forçada da atividade devido à pandemia da COVID-19, que custaram 640 milhões de euros nas contas da Comissão Europeia; as opções da gestão privada que abriram um buraco na companhia de mais umas centenas de milhões de euros e impuseram um modelo de negócio assente na rápida e permanente entrada de dinheiro. Se em quatro anos a gestão privada que vinha capitalizar a TAP agravou as necessidades de capitalização da TAP, se sem a ME Brasil a TAP pública sempre foi viável a solução não pode ser a privatização da TAP.

7. Em 2020 a TAP só necessitava de uma reestruturação: ser finalmente libertada do negócio da Manutenção e Engenharia Brasil, cujos imensos prejuízos hoje todos reconhecem, depois de quinze anos a ignorar os alertas do PCP e dos trabalhadores. E necessitava de receber os apoios justos para mitigar os efeitos da pandemia, como receberam todas as companhias aéreas do mundo. O Governo e a Comissão Europeia impuseram uma ofensiva sobre os trabalhadores e seus direitos, impuseram a redução forçada da dimensão da empresa e aproveitaram a limpeza do balanço da companhia para facilitar e preparar uma próxima privatização. Na verdade, são fundos públicos que estão a ser usados para facilitar e preparar a privatização e remunerar antecipadamente quem vier receber a TAP. É uma Comissão Europeia que apenas permite o Estado capitalizar as suas empresas para as entregar ao capital privado.

8. Ficou amplamente demonstrado que os despedimentos e os cortes nas remunerações, além dos prejuízos aos próprios trabalhadores, prejudicaram a própria empresa e a sua capacidade de retoma da operação. Os trabalhadores da TAP foram quer verdadeiramente salvou a empresa. Todas as forças políticas reconhecem – em palavras – o atrás exposto. Mas depois PS, PSD, IL e CH pedem aos trabalhadores da TAP para aceitarem os severos cortes impostos pelo plano de reestruturação. O PCP chama-lhe roubo e, consequentemente, exige que essas medidas sejam revertidas. É justo e é necessário acabar com os ataques aos direitos e salários dos trabalhadores da TAP e voltar a contratar os trabalhadores em falta e a valorizar profissões e carreiras.

9. As empresas públicas são detidas pelo Estado, tuteladas pelo Governo, administradas por uma equipa de gestores. Mas o seu proprietário coletivo é o povo português. A sua gestão tem de ser transparente, os seus contratos, decisões e planos devem ser públicos. A confidencialidade só pode ser permitida em situações excecionais de proteção de interesses comerciais da empresa, e perante o obrigatório envio da informação ao Tribunal de Contas. A gestão das empresas públicas tem de estar comprometida com interesses do povo e do País, mas tem sido dificultada pela sujeição destas aos interesses dos monopólios, e também por uma excessiva dependência da tutela e uma crescente exigência burocrática, a par de uma maior opacidade perante os trabalhadores e o povo português. Esta falta de transparência é típica da gestão dos grandes grupos económicos e das multinacionais e facilita a sujeição das empresas públicas aos interesses dos grupos económicos. É preciso mudar as leis e as práticas que permitem às Administrações e ao Governo gerir as empresas públicas como se fossem as suas empresas privadas. A solução não é privatizar, é gerir as empresas públicas como tal.

10. O Estado português tem de incluir a dimensão TAP nas prioridades de investimento. O País precisa de avançar com a construção de um Novo Aeroporto de Lisboa, onde a TAP tenha o seu reduto e o seu hub, com uma Manutenção e Engenharia valorizada, trabalhando em conjunto com as mais de 1000 empresas portuguesas que para ela vendem serviços, transportando – como mais nenhuma outra companhia – passageiros para Portugal e de Portugal para o mundo, e do Brasil para a Europa e a Ásia. A privatização da ANA condicionou e está a condicionar a construção do Novo Aeroporto de Lisboa. Manter o Aeroporto dentro da Cidade de Lisboa, em prejuízo desta, da TAP e da economia nacional, só favorece os interesses da Vinci. E quer o PSD quer o PS têm-se submetido às imposições da multinacional. O PCP vai continuar a lutar para que o país avance para a construção da solução que o país há muito consensualizou e melhor serve os seus interesses: a construção faseada de um novo Aeroporto nos terrenos públicos do atual Campo de Tiro de Alcochete.

11. Depois da realidade lhes retirar todos os argumentos que andaram anos a brandir sobre a inevitabilidade da privatização da TAP, PS e PSD recuperaram recentemente o velho argumento da privatização de 1998: a TAP necessita de estar num grande grupo para sobreviver no mundo de hoje. Mas dizem-no ignorando a experiência desastrosa de 1998, e ignorando a realidade: a TAP já hoje pertence à maior aliança estratégica do mundo da aviação – a Star Alliance – e é mesmo uma das suas componentes chave. Uma privatização colocaria aliás essa integração em risco, pois é incompatível com uma venda a, por exemplo, empresas participantes noutras alianças existentes. Se a TAP pública foi capaz da maior integração e cooperação com outras companhias do mundo, a TAP não precisa de ser privatizada para aprofundar a sua cooperação e aliança com outras empresas.

12. Há mais de 30 anos que a TAP está em processo de privatização e que a campanha mediática se centra na ideia de que a TAP “ou é privatizada ou desaparece”. Há 30 anos que, apesar de gerida a pensar na sua privatização, a TAP contribui de forma incontornável para a riqueza nacional. Nestes últimos 30 anos, a TAP ia desaparecendo duas vezes: sempre que foi privatizada (em 1998 e em 2015). É tempo de abandonar de vez a ideia de privatizar a TAP, e começar a geri-la como uma empresa pública colocada ao serviço do povo e do país.

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