Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário Geral do PCP, Sessão Pública evocativa do 50º aniversário das 8 horas de trabalho nos campos do sul

O PCP assinalou a conquista das oito horas nos campos do sul

O PCP assinalou a conquista das oito horas nos campos do sul

Assinalamos hoje, aqui, o 50º aniversário desse acontecimento histórico que foi a conquista das oito horas pelos valentes assalariados rurais da zona do latifúndio – uma conquista que foi alcançada na sequência de um vasto conjunto de complexas e difíceis lutas, travadas com notável coragem, determinação e confiança por milhares e milhares de trabalhadores; uma conquista alcançada na sequência das comemorações do 1º de Maio de 1962, que foi a mais poderosa acção do movimento operário português até então realizada.

De tal forma que, a partir daí, o Dia do Trabalhador passou a ser considerado o dia nacional da resistência antifascista, ocupando assim o lugar até à altura ocupado pelo 5 de Outubro, dia da revolução republicana burguesa.

Com efeito, as impressionantes manifestações do 1º de Maio – realizadas por todo o País, com expressão assinalável em Lisboa e no Alentejo, e em todo o lado violentamente reprimidas pelo fascismo – tiveram continuidade durante todo o mês nas grandes lutas pela conquista das oito horas de trabalho no Alentejo e Ribatejo.

Sobre a importância desse 1º de Maio e da sua ligação à importante conquista das oito horas, escreveu o camarada Álvaro Cunhal no Rumo à Vitória: «A conquista das oito horas de trabalho pelo proletariado rural é uma vitória histórica. E porque as lutas que a ela conduziram se desenvolveram em volta da grande jornada política do 1º de Maio, o dia 1 de Maio de 1962 será sempre lembrado como um marco fundamental na história da luta do proletariado português pela sua libertação do jugo do capital».

A reivindicação das oito horas para o proletariado rural fora colocada pela primeira vez no I Congresso do PCP, realizado em 1923; e nos anos que se seguiram, ao longo de décadas, essa reivindicação esteve sempre presente nos objectivos da luta dos assalariados rurais. E muitas foram as lutas travadas tendo as oito horas como referência, mesmo quando essas lutas tinham como objectivo imediato o aumento das jornas e outras reivindicações. E muitos foram os trabalhadores que pagaram a sua participação nessas lutas com a prisão, os espancamentos, as torturas, às vezes a morte.

Foi, por isso, uma luta longa e difícil e da qual os trabalhadores nunca desistiram, porque, tendo a consciência dos muitos e poderosos obstáculos que tinham à sua frente, sabiam também que só com a luta conseguiriam alcançar o seu objectivo e que se estivessem unidos e confiantes acabariam por vencer. Como a realidade viria a confirmar.

Em 1961 o objectivo das oito horas aparecia já como objectivo comum a vastas camadas dos assalariados rurais e, nesse ano, a luta ganhou uma nova dimensão e força, na medida em que ganhou novos e importantes segmentos do proletariado rural e se alargou, fortaleceu e consolidou a unidade dos trabalhadores.

E em Maio de 1962 estavam criadas as condições objectivas e subjectivas para a vitória, uma vitória histórica e que confirmou, entre outras coisas, que a luta não apenas vale a pena mas é indispensável, sempre e sejam quais forem as circunstâncias que se nos deparem.

Há cinquenta anos, precisamente no dia 2 de Maio, precisamente aqui em Grândola viviam-se momentos inesquecíveis: os assalariados rurais conquistavam as oito horas de uma forma exemplar: não as reclamaram de ninguém, nem dos agrários nem do Governo: unidos, confiantes, firmes, organizados, puseram em prática o novo horário, impondo-o.

Como nos conta um «relatório da luta», escrito por um militante do Partido e citado no Rumo à Vitória, naquele dia 2 de Maio, os trabalhadores apresentaram-se ao trabalho e, sem fazerem caso dos capatazes, «às oito horas, marcadas no relógio de um dos trabalhadores, pegaram no trabalho. Às 10H30, hora antiga do almoço, as sinetas tocaram o seu habitual sinal. Os trabalhadores não ligaram. Às 12 horas foram almoçar. Às 13 pegaram e às 17 foram para casa, impondo assim o seu verdadeiro horário».

E foi assim em todo o Alentejo Litoral: em Alcácer do Sal, Torrão, Santa Catarina, S. Romão, Águas de Moura, Ermidas, Sines, Alvalade, Odemira, S. Domingos, Abela, Aldeia dos Rins, Barros, Vila Nova de Mil Fontes, Lousal, etc, etc.

E foi assim nas semanas seguintes, em todo o Alentejo e no Ribatejo, nalguns casos assumindo formas diferentes como o recurso à greve.
É claro que a luta não foi fácil, bem pelo contrário: a reacção dos agrários e das forças repressivas do regime fascista foi brutal, o Alentejo e o Ribatejo estiveram praticamente em estado de sítio, com agressões, espancamentos e prisões em massa, à velha maneira fascista tão conhecida e sofrida pelo povo alentejano ao longo de décadas.

Mas naquela batalha concreta o fascismo foi obrigado a ceder, foi derrotado e os trabalhadores, unidos, organizados e com uma determinação inabalável, foram os vencedores.

Naturalmente, por detrás desta vitória, e a confirmar a importância decisiva da organização, estava um intenso trabalho preparatório, traduzido na realização, durante todo o mês de Abril, de milhares de contactos, de reuniões e plenários de trabalhadores, de greves, de concentrações.

Com tudo isto, em Maio de 1962 o heróico proletariado rural do Alentejo e do Ribatejo lançou à terra as sementes das quais viria a nascer, anos depois, a mais bela de todas as conquistas da Revolução de Abril: a Reforma Agrária.

Por tudo isso, estas foram as maiores lutas de sempre travadas pelos proletários rurais da zona do latifúndio no tempo do fascismo, assim alcançando a sua mais importante conquista – uma conquista que, nunca é demais insistir, só foi possível graças à sua elevada consciência de classe, graças à sua sólida e ampla unidade, graças à sua organização, graças à sua extrema combatividade; uma conquista alcançada através de uma luta que envolveu mais de duzentos mil trabalhadores, sob a direcção de um partido experiente, organizado, profundamente ligado às massas, e sempre ocupando o lugar que é o seu desde há 91 anos e que assim continuará a ser no futuro: a primeira fila da luta das massas trabalhadoras.

Por isso, como escreveu o camarada Álvaro Cunhal, «O Partido Comunista, que dirigiu desde o início a luta, pode orgulhar-se desta vitória histórica dos assalariados rurais como de uma vitória sua».

A conquista das oito horas constitui um dos exemplos mais evidentes da importância da luta, das suas potencialidades e dos resultados que, através dela, é possível atingir – um exemplo que há que ter em conta hoje e sempre.

Se há cinquenta anos foi possível, através da luta, alcançar aquela vitória histórica, também hoje é possível, através da luta, derrotar a política de direita e o seu Pacto de Agressão que PS, PSD e CDS negociaram com o FMI e a União Europeia, designadamente no que respeita à feroz ofensiva em curso contra os direitos dos trabalhadores.

Uma ofensiva que visa facilitar os despedimentos, destruir a contratação colectiva, forçar os trabalhadores a trabalhar mais por menos dinheiro, aumentar o horário de trabalho ao sabor dos interesses do grande capital explorador e pondo em causa direitos conquistados pelos trabalhadores em décadas e décadas de luta, entre eles as oito horas conquistadas ao fascismo em 1962.

Um projecto de alteração radical das relações laborais que significa mais despedimentos, mais desemprego, mais precariedade, mais degradação das condições de trabalho, um enorme retrocesso social e civilizacional.

Os trabalhadores e o nosso povo estão hoje confrontados com uma ofensiva sem paralelo desde o tempo do fascismo. Uma ofensiva que, suportada pelo Pacto de Agressão, assume uma expressão cada vez mais ampla contra os interesses populares.

Faz agora um ano que foi formalizado esse ilegítimo Pacto que foi imposto ao país e aos portugueses pelos banqueiros, pelos grandes interesses económicos e financeiros nacionais com a conivente submissão daqueles que há anos governam o país.

Impuseram-no como se fosse um programa de ajuda, mas, tal como alertámos e prevenimos, ele não é mais do que um programa de extorsão dos recursos do país e de exploração do nosso povo.

Não há domínio da nossa vida colectiva que não seja atingido pela gula insaciável dos grandes interesses e do capital especulativo.

A vida está a mostrar a quem serve e para que serve tal Pacto.

Estes meses da sua aplicação pelo governo do PSD/CSD, não deixam dúvidas acerca da enorme regressão que está em curso na vida dos portugueses e do país a todos os níveis.

Da degradação da economia portuguesa, cada vez mais afundada numa recessão profunda, à alarmante evolução do desemprego, à contínua brutal degradação do poder de compra das populações com a política de corte e congelamento dos salários, das reformas e pensões, de aumento dos impostos e dos preços de todos os serviços e bens essenciais, até ao ataque brutal que está em curso contra o direito à saúde, à educação, à segurança social dos portugueses.

Sacrifícios atrás de sacrifícios para os trabalhadores e as outras camadas populares.

Mas para que servem estes sacrifícios?

Servem exclusivamente para satisfazer os interesses daqueles que se bateram pela concretização desse Pacto de Agressão que condena o país e o povo, como está patente nos 35 mil milhões de euros de juros que o país vai pagar dessa falsa ajuda; nos previstos 12 mil milhões de euros destinados à recapitalização da banca; nos 8 mil milhões de euros disponibilizados directa e indirectamente pelo Estado para o BPN, para limpar a gestão fraudulenta daquele banco; nos 450 milhões de euros oferecidos pelos Governo do PS, PSD e CDS-PP ao BPP.

Todos os dias ouvimos dizer que não há dinheiro. Que é inevitável cortar nos salários, nas reformas, nos serviços públicos que servem as populações, no investimento que deveria servir para promover o emprego, mas o dinheiro aparece sempre quando se trata de encher os bolsos do grande capital que é contemplado com uma parte substancial dos recursos que supostamente eram solicitados para acudir à situação do país.

Continuam a falar em crise da dívida pública, para esconderem que a crise é do capitalismo, do sistema explorador e opressor.

Crise da economia de casino e da especulação, dessa economia dominada pelo sistema financeiro que foi quem a desencadeou e que impôs que os governos que a servem fossem em seu socorro com dinheiros públicos para evitar a sua falência, aumentando os défices e a dívida pública que querem que o povo pague.

É para alimentar uma brutal transferência de recursos públicos para o grande capital que estão em curso políticas e medidas de austeridade sem fim à vista.

Uma ofensiva assente numa política de mentira, de mistificação de golpe baixo.

Falam em equidade nos sacrifícios, mas todos os dias tomam medidas contra os mesmos de sempre, aqueles que têm sido mais penalizados e os que mais sofrem as consequências desta política de severa austeridade.

Bastaria ver o conjunto das suas mais recentes decisões para ver que não há qualquer equidade, mas apenas injustiça, como o atestam o prolongamento do roubo que pretendem fazer dos subsídios de férias e de Natal na administração pública e reformados ou a proibição das reformas antecipadas. A redução a pouco ou nada do valor das indemnizações por despedimento ou ainda o novo Pacote de novas de medidas de fragilização das prestações sociais, nomeadamente dos subsídios de doença, de maternidade, pensão de sobrevivência, do Rendimento Social de Inserção e agora também a anunciada introdução do plafonamento das contribuições na segurança social, para a transformar num sistema de protecção social de mínimos.

Medidas atrás de medidas para a aprofundar a exploração do trabalho e as desigualdades na sociedade portuguesa.

Foi contra tudo isto que os trabalhadores saíram massivamente à rua neste 1º de Maio em defesa dos seus direitos, pela ruptura e pela mudança!

É por tudo isto que a luta vai continuar como o afirmaram os muitos milhares que unidos e determinados comemoram o 1º de Maio por todo o país!

A evolução da situação nacional comprova actualidade às propostas que o PCP defendeu e defende no sentido de uma ruptura com a política de direita e de uma rejeição, sem hesitações e mais demora, do Pacto de Agressão que PSD, CDS e PS estão a impor ao país ao serviço dos interesses do grande capital nacional e transnacional.

Uma clara rejeição do Pacto de Agressão e não, como alguns defendem, uma mera adequação do ritmo ou dos prazos da sua execução dirigida sobretudo para tentar contornar a crescente oposição à sua aplicação.

A inscrição como objectivo crucial da renegociação da dívida – e não uma mera reestruturação como alguns defendem para salvaguardar não os interesses nacionais mas sim o dos credores – assente numa reavaliação dos prazos, e a redução de juros e montantes.

Uma renegociação, acompanhada da adopção de uma política virada para o crescimento económico tendo como eixos essenciais, entre outros, a defesa e valorização da produção nacional, a valorização dos salários e reformas essenciais para a dinamização do mercado e da procura interna e o apoio às pequenas e médias empresas e a dinamização do investimento público.

As consequências deste quase um ano de aplicação do Pacto de Agressão, revelam quanto importante continua a ser o desenvolvimento de um forte e vasto movimento popular e de luta contra esse programa de extorsão nacional e exploração dos trabalhadores e do povo.

Os trabalhadores e o povo sabem que somos um Partido que, apesar das dificuldades, não se deixa derrotar nem abater!

Um partido caldeado nas duras e longas lutas que travamos com o nosso povo.

Uma luta que é difícil, mas que, como a luta de há 50 anos que permitiu essa histórica conquista que aqui celebramos, vale a pena!

Que se desiludam os que nos convidam a cair no pântano do conformismo e das inevitabilidades, seguiremos sempre o exemplo dos valorosos combatentes que aqui recordámos e homenageámos!

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