PCP apresenta queixa contra campanha persecutória da TVI

Ex.mo Sr.Presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social

Formalização de queixa contra a TVI, canal privado de Televisão, pela reiterada violação dos mais elementares princípios deontológicos e de respeito por critérios de verdade e seriedade no desenvolvimento da acção persecutória e difamatória contra o PCP em curso há semanas.

I - Das competências da ERC

A operação persecutória contra o PCP movida pela estação televisiva TVI – baseada na manipulação, mentira e calúnia – tem-se desenvolvido, intensificado e projectado perante um silêncio incompreensível da parte de quem, com fundamento, no quadro das atribuições que lhe estão cometidas, deveria ser chamado a intervir.

Ao longo de mais de mês e meio de uma continuada campanha difamatória, preenchida por quase três horas de emissão (mais de metade das quais em canal generalista) dedicada a atingir o PCP, os seus dirigentes e militantes, o PCP dirigiu a essa Entidade, em diversos momentos (24 de Janeiro, 1 de Fevereiro, 12 de Fevereiro, 20 de Fevereiro e 22 de Fevereiro), exposições e denúncias susceptíveis de justificar a sua intervenção.

O vosso ofício SAI-ERC/2019/1909 questionando da intenção do PCP de formalizar queixa, estabelecendo o prazo previsto para resposta, não pode deixar de surpreender. Desde logo porque as exposições referidas, em si mesmo e só por si, deveriam ter levado a ERC a intervir. E sobretudo porque, como os titulares dessa Entidade não podem desconhecer, as suas competências próprias permitem (e no caso presente, dada a gravidade da acção da TVI, deveriam ter obrigado) uma actuação por iniciativa própria sem depender de formalização de queixa.

Na presença da omissão da ERC do exercício de competências que devia exercer, vem o PCP formalizar queixa contra a TVI pela campanha persecutória que está a ser sujeito.

II - Da responsabilidade editorial em presença

É a TVI e a sua linha editorial a destinatária da queixa que se apresenta. Não terá acolhimento argumentação visando situar num «programa» (no caso, na rubrica «Ana Leal», nos seus responsáveis e nos agentes que a constroem e editam) a origem dessa operação sem princípios nem decência. É que, para lá da comprovada desqualificação pessoal e profissional da equipa ligada ao referido programa, é notório que ela corresponde a uma opção editorial, ditada por critérios e objectivos políticos que, não sendo difíceis de identificar, nos dispensamos de caracterizar.

As horas dedicadas pelos dois canais da TVI a esta operação, a opção de lhe atribuir estatuto de «notícia» de abertura dos mais importantes espaços noticiosos, as peças caluniosas (misturando grosseiramente informação com opinião, recheada de mentiras e falsificações) ou a repetição, até à náusea, das mesmas peças (repetindo as mesmas mentiras mesmo depois de elas se terem comprovado como tal) só pode ser feita com a cumplicidade, conivência e decisão da direcção de informação da TVI. Estamos pois no domínio da editoria de programação e informação de um canal televisivo e não no mero plano de comportamentos compulsivos sejam eles o da propensão para a mentira ou a má-educação.

III - Da ausência de rigor informativo

Como não precederá como argumentação, desde logo da ERC, que a reiterada e ostensiva violação de disposições do código deontológico dos jornalistas (mesmo que se admita não se estar perante jornalistas, a verdade é que agem como tal e sob essa cobertura) não é matéria da sua competência. Como é visível, esse facto revela-se e reflecte-se em toda a sua extensão no conteúdo editorial da Estação referida. Ou seja, não é possível deixar de constatar-se:

  • a ausência de rigor e exactidão no relato de factos (regra primeira do Novo Código Deontológico);
  • a promoção da censura e do sensacionalismo e acusação sem provas (regra segunda do Novo Código Deontológico);
  • o desrespeito pela utilização de meios leais para obter informações, imagens ou documentos (regra terceira do Novo Código Deontológico);
  • a recusa de promover a pronta rectificação das informações que se revelem inexactas ou falsas (quinta regra do Novo Código Deontológico);
  • a não identificação das fontes como critério fundamental (sétima regra do Novo Código Deontológico)
  • a ausência de respeito pelo dever de não humilhação das pessoas (regra oitava do Novo Código Deontológico);
  • ou

  • a violação grosseira da privacidade dos cidadãos (décima regra do Novo Código Deontológico),

e considerar que estes procedimentos, continuadamente projectados como regra de conduta ética na linha editorial de um órgão de comunicação social são do estrito foro da acção individual.

Não obstante o que seja exigível, a quem detém competência regulatória, fiscalizadora e disciplinar da actividade jornalística, de intervenção julgada necessária face aos abundantes desvios comportamentais exigíveis aos profissionais individualmente considerados, não é desse domínio que nos ocuparemos.

IV - Dos factos

As peças visadas são as emitidas pela TVI no espaço informativo «Ana Leal», que integra o Jornal das 8 de quinta-feira, e que foram para o ar a 17 de Janeiro (CM Loures), 31 de Janeiro (Inválidos do Comércio), 7 de Fevereiro (CM Seixal), 21 de Fevereiro (de novo Inválidos do Comércio) e 28 de Fevereiro (de novo CM Loures). A estas somam-se presenças de Ana Leal e André Ramos em estúdio nos dias 18 de Janeiro (TVI às 13h e no espaço Deus e o Diabo, e TVI24, em vários momentos ao longo da tarde) e o directo da tarde desse dia na TVI24. Estamos certos de que estes elementos são bastantes para que essa Entidade pudesse identificar as mentiras, as manipulações, as violações de normas éticas e as condutas insidiosas e caluniosas. Mas, para que não restem dúvidas, segue-se uma identificação de elementos que, face à magnitude da operação em presença, está longe de ser exaustiva e de poder retratar a dimensão caluniosa que só a imagem e a manipulação que as acompanha pode mais plenamente expressar. Identificam-se, elencam-se e ilustram-se alguns dos eixos essenciais que enquadram e suportam a operação persecutória e provocatória.

IV. A - Das mentiras

As mentiras são várias ao longo das peças. Umas mais gritantes, outras mais subtis, algumas que poderiam ser simples imprecisões caso não fossem centrais para a tese subjacente a cada uma das peças. Não sendo possível comprovar a intencionalidade da mentira por parte da TVI, importa assinalar dois aspectos: a sua sucessão e a ausência de uma única correcção por parte da TVI, mesmo quando confrontada com os factos.

São exemplo: o caso dos Inválidos do Comércio, em que a TVI chega a repetir parte da peça original quando regressa ao tema três semanas depois, retirando algumas das afirmações mais bombásticas e insustentáveis face aos posteriores esclarecimentos, mas sem fazer qualquer rectificação; as peças sobre a Câmara Municipal de Loures em que nas peças subsequentes emitidas pela TVI para tentar sustentar mentiras anteriores se adicionam novas mentiras, embora fazendo-o, desmentindo-se ainda que implicitamente, a si própria face ao que antes sustentara, como é fácil de verificar na tentativa de transformar um ajuste directo com consulta a três entidades em entrega de trabalho a uma pessoa sobre quem tinham sustentado não ter personalidade jurídica para o fazer.

Esta é uma das exigências que se coloca: que a TVI venha reconhecer os erros factuais que constam nas várias peças e que o faça com o mesmo destaque dado às mentiras: com aberturas nos principais noticiários da estação e múltiplas repetições na TVI24.

Reproduzimos, com a actualização que entretanto a sucessão de novas mentiras da TVI justificam, o dossier disponível na página do PCP na internet, que inclusivamente já demos a conhecer à ERC:

11 mil euros por mês (…) num dos meses recebeu esse valor, limitando-se a mudar oito lâmpadas e dois casquilhos (TVI , 19h55) ou Portanto haverá muitos portugueses e muitas empresas, para fazer, como num determinado mês, como nós vimos, mudar 8 lâmpadas e 2 casquilhos, ganhar 11 mil euros. É isto, factualmente, que está em causa. (TVI, Jornal da Uma, Ana Leal - 17 de Janeiro)

MENTIRA! O contrato estabelecia, e era cumprido, a verificação, limpeza e manutenção de 438 abrigos de transportes públicos, assim como à renovação dos suportes de publicidade neles inseridos, dispersos pela área do concelho.

Jorge Bernardino, casado com a filha de Jerónimo de Sousa, estava desempregado há três anos e antes deste contrato milionário tinha trabalhado num talho, numa florista e num supermercado. (TVI, Jornal das 8, Ana Leal - 17 de Janeiro)

MENTIRA! Jorge Bernardino estava a trabalhar e não desempregado.

E o recibo não deixa margem para dúvidas. É passado a título individual e com número de contribuinte particular. (TVI, Jornal das 8, André Ramos - 17 de Janeiro)

MENTIRA! O recibo corresponde a pagamento a uma entidade empresarial neste caso de empresário em nome individual, registada como tal nas Finanças, e que apesar de repetidamente explicado, o suposto jornalista manteve a veiculação da falsidade.

A experiência profissional também levanta dúvidas. Trabalhou num supermercado, num talho e numa florista, nada relacionado com manutenção de paragens e de mupis de publicidade. (TVI, Jornal das 8, André Ramos - 17 de Janeiro)

MENTIRA! Jorge Bernardino, como é público, trabalhou cerca de 20 anos na área da electricidade e da electromecânica, habilitando-o para lá do que seria exigível ao trabalho que desenvolvia. Assim como trabalhou na área da construção e manutenção de jardins e arranjos exteriores e não numa "florista".

«A partir do primeiro contrato foi sempre a subir» (TVI, Jornal das 8, André Ramos - 17 de Janeiro)

MENTIRA! É pela manipulação de valores – o primeiro é apresentado isoladamente, em 2016 e 2017 são somados os valores de dois contratos, sem referências ao prazo – que a TVI sustenta a mentira. É ainda ocultado que a diferença dos valores dos contratos está associada à alteração da duração dos contratos e ao aumento (para o triplo!) do número de abrigos associados ao objecto do trabalho contratado.

A questão do favorecimento tem a ver com o ajuste directo. E todos os contratos, à excepção de um, todos eles são ajuste directo. E o ajuste directo significa, para quem não percebe destas coisas, a CM dizer assim: é para si. (TVI, Jornal da Uma, Ana Leal - 18 Janeiro)

MENTIRA! Mesmo que Ana Leal possa não alcançar a diferença entre conceitos elementares, ajuste directo é uma forma de contratação pública associada a consulta a outras entidades e em que a decisão de adjudicação corresponde, como no caso, ao melhor preço, logo ao interesse público.

Nem o PCP nem a CM Loures apresentam factos, limitam-se a dizer aquilo que está nos contratos. Eu digo mesmo que nem a própria CM sabe quantas paragens foram ou não limpas por Jorge Bernardino (TVI24 – 15h12, André Ramos) ou Essa é outra questão e eu desafio aqui, precisamente, o presidente da Câmara de Loures e Jerónimo de Sousa a mostrarem esses relatórios, porque o contrato é bem claro. (TVI, Jornal das 8 e Deus e o Diabo, Ana Leal - 18 Janeiro)

MENTIRA! Para lá da idiotice revelada quanto ao que ao PCP e ao seu Secretário-Geral se exigiria de explicação sobre contratos e prestação de contas de actividade de uma empresa contratada por uma autarquia, é falso, como a CM explicou, que os serviços municipais não possuam avaliação da prestação do serviço contratado.

Sabemos que as CM têm que abrir concursos públicos para que este tipo de serviços seja feito. (TVI24, Rita Rodrigues)

MENTIRA! É falso que as CM sejam obrigadas a lançar concursos públicos para contratação de serviços cujo montante e natureza seja idêntico.

Um relatório que a Câmara Municipal de Loures tinha fechado a sete chaves. (TVI, Jornal das 8, André Ramos)

MENTIRA! O relatório, que é exibido com ar de troféu e de grande descoberta, havia sido distribuído a todos os membros da Assembleia Municipal e não furtado pela TVI.

Eu recordo, muito rapidamente, que em 2013, falando de ligações políticas e familiares, o marido da então Ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque foi contratado pela EDP para uma prestação de serviços e nessa altura, em Julho de 2013, Jerónimo de Sousa disse que era uma «escandalosa promiscuidade» e que havia uma «perversão democrática e constitucional». Terminando dizendo que havia «evidências de lodaçal». Para alguém que é tão crítico para as ligações familiares entre dirigentes políticos, detentores de cargos públicos, e prestações de serviços, acho que o PCP deveria ter fundamentado melhor a reacção à reportagem. (TVI, André Ramos). Mentira repetida por palavras idênticas por Ana Leal no programa Deus e o Diabo da TVI.

MENTIRA Descarada! Como a TVI pode consultar, porque detém o registo, o que Jerónimo de Sousa criticou nos termos referidos (4 de Março de 2016, imagem de arquivo da TVI) foi a contratação da ex-ministra das Finanças para o grupo britânico de gestão de crédito Arrow Global que tinha ligações a diversas entidades bancárias portuguesas.

CM Seixal é das mais endividadas. (TVI, Jornal das 8, Ana Leal - 7 de Fevereiro)

MENTIRA! Como Joaquim Santos se esforçou por explicar, esforço em vão perante as limitações cognitivas da interlocutora, a afirmação é falsa. Não se pode observar níveis de endividamento à margem da relação receita/dívida. O município do Seixal é o 18.º no ranking entre cem dos que detêm o melhor de eficiência financeira como se pode consultar no Anuário Financeiro dos Municípios Portugueses.

O senhor, (dirigindo-se a João Bernardino) sendo do PCP, sente-se confortável ao atribuir a empresas prédios inteiros para alojamento local, despejando quem lá vive (…) Mas despeja quem lá vive! Isto vai ao arrepio até da sua própria ideologia. (…) E na prática vai ser despejada uma idosa. (TVI, Jornal das 8, André Ramos - 31 de Janeiro)

MENTIRA! Sob a obsessão persecutória revelada nas afirmações tentam-se tapar as mentiras veiculadas: Não é possível relacionar o actual Presidente dos Inválidos do Comércio, João Bernardino, com a decisão da entrega do prédio à empresa encarregue da sua administração; e ainda menos associá-lo ao suposto “despejo”. Primeiro porque não teve intervenção, depois porque não há nenhum despejo consumado. O que há em curso é um litígio com a empresa gestora (como a Associação esclareceu) em que a actual arrendatária pretende no processo em curso de arrendamento global do prédio um contrato sem termo e acesso a uma garagem na cave sem pagar mais nada. Proposta não aceite, estando em curso propostas alternativas de realojamento de valor equivalente ao que tinha. Nunca foi emitida nenhuma comunicação de despejo.

Tem 92 anos e é apenas uma das várias vítimas de despejo por uma instituição de solidariedade social dirigida por pessoas maioritariamente comunistas. (TVI, Jornal das 8, Ana Leal - 31 de Janeiro)

MENTIRA! A Senhora de 92 anos que aparece na peça não é titular do contrato de arrendamento, mas sim a filha (que aparece distorcida na peça da TVI como filha da inquilina). A idosa nada tem que ver com o prédio nem com a fracção arrendada, foi lá colocada agora de forma a poder ser instrumentalizada na peça pela TVI como vítima de despejo. Recorrendo a um termo que a TVI tanto usa, não há como negar!

A medida é controversa e partiu do pai de João Ferreira, eurodeputado do PCP e vereador na CM Lisboa eleito pela CDU, um dos maiores críticos da chamada lei dos despejos e do alojamento local. Manuel Ferreira é militante do PCP e foi vice-presidente dos Inválidos do Comércio. (TVI, 31 Janeiro, Jornal das 8, Ana Leal)

MENTIRA! Um chorrilho de mentiras! A decisão foi tomada pela anterior Direcção e foi aprovada por unanimidade do Conselho de Administração da Fundação Laura Artiaga, composto na altura por Vítor Damião, Manuel Ferreira e Francisco Cavalheiro, respectivamente Presidente, Vice-presidente e Vogal do Conselho de Administração. Nenhum deles é militante comunista. Aliás nem o pai de João Ferreira é membro do Partido.

Em remate.

Em toda esta operação da TVI marca presença uma construção que assente na manipulação, na truncagem e na insinuação se alicerça a mentira que se quer fazer prevalecer mesmo que ela não resista à prova dos factos ou tenha qualquer relação racional. As peças sobre os Inválidos do Comércio conhecem neste domínio foros de absurdo: atribuem-se responsabilidades a quem formalmente não as teve, dão-se como adquiridas intenções que não têm fundamento (como alguém medianamente informada sabe, aliás por iniciativa do PCP, foi garantido a impossibilidade de despejo de titulares de contratos de arrendamento de pessoas com mais de 65 anos a viver no locado a mais de quinze), confundem-se deliberadamente entidades (a Associação, a Fundação, a empresa gestora do património), estabelece-se a partir de um nexo de parentesco o veículo para atingir o alvo previamente escolhido. A dimensão provocatória desta peça assume contornos tais (inserção de excertos de intervenções de Jerónimo de Sousa e João Ferreira) que só podem ser explicados pelo objectivo gratuito de atacar o PCP e João Ferreira.

Assinale-se que no caso da operação dirigida contra Jerónimo de Sousa a TVI continua a ignorar ostensivamente factos irrefutáveis que têm sido esclarecidos publicamente quer quanto à natureza do contrato celebrado pelo município de Loures (não um contrato individual de trabalho como se chega a insinuar mas com quem detém personalidade jurídica para o fazer), às condições em que ele é exercido (com trabalhadores a cargo da entidade contratada e que a TVI continua deliberadamente a escamotear), à alegada e suspeitosa singularidade da forma contratual (quando é público que a exemplo de outros municípios só a CM de Loures tem, apenas em 2018, 1020 entidades empresariais contratadas).

Ao que se deve acrescentar, pelo seu significado, que a TVI insista em fixar-se para, fazer aparecer como verdade, a mentira e a manipulação sobre os “suspeitos” relatórios da empresa contratada. A mesma TVI que, como já se referiu, adensa o mistério sobre esses relatórios formalmente entregues aos eleitos municipais, é a mesma TVI que tendo recebido da CML os documentos emitidos pelos serviços que comprovam o trabalho realizado e que permitem homologar os pagamentos, continue a esconde-los pela simples razão que eles fariam desmoronar toda a sua construção de mentiras. Seria estranho, e um absurdo, que qualquer entidade pública assentasse a comprovação da execução dos contratos com base na entrega unilateral de um relatório de prestador de serviço. Só para a TVI não o será, pelas razões que facilmente se adivinham.

IV. B - Da censura e truncagem

Para além das manipulações sustentadas nas mentiras, a TVI recorreu ao corte e truncagem das declarações e esclarecimentos que recolheu. Não se tratam de meras opções de edição, mas da omissão de elementos explicativos que é impossível de aceitar, particularmente quando se tratam de peças que ultrapassam os dez minutos. Ainda mais incompreensíveis quando percebemos o claro fascínio dos autores em ouvir as suas próprias vozes, mesmo quando para isso têm de as fazer sobrepor às de quem foram ouvir.

Outro dos elementos comuns à campanha da TVI é a insinuação, recurso usado à falta de quaisquer indícios (quanto mais factos ou provas) de qualquer conduta condenável ou censurável (quanto mais ilegal ou criminosa) por parte do PCP, dos seus dirigentes ou de eleitos seus.

O recurso à censura enquanto instrumento de construção do exercício de manipulação que se pré-concebeu – e em que cada peça de um puzzle encaixa no que se pretende levar quem assiste a concluir - é elemento central para o “sucesso” da operação visada. São múltiplos os cortes, metódicos e cirúrgicos, feitos às declarações prestadas pelos responsáveis das entidades visadas e dos dirigentes e eleitos do PCP ouvidos que recheiam as peças da TVI. Cortes cirúrgicos, como quando Bernardino Soares surge a dizer que «não [tem] resposta», sem que se perceba a explicação dada de seguida. Ou como aconteceu com Joaquim Santos, quando vê a sua explicação sobre o endividamento da Câmara Municipal do Seixal truncado ou a explicação sobre as viaturas amputada ou, ainda, nas várias montagens feitas para criar a aparência de embaraço.

Dispensamo-nos de identificar em pormenor cada um dos actos de censura, os momentos em que ocorreram na montagem da peça emitida, o sentido geral das respostas dadas que integralmente reproduzidas teriam desfeito a intenção mentirosa dos autores do programa. Deixamos isso para a ERC que tem o dever de solicitar as gravações integrais de cada entrevista, de cada acto de assédio a que foram sujeitos diversos membros do PCP, titulares de cargos públicos, dirigentes associativos, meros cidadãos.

IV. C - Da ausência de padrões éticos

As violações das normas éticas a que a estação está obrigada, assim como da deontologia profissional que vincula quem pretende exercer jornalismo, são múltiplas. Assistimos à utilização de relações familiares para atingir o alvo, à invasão de privacidade, à pergunta insidiosa, e não raras vezes insultuosa, que em si já transportam a resposta que se quer obter. Quando estas não chegaram como pretendido, os jornalistas cortaram-nas: seja no momento, falando por cima, seja posteriormente, na mesa de edição.

Em qualquer caso, é visível um elemento caracterizador de um certo jornalismo da equipa que a TVI coloca ao serviço de Ana Leal: o desprezo completo e absoluto sobre os visados nas suas reportagens e sobre o que possam ter a dizer, particularmente quando desmentem as suas teses.

A boçalidade e agressividade que marca as entrevistas a Jerónimo de Sousa, Bernardino Soares, João Bernardino e Joaquim Santos não é apenas uma característica pessoal ou defeito de carácter de quem as conduz.

As expressões de sanha persecutória que levam Ana Leal, em tom inquisitório, a exigir que Jerónimo de Sousa “ apresente os contratos e os relatórios da actividade da empresa que prestava o serviço de manutenção de abrigos” (que levou aliás o jornalista José Eduardo Moniz a suscitar a questão de que isso não tinha sentido) não podem ser justificadas por meros problemas de carácter, mas sim de métodos e comportamentos que deviam estar banidos do panorama da informação. Quando em canal generalista se edita uma fotografia de uma cidadã, que detém um contrato legal com uma autarquia, e se a apresenta de forma ofensiva como “esta girl” estão ultrapassados todos os limites da indecência e da impunidade. Não estamos perante comportamentos desviantes, mas sim de um critério e opção editorial que marca um canal de televisão que ao mesmo tempo que replica, promove e difunde valores e figuras associadas ao fascismo (como ainda esta semana o fez ao dedicar uma hora em dois programas a Salazar e às suas virtudes de homem comum). Como a ERC não pode, ou não devia, deixar de saber este é um elemento marcante neste «jornalismo» que aquela equipa tão bem representa.

Num exercício em que, mais que falar, importa ouvir, a TVI escolheu o inverso.

A isto soma-se o sucessivo resvalar da informação para a opinião, o que, pela sua recorrência, não pode ser apontada como falha mas como orientação e mais um dos elementos que conformam a falta de rigor nas peças em causa.

Logo no texto do pivô de 17 de Janeiro isto é visível. Aliás, a própria jornalista que teve a seu cargo a apresentação do Jornal das 8, Judite de Sousa, omite (às 19h55), prudentemente, uma palavra que viria a ser dita por Ana Leal no lançamento do espaço sob a sua responsabilidade (às 20h42): o adjectivo «milionário» com que é classificado um contrato (quando na verdade se está a falar de múltiplos contratos).

IV. D - Da manipulação e insídia

A proliferação de elementos subjectivos e que cruzam a linha que separa informação da opinião marcam todas as peças desta operação.

Registe-se o questionamento do presidente da CM Loures. Este é um momento determinante para qualquer trabalho que se pretenda de “investigação” jornalística, já que é aqui que deveria haver uma tentativa de recolha de todos os esclarecimentos que considere necessários. Não foi essa a opção. Pelo contrário, o «jornalista» pergunta se «sabe quem é Jorge Bernardino», se «sabe que é genro do secretário-geral do PCP», a que somou ainda a insinuação jobs for the boys?. As questões dirigidas ao Secretário-Geral do PCP seguiram o mesmo guião: «Admite que o seu genro foi favorecido nos contratos com a CM Loures?».

Para lá do conteúdo das perguntas, some-se a forma como a TVI abordou Bernardino Soares e Jerónimo de Sousa. Sem qualquer tentativa de contacto prévio, a TVI enviou o seu «jornalista» à porta da CM Loures e a uma iniciativa pública do Secretário-geral do PCP com o único propósito de dizer que os ouvia a propósito da reportagem, para que o pudesse dizer na hora da emissão. O tom e o método utilizado nesses questionamentos, como fica evidente nas imagens que são públicas e ainda mais no que foi cortado e que a ERC deve exigir à TVI que ceda, são reveladores do estilo. As perguntas são insinuantes e visam claramente confirmar uma tese pré-definida, como se percebe pela ausência de pedidos de esclarecimento.

Também na peça sobre a Câmara Municipal do Seixal, Ana Leal tem afirmações que ultrapassam a linha da informação, como quando diz que «a diferença, senhor presidente, é que não é a jornalista da TVI que gere dinheiros públicos, mas sim o senhor», ou quando diz, insidiosamente, «um militante? É mais que um militante, senhor presidente, mais que um militante. Foi candidato pelas listas e o senhor tem de saber isso, vai dizer que não sabe». Talvez Ana Leal não saiba, mas facilmente pode apurar que só nas últimas eleições autárquicas houve dezenas de milhares de portugueses que foram candidatos nas listas da CDU. Que essas pessoas têm, independentemente da filiação partidária, vida própria, percursos profissionais, direito a exercer actividade e a ocupar funções públicas. Mesmo que a contragosto, Ana Leal, por mais que seja o seu fascínio pessoal pela ditadura fascista, tem de saber conviver com o facto de, neste País após o 25 de Abril, essas actividades não estarem vedadas a comunistas. Desde 25 de Abril de 1974 deixou de ser condição para o acesso a contratos públicos a apresentação de uma declaração em como não se é comunista. Aliás, a Constituição da República Portuguesa não o permite, como não permite em relação a quaisquer outras opções e filiações políticas ou partidárias. Mas a TVI, fazendo uso do seu poder mediático, pretendeu recuperar velhos e bafientos preconceitos anticomunistas, acompanhados de uma sanha persecutória intolerável e que, a ser extensível a todos os militantes de todos os partidos deixaria seguramente os organismos e serviços públicos com poucos trabalhadores de fora desse rol – ERC inclusivé.

Registe-se, ainda, os múltiplos episódios de violação da privacidade: na espera feita à porta de casa de Luís Franco (visível na peça relativa à CM Seixal), na espera feita à porta de casa de Joaquim Santos quando levava os filhos à escola (que não chegou a ir para o ar), ou na utilização de fotografias de Jorge Bernardino cuja origem nunca é identificada, como não é identificado quem o acompanha. Neste último caso, importa ainda questionar a utilização de uma fotografia com uma criança, ainda que tenha o rosto desfocado. Não vislumbramos quaisquer razões que justifique a exposição de terceiros que não seja a tentativa de atingir o Secretário-Geral do PCP, através da sua família.

IV. E - Da calúnia

A prática da calúnia é outro dos elementos recorrentes e centrais aos três actos da operação montada pela TVI. Aqui, importa dividi-las em duas categorias.

Na peça sobre a CM Loures e a CM Seixal assistimos a uma dupla calúnia: a insinuação de um favorecimento, por parte das autarquias, na contratação de determinadas entidades; a desqualificação pessoal e profissional dos contratados. A insinuação, que vai ao limite da sua concretização nas questões feitas a Jerónimo de Sousa, Bernardino Soares e Joaquim Santos, não tem qualquer facto que a sustente.

No primeiro caso, o único facto que não é desmentido pela realidade é a relação familiar do contratado com o Secretário-geral do PCP. De resto, todos os elementos que a TVI apresenta como indícios de favorecimento foram cabalmente desmentidos: não foi contratada uma pessoa, mas um empresário em nome individual que, inclusivamente, tinha trabalhadores ao seu serviço para concretizar as tarefas em causa; tinha experiência profissional relevante para as funções (designadamente na área da electricidade e electromecânica); não estava desempregado no momento em que ganhou o primeiro contrato; o trabalho tinha, como é público, como elemento principal a verificação, limpeza e manutenção regular, bem como a fixação e renovação de material informativo em 438 abrigos distribuídos por 170 Km2 e não apenas a substituição de equipamentos danificados a que a TVI tenta reduzir a prestação quando insiste no número de “casquilhos” e “lâmpadas” substituídas; o trabalho foi realizado; e verificado pelos serviços municipais. A dimensão da opção manipulatória, mentirosa e desvalorizadora do trabalho prestado é tal que se deve colocar a questão aos dois “jornalistas” envolvidos que se durante um mês que fosse realizassem o trabalho que o contrato exigia, e era realizado, continuariam a dizer que se tratava apenas de mudar uns quantos casquilhos e lâmpadas.

A TVI assumiu a mentira como meio de difamar alguém, com o único intuito de atingir um familiar seu, o Secretário-Geral do PCP.

Na peça relativa à CM Seixal o rol de mentiras não é tão extenso, mas a TVI faz o mesmo com os contratados: omite a sua experiência profissional anterior para os transformar em boys e girl. O facto de alguém ter sido candidato a cargos públicos não apaga o percurso, experiência e competência profissional, nem o facto de estar eleito durante um determinado período faz disso profissão. Nem Joaquim Judas deixou de ser médico, nem José Gonçalves e Luís Franco deixaram de ser juristas por terem exercido funções executivas nas autarquias de Almada ou de Alcochete.

V. Da face provocatória

A TVI não se tem limitado a mentir, a caluniar e a difamar. Tem-no feito não apenas com a impunidade que lhe tem sido permitida, como com a arrogância de quem se julga acima da Lei. Desafia cinicamente os visados para espaços de “contraditório” concebidamente preparados não para permitir qualquer esclarecimento, mas para os transformar em momentos de enxovalhamento a partir de pessoas sem escrúpulos. “Convida” para estúdio com menos de meia hora de antecedência para depois justificar hipocritamente que não foi aceite o convite. E, cúmulo dos cúmulos, a TVI e Ana Leal, no Jornal da Uma de 1 de Março, depois de na véspera terem repetido comprovadas mentiras e de adicionarem outras (como já acima se identificou), vêm cinicamente exigir pedidos de desculpas a Jerónimo de Sousa e Bernardino Soares pelas mentiras que a TVI continua a reeditar.

Temos consciência de que esta acção persecutória está para lá dos que a produzem e cobrem. Sabemos que – recorrendo a seguir a dois termos que recheiam as peças usadas pelos principais rostos do programa a que nos temos referido - não passam de “homens de mão” que agem a “soldo” de interesses bem mais elevados. Mas isso é, para todos os efeitos, irrelevante para a questão que se suscita: a de não ser admissível que essa acção prossiga como se natural passasse a ser a instituição de um tipo de jornalismo que não deixará de envergonhar gerações de notáveis jornalistas que independente das suas opções políticas, religiosas ou filosóficas enobreceram e enobrecem essa profissão.

VI. Em conclusão e da intervenção da ERC

Os elementos descritos não esgotam o acervo de actos que preenchem uma acção intolerável de um órgão de comunicação como a TVI. São em nosso entender suficientes para que a ERC com os meios e poderes que detém exerça as suas competências. Por isso se procede à formalização da presente queixa.

O facto de a TVI ser um canal privado não a isenta, e ao grupo monopolista que a detém, a respeitar regras e a não violar princípios básicos. Os meios financeiros que lhe são alocados podem ser usados para formar partidos e promover as acções de propaganda que lhes aprouver para combater o PCP, e por essa via procurar pôr em causa o regime democrático e a própria Constituição. Não podem é ser usados para transformar um canal de informação em instrumento de propaganda política, aríete de projectos reaccionários e anti-democráticos. O caminho de um “jornalismo justicialista” transporta todos os inquietantes ingredientes que a democracia dispensa.