Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

PCP apresenta proposta para valorizar e divulgar o cinema português

Estabelece medidas de valorização e divulgação do cinema português
(projeto de lei n.º 214/XII/1.ª)

Sr.ª Presidente,

Srs. Deputados:

O PCP traz hoje à Assembleia da República um projeto de lei que desafiará todos aqueles que se afirmam grandes defensores do cinema português a assumirem medidas concretas na prática e não só no discurso.

É importante perceber quem está com o cinema português, além das vagas declarações, e quem nega a verdadeira ação em sua defesa, particularmente numa altura em que a produção artística e cultural em Portugal está sob o fogo cerrado de um Governo que governa para a troica e para os mercados, exercendo uma autêntica censura financeira que impede a livre criação artística e, por isso mesmo, dita o domínio da monocultura do entretenimento e da indústria do cinema das grandes produtoras estrangeiras.

O serviço público de arte e cultura, que deve manifestar-se especialmente no apoio do Estado à produção livre e independente, está a ser um alvo de uma compressão sem precedentes, como se de cultura de um luxo se tratasse e não de um elemento fundamental da identidade de um povo e da própria democracia e soberania nacionais.

O apoio à produção cinematográfica sofreu um corte de 100%, cancelando os concursos do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA) e os apoios para o ano de 2012.

Sob o pretexto da apresentação de uma nova lei do cinema, o Governo deixa de cumprir a atual legislação. Que grande manobra!
Trazemos a esta Assembleia da República uma proposta para que as salas de cinema, as distribuidoras e as exibidoras de cinema em Portugal deem também o seu contributo para a dinamização e a fruição do cinema português.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferro Rodrigues.

(Sr. Presidente, estou certo de que quem quer ouvir está a fazê-lo e que aqueles que não querem também dão um sinal disso.)

Aqueles que não se coíbem de dizer que é necessário apoiar a produção nacional e a produção artística e cinematográfica têm aqui a oportunidade de demonstrar o quão real é o seu empenho.

O projeto de lei do PCP não implica custos para o Estado; antes, atribui àqueles que fazem do cinema o seu negócio e mercado uma responsabilidade perante o trabalho artístico dos realizadores, dos atores, dos técnicos e dos argumentistas portugueses.

É certo que não podem existir grandes produções sem o experimentalismo, sem a formação, sem a criatividade alternativa que constrói a base da pirâmide do próprio tecido cultural. Por isso mesmo, consideramos justo que as salas e os distribuidores contribuam para a ampliação dessa base e para a sua divulgação.

O PCP propõe que, para os estabelecimentos com mais de quatro salas de cinema, em vez dos 10 ou 15 minutos de publicidade, seja obrigatório que, pelo menos, uma das salas acople uma curta-metragem nacional escolhida pelo próprio exibidor.

Para os estabelecimentos com mais de 10 salas, o PCP propõe uma obrigatoriedade de 10% de programação dedicada a conteúdos nacionais, também escolhidos pelo exibidor.

Com uma medida simples, podemos criar todo um novo estímulo para a produção cinematográfica, baseado na remuneração do trabalho dos artistas, na divulgação e circulação das suas obras, aumentando assim a procura e potenciado a criação.

Veremos quem está comprometido de facto com a defesa do cinema português.

(…)

Sr. Presidente,

Srs. Deputados:

Quem é que viu nas salas de cinema, por exemplo, a curta-metragem de Gabriel Abrantes que ganhou o Leopardo de Ouro, em Locarno, há dois anos? Ninguém, porque não esteve nas salas de cinema.

É que, mais do que vir aqui saudar os cineastas e aqueles que se esforçam, em Portugal, para levar o nome do País lá fora, através do cinema, mais do que louvá-los, é preciso garantir que chegam às salas.

A Sr.a Deputada Gabriela Canavilhas disse que não é agora que devemos projetar o cinema português, porque ele se projetará no futuro. Mas não é, certamente, impedindo o acesso do cinema português às salas de cinema que vamos projetar coisa nenhuma.

Sr.a Deputada, estamos disponíveis para trabalhar essa questão das 9 horas da manhã e de impedir que assim os privados enganem a lei através desses mecanismos.

Aliás, o projeto de lei tem todo o espaço para cuidar de garantir que a quota dos 10% do cinema português seja cumprida de outras formas.

A Sr.a Deputada utilizou o exemplo da Espanha, onde os privados ludibriaram a lei, e eu dou-lhe o exemplo do Brasil. Vai dizer-me que o cinema brasileiro também é desvalorizado e desacreditado por existirem quotas no cinema brasileiro?!

A Sr.a Deputada não conhece o exemplo do Brasil, onde a maior produção, em quantidade e qualidade de quotas, foi precisamente nos anos em que existia uma entidade pública que fiscalizava o cumprimento da lei das curtas-metragens no Brasil, obrigando a que em todas as salas onde houvesse uma sessão estrangeira, houvesse também a passagem de uma curta-metragem brasileira?

Sr.a Deputada, hoje em dia, está preocupada…

Sr. Presidente, queria apenas dizer, para que não fique qualquer dúvida, o seguinte: a Sr.a Deputada do PSD disse-nos que propomos que estas curtas-metragens passem nos cinemas sem remuneração. Não é verdade. Em lado nenhum do projeto de lei encontra isso. Mas, Sr.a Deputada, deixe-me dizer-lhe que isso é o que passa hoje: é que os realizadores, os produtores portugueses, trabalham gratuitamente, passando os seus filmes em bares e espaços privados, cumprindo, assim, o papel de divulgação que o Estado português lhes nega.

Muito obrigado pela tolerância, Sr. Presidente.

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