Projecto de Lei N.º 214/XII

Estabelece medidas de valorização e divulgação do cinema português

Estabelece medidas de valorização e divulgação do cinema português

A cultura, como direito fundamental, quer do ponto de vista da produção, quer do ponto de vista da criação, está longe, e cada vez mais, de ser assegurada a todas as pessoas. A cultura é elemento fundamental na construção de uma sociedade democrática. Como expressão de ideias, de crenças, de convicções, de materialização

Em Portugal, a política cultural tem vindo a ser traduzir-se em menos teatro, menos música, menos cinema, menos arqueologia, menos museus, menor acesso por parte de todos e de cada um à sua fruição.

No panorama cinematográfico nacional, a aposta tem sido nos êxitos de bilheteira, ditados pela unicidade ideológica dominante em contínua desvalorização do cinema produzido em Portugal e por portugueses.

O cinema português apenas é falado quando a sua qualidade é reconhecida além-fronteiras. Mas muito é o cinema – curtas-metragens, longas-metragens, documentários, cinema de animação – produzido ou coproduzido nacionalmente.

E, todavia, o cinema português aparenta ser a crónica de uma morte anunciada.

A perda de autonomia administrativa da Cinemateca Portuguesa, integrada numa estrutura que engloba outras quatro instituições culturais (o Agrupamento Complementar de Empresas); a venda, da Tobis, histórico laboratório do cinema português e a perda da prestação de um serviço de pós-produção; a suspensão do programa de apoios à produção cinematográfica do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA), cujos concursos, paralisam os dois únicos mecanismos de investimento público no cinema: o ICA, instituto público com personalidade jurídica e autonomia financeira desde 1982 (surgido em 1971, sob a designação de Instituto Português de Cinema), e o Fundo de Investimento para o Cinema e Audiovisual (FICA), que pressupõe contribuições do Estado e de entidades privadas como televisões e distribuidores de TV (nascido em 2006, e que está imobilizado desde 2009).

Em 2012, o ICA sofreu um corte de receitas na ordem dos 4,4 milhões de euros face à estimativa de execução para 2011.

Atualmente, a produção cinematográfica é financiada com uma taxa de 4% sobre as receitas da publicidade das salas de cinema e operadores ou distribuidores de televisão.

Em França, os canais de televisão têm que contribuir todos os anos com 5,5% do seu volume de negócios para a produção cinematográfica e audiovisual, são cobradas taxas sobre bilhetes de cinema, DVD's,; em Espanha, as televisões privadas dão 5% do seu lucro anual e as públicas 6% para a produção independente, existe um sistema de incentivos fiscais para atrair capital privado. No Brasil é conhecido e reconhecido o apoio estatal à produção cinematográfica, sendo que esse apoio se estende à divulgação europeia dos filmes brasileiros, contribuindo este país até para a realização de eventos em Portugal de divulgação de produções luso-brasileiras.

Para o PCP, o apoio às artes e à cultura em Portugal tem que passar pelo imprescindível incentivo à criação e à produção nacional, encarada como prioridade política. É também no cinema português que está a História do nosso povo. O que fomos, o que somos, o que fizemos e fazemos.

A inviabilização da produção nacional, em curso, é também a inviabilização do registo histórico, da educação e formação de públicos, o afastamento de jovens criadores, atores, técnicos, o empobrecimento e desemprego de cineastas que contribuem com a sua criação para o enriquecimento cultural, económico e social do país.

A ditadura do lucro não pode ser o ponto de partida nem de chegada do investimento público em nenhuma área. No setor cultural, tal afirmação é ainda mais premente.

«Fala-se na morte do cinema desde que nasceu. Antecipa-se esse momento, como se não houvesse futuro. Mas há.» .

Com o presente Projeto de Lei o PCP cria mecanismos que, sem qualquer investimento do Estado, são um passo fundamental para a divulgação do cinema português nas salas de cinema, arquitetando um sistema de projeções de obras nacionais por forma a dinamizar a sua distribuição, fomentar a sua visualização e divulgação.

«Se deixar de haver apoio do Estado à produção cinematográfica, deixa de haver cinema português.»

Nestes termos, ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo-assinados do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º
Objeto

A presente lei determina formas de apoio à exibição das obras cinematográficas nacionais.

Artigo 2.º
Definições

Para os efeitos da aplicação da presente lei, consideram-se:

a) "Obras cinematográficas" as criações intelectuais expressas por um conjunto de combinações de palavras, música, sons, textos escritos e imagens em movimento, fixadas em qualquer suporte, destinadas prioritariamente à distribuição e exibição em salas de cinema, bem como a sua comunicação pública por qualquer meio ou forma, por fio ou sem fio;

b) "Obras nacionais" as obras cinematográficas e audiovisuais que reúnam cumulativamente os seguintes requisitos:
i) Um mínimo de 50% dos autores (realizador, autor do argumento, autor dos diálogos e autor da banda sonora) de nacionalidade portuguesa;
ii) Produção ou coprodução portuguesa, nos termos dos acordos internacionais que vinculam o Estado Português, dos acordos bilaterais de coprodução cinematográfica e da Convenção Europeia sobre Coprodução Cinematográfica e da demais legislação comunitária aplicável;
iii) Um mínimo de 75% das equipas técnicas de nacionalidade portuguesa;
iv) Um mínimo de 75% dos protagonistas e dos papéis principais e secundários interpretados por atores portugueses ou nacionais de qualquer Estado Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, salvo nos casos em que o argumento o não permita ou em caso de coproduções internacionais maioritárias;
v) Que tenham versão original em língua portuguesa, salvo exceções impostas pelo argumento;
vi) Um mínimo de 80% do tempo de rodagem ou de produção em território português, salvo nos casos em que o argumento o não permita ou em caso de coproduções internacionais maioritárias;
vii) No caso das obras de animação, os processos de produção devem ser integralmente realizados em território nacional, salvo exigências de coprodução ou de argumento, podendo a pós-produção ser efetuada em qualquer Estado Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu.

c) “Distribuidor” a pessoa singular ou coletiva, com domicílio, sede ou estabelecimento estável em Portugal, que tem por atividade a distribuição de obras cinematográficas e audiovisuais;

d) “Exibidor” a pessoa coletiva com sede ou estabelecimento estável em Portugal que tem por atividade principal a exibição em salas de obras cinematográficas, independentemente dos seus suportes originais.

Artigo 3.º
Princípios e Objetivos

1 - O Estado apoia a distribuição, a exibição, a difusão e a promoção de obras cinematográficas e enquanto concretização do direito fundamental de produção e fruição cultural.

2 – O Estado protege e promove a arte cinematográfica, nomeadamente através da determinação de regras para a sua distribuição e exibição no mercado nacional, nos termos da presente lei.

Artigo 4.º
Exibição de obras nacionais

1 – Cada exibidor ou distribuidor cujo estabelecimento tenha, no mínimo, quatro salas de exibição cinematográfica da sua propriedade está obrigado à exibição de, pelo menos, uma curta-metragem ou obra de animação nacional acoplada à longa-metragem (nacional ou internacional), em substituição dos suportes publicitários, em cada sessão.

2 – Cada exibidor ou distribuidor cujo estabelecimento tenha, no mínimo, 10 salas de exibição cinematográfica da sua propriedade está obrigado à exibição de, pelo menos, 10% de sessões dedicadas a longas-metragens nacionais, considerando a sua programação anual.

3 – A seleção das curtas-metragens, obras de animação e longas-metragens a está ao critério do exibidor e distribuidor cinematográfico.

4 - A distribuição em videograma de obras cinematográficas nacionais produzidas com apoios do Estado fica isenta do pagamento da taxa de autenticação prevista no Decreto-Lei n.º 39/88.

5 - Os filmes nacionais com exibição inicial em menos de seis salas estão isentos do pagamento da taxa de distribuição.

Artigo 5º
Fiscalização

A fiscalização da presente lei incumbe à Inspeção-Geral das Atividades Culturais.

Artigo 6º
Contraordenações

O não cumprimento, pelos distribuidores e exibidores, de cada uma das obrigações decorrentes da presente lei constitui contraordenação nos termos de legislação regulamentar própria, a aprovar pelo Governo no prazo de 60 dias.

Artigo 7.º
Entrada em vigor

A presente Lei entra em vigor no dia imediatamente seguinte à sua publicação.

Assembleia da República, em 4 de Abril de 2012

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